sábado, 18 de junho de 2011

Carta IEDI: O novo boom do endividamento externo brasileiro

Pouca atenção tem sido dada à trajetória da dívida externa brasileira no período pós-crise, mas seu crescimento é digno de registro. O tema é muito relevante porque a dívida em moeda estrangeira é um destacado componente da fragilidade financeira potencial da economia e das empresas brasileiras diante de um eventual "choque externo", como o Brasil vivenciou tantas vezes nas duas últimas décadas.

A abrupta retração dos fluxos de capitais para os países emergentes desencadeada pela crise financeira global de setembro de 2008 teve vida curta. Já no início de 2009, esses fluxos retornaram num contexto de juros historicamente baixos e expansão da liquidez nos países avançados. Fatores internos também fomentaram os fluxos, como as maiores taxas de crescimento, os juros mais elevados e a queda do risco relativo dos ativos emitidos por esses países (reflexo da saída bem sucedida da crise). Nesse contexto, as operações de arbitragem de juros (também conhecidas como carry trade) ressurgiram com toda força.
Enquanto o contexto de abundância de liquidez internacional, fomentado pelas políticas monetárias frouxas nos países avançados, constitui o determinante em última instância dos pronunciados aumentos no pós-crise dos fluxos de capitais para os países emergentes, os fatores internos são importantes para explicar sua distribuição regional e nacional. No âmbito da América Latina, o Brasil desponta como o país que absorveu o maior volume de fluxos financeiros no período pós-crise global.

Vários fatores (de natureza conjuntural e estrutural) explicam essa posição de destaque da economia brasileira, dentre os quais: as perspectivas de lucro com aplicações em ações de empresas produtoras de commodities ou com atividades voltadas para o mercado interno; o maior diferencial de juros do mundo; a retomada dos investimentos a partir de 2009, que se deparou, mais uma vez, com a insuficiência de fontes internas de financiamento de longo prazo.
A importância relativa desses fatores mudou desde a emergência do novo boom de capitais privados para os países em desenvolvimento, o que se refletiu na composição dos fluxos financeiros destinados para o país. É possível identificar cinco fases distintas desse boom de capitais estrangeiros para o Brasil no período que se estende de março de 2009 a abril de 2011.
A primeira corresponde ao imediato pós-crise e abrangeu o primeiro semestre de 2009. Foi caracterizada pela predominância do endividamento externo expresso na retomada dos "Outros investimentos estrangeiros", especialmente no retorno dos créditos comerciais voluntários. Na segunda fase (julho de 2009 a fevereiro de 2010), refletindo a rápida reação da economia brasileira à crise e, além disso, o diferencial de juros interno versus externo, voltam os investimentos de portfólio em ações e em renda fixa no país (que ampliam o passivo externo, mas não configuram endividamento externo). Na terceira, entre março e setembro de 2010, o endividamento externo registra um crescimento significativo, superando os investimentos de portfólio em ações e renda fixa no país. Nesse período, a ampliação ainda maior do diferencial de juros estimulou as operações de arbitragem e a retomada do investimento impulsionou a demanda por recursos externos de longo prazo pelas empresas, que foi suprida, sobretudo, por empréstimos bancários.
Em uma curta fase, entre outubro a dezembro de 2010 (correspondendo à quarta fase), os investimentos de portfólio predominaram novamente devido, principalmente, às aplicações em ações, impulsionadas pela capitalização da Petrobrás. Já as aplicações em renda fixa no país, após atingirem valor elevado em outubro (US$ 1,8 bilhões), recuaram significativamente nos dois meses subsequentes em função da elevação do IOF sobre essa modalidade de ingresso de capitais. Esse controle de capital, todavia, estimulou as empresas e, como os dados confirmam, sobretudo, os bancos, a emitirem títulos de renda fixa no exterior, modalidade de investimento de portfólio que não estava sujeita ao IOF e que ganha impulso a partir de novembro. Ou seja, os agentes privados driblaram a regulação vigente para continuar usufruindo os ganhos de arbitragem associados ao excepcional diferencial de juros.
O movimento de arbitragem regulatória se intensificou na quinta e atual fase (janeiro a abril de 2011), pois os agentes privados também reagiram às medidas macroprudenciais na área creditícia e cambial adotadas pelo BCB em dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Nesse contexto, as instituições bancárias intensificaram a captação de recursos externos, com duas finalidades: obter funding externo para suas operações de crédito, sobre o qual não incide recolhimento compulsório (que foi majorado); realizar operações de arbitragem de juros mediante emissão de títulos e a contratação de empréstimos de curto prazo no exterior, diante da imposição de limites às posições vendidas em dólar. Simultaneamente, as empresas não-financeiras também ampliaram o endividamento externo, em resposta à alta do custo do crédito doméstico já que aumentou a taxa básica de juros e os spreads bancários tiveram elevação após as medidas macroprudenciais.
Após a imposição do IOF sobre esse endividamento, o movimento de "arbitragem regulatória" teve continuidade e passou a abranger modalidades de maior prazo de duração e crédito comercial (inclusive os ACCs, que aumentaram significativamente em abril). Diante da abundância de liquidez internacional e baixa aversão ao risco a nível global, as medidas não foram eficazes em desestimular o ingresso de capitais, mas tiveram o efeito colateral positivo de alongar o prazo da dívida externa. Deve ser sublinhado que esse movimento de "arbitragem regulatória" envolveu possivelmente até mesmo os fluxos de IDE, como evidencia o forte crescimento dos empréstimos intercompanhias, que se acelera a partir de outubro de 2010, quando são adotadas as primeiras medidas de regulação. A evolução quantitativa e o perfil do endividamento por tipo de tomador no período pós-crise podem ser mais bem apreendidos na nova metodologia de classificação dos dados de estoque de dívida externa, que passou a ser divulgada pelo Banco Central do Brasil a partir de abril de 2011.

Leia a íntegra do artigo em www.iedi.org.br 


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