quinta-feira, 5 de maio de 2011

Riscos e oportunidades na relação entre o Brasil e a China

Observados de todos os ângulos, os indicadores da China sempre impressionam. A China é de fato, o grande país vencedor da disputa econômica entre as nações, nas últimas décadas. Cresce a uma média de 10% ao ano e, nos últimos trinta anos o tamanho de sua economia aumentou mais de 20 vezes. Em 2010 a economia chinesa ultrapassou a do Japão, tornando-se a segunda economia do mundo, e o seu Produto Interno Bruto (PIB) alcançou 40% do valor do produto estadunidense.
Do ponto de vista comercial e geopolítico, a importância de o Brasil estreitar a relação bilateral com a China é indiscutível. As duas economias são complementares em várias áreas, especialmente nas atividades do agronegócio. Hoje a China é o maior parceiro comercial brasileiro e compra 15% de tudo que o Brasil exporta para o mundo. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, em 2010 a China respondeu por 19,8% de toda a corrente de comércio do Brasil com o mundo e foi o maior investidor estrangeiro no país. Os produtos baratos importados da China, especialmente os bens intermediários e bens de capital, possibilitam ganhos de produtividade e produção de produtos industriais mais baratos. Por outro lado, atualmente o saldo comercial brasileiro vem sendo garantido pela China, cuja demanda crescente vem elevando os preços das commodities agrícolas e minerais que o Brasil exporta (minério de ferro, soja etc.). A China também representa grandes oportunidades para empresas brasileiras que têm competitividade e planejam estrategicamente as suas ações, especialmente com a emersão de uma imensa classe média, que adota hábitos mais ocidentalizados, inclusive na sua dieta.
O esforço da recente missão brasileira à China foi, principalmente, o de expandir a venda de produtos manufaturados, de maior valor agregado, o que é muito louvável. Mas, aqui não podem caber ilusões. Se existe complementaridade em algumas áreas, a China concorre fortemente com o Brasil em vários mercados externos e os seus produtos industriais (com seus preços imbatíveis), e sua moeda desvalorizada, significam uma ameaça para imensos setores industriais no Brasil. Por outro lado, os investimentos chineses no Brasil até agora têm se dirigido para projetos modestos e com
2
larga escala de importação de componentes, da própria China e de outros países da Ásia. A abertura do mercado chinês para os produtos brasileiros também não tem sido tarefa fácil. A recente missão, que contou inclusive com a presença da presidente Dilma, avançou pouco nessa área, apesar dos muitos gestos de prestígio, realizados pelo governo de Pequim, como a possibilidade de venda de carne suína (há cerca de cinco meses uma missão chinesa veio ao Brasil inspecionar 13 frigoríficos, mas apenas três foram considerados aptos a exportar para a China: um em Goiás, da BrazilFoods, outro em Porto Alegre e outro no Nordeste.), o destravamento da venda de 35 aviões da Embraer (negociação que já estava em curso), e algumas outras promessas.
O desafio do Brasil é estreitar relações comerciais com a China, defendendo, ao mesmo tempo, os seus próprios interesses. O jogo é duríssimo, pois, como se sabe, a piora da balança comercial (em 2010 o superávit comercial brasileiro ficou positivo em apenas 20 bilhões de dólares, o pior nos últimos oito anos) está relacionada ao quadro de sobrevalorização do real, num contexto em que está cada vez mais difícil exportar produtos manufaturados. Com o nível atual do câmbio, além de ser difícil a indústria competir lá fora, cada vez mais há a substituição de produtos nacionais por importados, especialmente de componentes da cadeia de produção industrial. O risco maior que o Brasil corre é o de déficits externos crônicos, que são uma tendência histórica da economia brasileira. Períodos de superávits externos, como o mais recente, entre 2003 e 2007, são excepcionais. O “normal”, por refletirem problemas estruturais de nossa economia, são os saldos negativos em transações correntes, como novamente vem acontecendo nos últimos três anos.
No que se refere à defesa de sua produção industrial e de seus empregos, a China tem muito que ensinar ao Brasil. Juntamente com Japão, Índia, Coréia do Sul e outros asiáticos, aquele país montou uma cadeia industrial integrada, tendo como objetivo ser a manufatura do mundo. Ademais, a produção industrial naquela região tem sido desenvolvida com grande dinamismo e inovação tecnológica, não observados em qualquer outra região do mundo. Enquanto o Brasil assiste à chegada de multinacionais de todas as origens e procedências, disseminando a instalação de verdadeiras linhas de montagem dependentes de importação de peças, partes e componentes, o governo chinês exige que empresas estrangeiras instaladas no país exportem pelo menos 30% de sua produção, protegendo assim o seu balanço de pagamentos.
3
A determinação chinesa na preservação de suas exportações deveria servir de exemplo para o Brasil, no sentido de desenvolver uma política mais proativa de defesa comercial, contra a concorrência dos importados. Mudou o cenário mundial nos últimos anos e o governo brasileiro tem que operar uma política eficiente no enfrentamento do problema, fazendo tudo que esteja ao alcance, dentro e fora da Organização Mundial do Comércio (OMC), para proteger o saldo comercial. Tudo deve ser feito para impedir a valorização do real, mantendo a taxa de câmbio competitiva, como a redução da taxa de juros e o controle mais forte dos capitais especulativos (hoje admitido até pelo Fundo Monetário Internacional). A dificuldade neste momento é dobrada, ressalte-se, pois o governo tem que controlar o câmbio, sem gerar mais pressão inflacionária, que é um dos principais desafios macroeconômicos atuais. Simultaneamente, é fundamental também acelerar o processo de expansão de um forte mercado consumidor interno, que possibilite cada vez mais fatias crescentes da população ter acesso a salários dignos e a uma vida decente. Isso reduzirá muito a nossa dependência das exportações e deverá ser um dos alicerces para o país ingressar em um processo de crescimento sustentado com distribuição de renda.

José Álvaro, economista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário