sexta-feira, 28 de outubro de 2011

54% dos trabalhadores latino-americanos não têm seguridade social



Quase 54% dos trabalhadores latino-americanos não estão cobertos pela seguridade social, apesar do desemprego urbano regional registrar uma taxa bem menor, de 7,3%. Esses foram alguns dos dados em destaque durante o encontro, em Lima (Peru), dos responsáveis por pesquisas de emprego dos institutos de estatística da América Latina. O encontro foi uma iniciativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“A ameaça de uma recaída provocada pela crise internacional nos põe em alerta e se torna necessário conhecer melhor suas repercussões sobre o mundo do trabalho”, disse a Diretora Regional da OIT para a América Latina e Caribe, Elizabeth Tinoco, ao inaugurar o encontro.

Ela defendeu que sejam feitas medições para além do emprego e do desemprego, em um esforço para ampliar as pesquisas sobre fenômenos como o emprego precário, o subemprego por insuficiência de horas, o emprego no setor informal, por ramos de atividade ou por grupos ocupacionais, a duração do trabalho, a evolução dos salários, entre outros aspectos.

“Na região latino-americana é necessário um esforço permanente para o desenvolvimento das estatísticas laborais”, afirmou o diretor do Sistema de Informação Laboral da OIT para a América Latina e o Caribe, Miguel del Cid.

Fonte: Diap, com informações do Portal www.onu.org.br

"O Brasil ainda não abriu os arquivos da Guerra do Paraguai"

Em entrevista à Carta Maior, o jornalista argentino Horacio Verbitsky, um dos maiores conhecedores dos sistemas repressivos na América Latina, analisa o peso dos arquivos na busca da verdade e da justiça, detalha o funcionamento da 'multinacional do crime' que foi a Operação Condor e destaca as particularidades que fazem do Brasil um país que ainda guarda documentos secretos sobre a ação dos militares nos anos de chumbo. "O Brasil é o caso mais extremo no Cone Sul, ainda mantém em segredo os arquivos da Guerra do Paraguai".

Horacio Verbitsky é uma comissão de verdade em si mesmo. A dívida da sociedade argentina com esse jornalista investigativo que revelou os rincões mais obscuros da repressão da última ditadura militar é enorme. Diretor do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), autor de cerca de 20 livros e de investigações jornalísticas de muito peso, Verbitsky é um dos mais finos conhecedores dos sistemas repressivos na América Latina. Suas obras e seu trabalho a frente do CELS lhe valeram numerosos reconhecimentos internacionais, entre eles o prêmio da Fundação Konrad Adenauer e o da Comissão Nacional Consultiva dos Direitos Humanos da França.

Por meio do CELS, cuja vocação é a promoção e proteção dos direitos humanos e o fortalecimento do sistema democrático na Argentina, Verbitsky promoveu numerosas causas contra os repressores argentinos. Ele é autor de uma das revelações mais horripilantes da recente história argentina. No livro “El vuelo” (“O Voo”), Horacio Verbitsky traz o testemunho de Adolfo Scilingo, um militar que contou em detalhes a metodologia de extermínio empregada pelos militares para eliminar os opositores na última ditadura militar. “El Vuelo” narra todo o pavoroso processo dos sequestros, as torturas, o envolvimento da Igreja Católica e a participação dos médicos naquilo que seria a solução final: lançar no mar as pessoas sequestradas.

Em entrevista à Carta Maior, Verbitsky analisa o peso dos arquivos na busca da verdade e da justiça, detalha o funcionamento dessa multinacional do crime que foi a Operação Condor e destaca as particularidades que fazem do Brasil um país que ainda guarda em documentos secretos a implicação de suas forças armadas nos anos de chumbo.

Qual foi a importância dos arquivos da Operação Condor para que avançassem os julgamentos dos repressores? E, de um modo mais amplo, em que medida a desclassificação dos arquivos norte-americanos serviu para entender melhor o funcionamento desse dispositivo repressor?

A Operação Condor foi organizada por chilenos, argentinos, brasileiros, uruguaios, paraguaios e peruanos. Os arquivos norte-americanos serviram para confirmar que os estadunidenses sabiam da existência da Operação Condor e constatar a forma pela qual Washington interviu nessa operação.

Por exemplo, os documentos dão conta de uma reunião no Chile, em junho de 1976, entre o então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, e o vice-almirante argentino César Guzzetti. Eles voltaram a se encontrar em Nova York, em novembro-dezembro do mesmo ano. Nas duas vezes, Guzzetti contou a Kissinger o que estavam fazendo com a repressão e Kissinger respondeu dizendo: “façam, mas terminem rápido”.

Nós usamos muitos desses documentos nos julgamentos. Eles foram muito úteis como peças para completar quebra-cabeças. Esses documentos não eram provas em si mesmo, mas se encaixavam com outras coisas que estavam sendo investigadas. A divulgação dos arquivos é essencial para facilitar que seja feita a justiça. Mas não é tudo. Na Argentina, a justiça avançou muito – diria que mais que em qualquer outro lugar do mundo -, mas avançou apesar de não haver arquivos.

A Argentina é a prova de que o arquivo é útil, mas não imprescindível. O que ocorre é que, sem o arquivo, depende-se da reconstrução oral, do testemunho do sobrevivente, e isso faz com que muita gente escape porque não há quem testemunhe contra eles, porque mataram as vítimas.

Os arquivos também servem para afinar um pouco a direção da busca. A falta de arquivo pode levar a que se queira julgar todo mundo, ou seja, como houve um genocídio, quem estava ali era responsável. Nós, no CELS, defendemos que têm que existir provas concretas da participação de uma pessoa.

No caso do Brasil, neste momento há um forte debate sobre a abertura ou não dos arquivos da ditadura.

O caso do Brasil é o caso mais extremo no Cone Sul, um caso extremo de segredo e de obscuridade. O Brasil ainda mantem em segredo os arquivos da Guerra do Paraguai, um fato que ocorreu há um século e meio. No que diz respeito à ditadura, e comparando com o que aconteceu na Argentina, há vários fatores que explicam isso. Por um lado, comparativamente com a Argentina, no Brasil a quantidade de vítimas é ínfima. O Brasil tem uma população várias vezes superiores a da Argentina e teve menos de 150 pessoas desaparecidas. O que houve sim foram milhares de torturados. Isso foi muito bem investigado pelo Arcebispo de São Paulo, Paulo Evaristo Arns. Ele conseguiu ver arquivos e atas ainda que não estivessem abertos oficialmente.

Em segundo lugar, isso também se explica porque, no contexto do princípio desenvolvimentista, no Brasil houve um governo em sucedido. Em troca, na Argentina, foi um fracasso. A outra diferença entre os dois países radica igualmente no fato de que, enquanto o Brasil teve relações amistosas com as potências, a Argentina viveu uma guerra com a Grã-Bretanha (as Malvinas) e os Estados Unidos. Com isso, a possibilidade de que os militares brasileiros mantenham os arquivos fechados tem sido e é muito forte. Uma ditadura como a argentina que massacrou um percentual muito alto de pessoas e que, além disso, fracassou economicamente e perdeu uma guerra contra a Grã-Bretanha, não está em condições de manter segredos de Estado.

Mas não faltou vontade política por parte dos sucessivos governos, começando pelo de Lula?

O governo de Lula não teve muito entusiasmo para mexer nesse tema. Vários fatores explicam isso: a experiência pessoal sindical de Lula, que não tem muito a ver com a de Dilma. Pode ser que isso tenha influído. Mas, de modo mais geral, no Brasil não há um grande interesse por esses temas. A sociedade não se interessa muito, é um tema que não provoca entusiasmo.

Eu tenho uma experiência muito concreta. Meu livro “El Vuelo”, que traz as confissões de Adolfo Scilingo sobre como se jogavam no mar os presos na ESMA (Escola Mecânica da Armada), foi traduzido para muitos idiomas, mas a edição que menos repercussão teve foi a brasileira. O livro teve mais repercussão na Itália, na Inglaterra, na França ou nos EUA do que no Brasil.

Há, então, no Brasil, uma espécie de bloqueio político.

Sim, sim, muito claro.

A Operação Condor foi uma autêntica coordenação entre as ditaduras do Cone Sul. Seguirá sendo um fato pouco comum na história latino-americana?

Foi uma coordenação das ditaduras da Argentina, Chile, Brasil, Paraguai, Uruguai e Peru. Essas ditaduras compartilhavam informação de inteligência e também operativos de inteligência. Há argentinos detidos no Chile, no Uruguai, no Peru e no Brasil que foram entregues às forças armadas argentinas para serem assassinados. E na Argentina, também operaram forças dos outros países. Houve um campo de concentração em Buenos Aires que se chamava Automotores Orletti, onde o grosso dos detidos era de uruguaios. Os repressores de Montevidéu vinham participar dos interrogatórios junto aos argentinos. Dali eram transportados a Montevidéu e decidiam quem vivia, quem morria e quem roubava as crianças. Foi uma colaboração muito estreita entre os governos.

Tradução: Katarina Peixoto

Líderes europeus fecham pacote contra a crise financeira

Por Assis Moreira | Valor

BRUXELAS - A zona do euro tem enfim um pacote para conter sua dramática crise que tambem ameaça a economia mundial. Os lideres da zona do euro anunciaram um acordo às 4h da manhã (horário local), após 10 horas de negociações. Para isso, tiveram que dar um ultimato aos bancos: ou aceitavam anular em 50% a dívida da Grécia ou eles deixariam Atenas anunciar o ‘calote’. Os banqueiros não demoraram nem uma hora para voltar aceitando o ultimato.
Assim, primeiro os credores privados aceitaram abandonar ‘voluntariamente’ metade da divida da Grécia, que será assim reduzida em 100 bilhões de euros, de um total de 350 bilhões de euros. Além disso, os banqueiros vão refinanciar outros 110 bilhões de euros em condições favoráveis para os gregos, mas, nesse caso, conseguiram garantias dos governos da ordem de 30 bilhões de euros.
A divida da Grécia será reduzida para 120% do PIB até 2020. Um novo programa da Uniao Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI), de até 100 bilhões de euros, será implementado até o final do ano para os gregos.
Segundo, foi criada uma barreira de proteção contra contágio, com um acordo para multiplicar em até cinco vezes o poder financeiro do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF) para socorrer países e bancos em dificuldade. A alavancagem poderá chegar a 1 trilhão de euros, dependendo da resposta que os investidores derem ao programa europeu.
Terceiro, foi alcançado um acordo para recapitalizar os bancos que precisarem de mais capital. Os bancos terão de alcançar um nível de 9% de capital de melhor qualidade até junho do ano que vem. Com isso, a necessidade de recapitalização é estimada em 106 bilhões de euros pela Autoridade Bancária Europeia, sendo 30 bilhões de euros para os bancos da Grécia; 26,1 bilhões de euros, da Espanha; 14,7 bilhões de euros, para a Itália, e 8,8 bilhões de euros, para os bancos franceses.
Quarto, ficou acertado também o começo da governança econômica da zona do euro. Todos os países terão de adotar a ‘regra de ouro’, que significa manter as contas públicas equilibradas. Um presidente para a zona do euro será escolhido.
A Itália, vista como a bola da vez, apresentou um amplo programa para equilibrar seu orçamento até 2013. Uma das medidas será o aumento da idade de aposentadoria para 67 anos até 2026.
"A decisão é histórica, todos quiseram evitar uma catástrofe", comemorou Nicolas Sarkozy, o presidente da França.
(Assis Moreira | Valor)

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O XADREZ CHINÊS



                             JOSÉ LUÍS FIORI

“One of the most important challenges for the US foreign policy is to effect a transition from immediate and vexing challenges of the Middle East to the long-term and deeply consequential issues in Asia”.

 Kurt Campbell, US assistant secretary for east Asia and Pacific, FT,12/10/2011

   No dia 21 de outubro de 2011, o presidente Barack Obama anunciou   o fim  da “guerra da America no Iraque”, e a retirada definitiva das tropas norte-americanas do território árabe. E tudo indica que não foi uma decisão isolada do governo Obama, devendo ser somada à outras iniciativas muito importantes, como a de negociar com as forças talibãs do Afeganistão, distanciar-se do radicalismo israelita, apoiar a mudança dos governos aliados do norte da África,  aceitar uma nova safra de governos islâmicos moderados, em quase todo o “Grande Médio Oriente”, e finalmente, reconhecer, de forma implícita, a participação do Irã, neste redesenho político regional. Em tudo isto é possível identificar traços de derrota e de vitória norte-americana, mas talvez o mais importante sejam duas mudanças estratégicas de largo fôlego, que estão sendo sinalizadas pela nova posição dos americanos: a primeira, na administração do poder global dos EUA, que passa a ser mais “imperial” e “terciarizada”; e a segunda, nas suas prioridades, que passam a ser a Ásia, e a disputa  pela hegemonia do  Pacífico Sul. Numa tentativa de recuperar, em pleno vôo,  o tempo perdido pelos EUA  durante a “guerra global ao terrorismo”, do presidente George Bush. Uma década em que a China se expandiu vertiginosamente e ocupou posições cada vez mais importantes, dentro do tabuleiro econômico e geopolítico asiático, enquanto os EUA permaneciam atolados no seu “grande médio oriente”. Esta mudança de prioridade, entretanto, não significa que haja consenso dentro do establishment norte-americano, sobre a forma de enfrentar o “desafio chinês”. Pelo contrário, existe uma divisão irreconciliável entre duas posições opostas. De um lado se colocam os democratas e os republicanos que pensam como Henry Kissinger, e consideram que a expansão chinesa pode ser benéfica para o mundo, e para os interesses norte-americanos, se os EUA souberem construir uma parceria estratégica com a China, administrando divergências e conflitos de interesse, evitando um enfrentamento frontal, e compartindo, no longo prazo, a supremacia regional, com os chineses. No lado oposto, se posicionam os que compartem a convicção do cientista político, John Mearsheimer, de que “uma China rica será inevitavelmente um estado agressivo e determinado a conquistar a hegemonia regional”. Concluindo junto com ele, que os EUA deve se antecipar, bloqueando os interesses chineses e estabelecendo alianças militares com todos os concorrentes regionais da China.
      Na prática, entretanto, o caminho vem sendo construído longe dos dois extremos, através de negociações  e respostas pragmáticas, mais ou menos agressivas, segundo as circunstancias. Desde 2009, pelo menos, o governo chinês vem defendendo sua soberania sobre o “Mar do Sul da China”, de forma cada vez mais assertiva, considerando-o parte do seu “core interest”, em conflito com o Vietnã, Filipinas, Malásia  Taiwan e Brunei. Recentemente, os governos do Vietnã e das Filipinas denunciaram uma “ séria violação das leis internacionais” por parte da China, na sua disputa pelas ilhas Paracel e Spartly, e ambos governos  fizeram acenos explícitos em favor de uma presença militar mais ativa dos EUA, na região. Por outro lado, a secretária de estado, Hillary Clinton, declarou no Vietnã,  em 2010, que o mesmo “Mar do Sul da China”, “faz parte do interesse nacional dos EUA”, e que os EUA se sentem no direito e dever de participar de qualquer conflito e negociação regional, em franco desafio à posição chinesa. Esta disputa deve seguir e se aprofundar, com o aumento geométrico da importância econômica regional da China e com o fortalecimento contínuo do Comando Pacífico dos EUA, que já é o seu comando regional mais  poderoso. Além disto, deve-se incluir nesta competição, a participação de outros estados poderosos, como é o caso do Japão, Índia, Rússia e também do Vietnã. E o que se deve prever é um aumento contínuo  do poder militar dos EUA, simultâneo com o crescimento da dependência econômica de toda a região, com relação ao desenvolvimento chinês. E o que é mais paradoxal, é que a própria relação econômica siamesa entre a China e os EUA deve aumentar junto com a sua disputa regional, configurando um quadro e um desafio de enorme complexidade. Neste contexto, o mais provável é que a disputa e os próprios conflitos se prolonguem e se repitam, por muito tempo, e com um alto grau permanente de incerteza. Como se fosse numa partida de wei gi, o jogo chinês em que a regra básica (como no caso do go japonês) é a do “cerco contínuo”,  e da “coexistência combativa”, com os adversários, sem que existam jamais vitórias nem vitoriosos definitivos. Uma espécie de jogo de xadrez, sem cheque-mate. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Riscos e possibilidades no estágio atual da crise mundial



Ironicamente, o sistema financeiro e os ricos, responsáveis por conduzir a economia à crise e socorridos em seu início pela sociedade, recusam-se agora a pagar parte da fatura. Confira artigo que aponta a conjuntura da crise nas principais economias mundiais

Por Rodrigo Alves Teixeira e Pedro Paulo Ciseski

As medidas monetárias e fiscais tomadas desde o início da crise em 2008 foram insuficientes para reverter o fraco desempenho econômico e reduzir o elevado desemprego nos Estados Unidos. Além disso, a política monetária apresenta ineficácia crescente na atual conjuntura de armadilha de liquidez, onde os agentes, diante de incerteza elevada, entesouram praticamente toda moeda adicional criada. Deste modo, os sucessivos afrouxamentos promovidos pelo Fed servem somente para impedir o agravamento da crise bancária.

Por outro lado, a política fiscal, instrumento mais eficaz para estimular a atividade nessa conjuntura recessiva, está bloqueada politicamente pela oposição republicana, sob os argumentos de excessivo endividamento público e de ineficácia do próprio instrumento.

Este último argumento sugere que o aumento de despesa pública é incapaz de estimular o gasto privado porque os agentes elevam sua poupança para pagar o aumento futuro de impostos necessários para financiá-la. O problema é que esse argumento não considera que tanto o aumento da despesa quanto dos impostos pode incidir sobre diferentes grupos da sociedade. Se a despesa for direcionada aos mais pobres, de elevada propensão a consumir, e os impostos aos mais ricos, de elevada propensão a poupar, a equivalência não ocorre. Porém, a oposição republicana é contrária a aumentos de impostos para os ricos, mesmo após manifestação favorável de bilionários como Warren Buffett.

Perde-se assim oportunidade histórica para corrigir grave distorção da economia americana, caracterizada pela elevada desigualdade de renda acumulada nas últimas décadas em decorrência da financeirização crescente da economia. Ironicamente, o sistema financeiro e os ricos, responsáveis por conduzir a economia à crise e socorridos em seu início pela sociedade, recusam-se agora a pagar parte da fatura. A "crise de consciência" de alguns bilionários decorre disso e de serem os maiores beneficiados do modelo anterior.

Felizmente, as recentes manifestações causadas pela ocupação das ruas de Wall Street apontam para um aumento da insatisfação da sociedade e poderão favorecer uma postura mais combativa do governo, especialmente no campo fiscal, para impedir um duplo mergulho da economia e estimular sua recuperação.

Além disso, apesar do entrave político, os graus de liberdade da política econômica dos EUA, país detentor de "privilégio exorbitante" pela condição de emissor da moeda reserva, ainda superam os da área do Euro ou de qualquer outro país do globo.


Europa

Antes da crise, alguns países da zona do Euro, em especial Grécia, Portugal e Espanha, não dispondo da taxa de câmbio como instrumento de ajuste, apresentavam déficits crescentes em transações correntes, facilmente financiados por capitais externos atraídos pela estabilidade da moeda única. Esse crédito fácil e barato levou a um forte endividamento do setor privado na Irlanda e na Espanha e do setor público na Grécia, elevando sua fragilidade financeira.

Contudo, parecia não haver problema de financiamento para os déficits externos e fiscais no período de calmaria entre o surgimento do Euro e 2008. Porém, ao pressionar as contas públicas das economias do bloco, a crise revelou que a zona do euro não dispõe de mecanismos eficazes para lidar com situações de elevado estresse financeiro e econômico pelo fato de a união limitar-se ao aspecto monetário. Sem união fiscal, inexiste o mecanismo coletivo de auxílio aos deficitários. Somente durante a crise foi criado o European Financial Stability Facility (EFSF), o fundo de resgate das economias da zona do euro. Adicionalmente, os países do bloco não dispõem individualmente dos dois outros instrumentos de combate a crises: as políticas monetária e cambial.

As compras pelo Banco Central Europeu (BCE) de títulos públicos dos países com dificuldade de financiamento geram alívio momentâneo, mas são insuficientes para estimular a economia, posto que a liquidez resultante é anulada por operações de esterilização. Além disso, o BCE resiste em adotar medidas de afrouxamento quantitativo, ao modo do Federal Reserve americano, sob o argumento de que a inflação permanece acima da meta apertada de 2%. Este fato evidencia que a região não é uma área monetária ótima, pois a política monetária é adequada para alguns países, mas não o é para outros.

O uso anticíclico da política monetária exigiria mudança radical do BCE, que resiste em abandonar o foco exclusivo na inflação, e, do mesmo modo, o uso da política fiscal está limitado pela crise das dívidas. Para piorar, as medidas de austeridade adotadas pelos governos como condição para obter ajuda financeira tendem a dificultar a recuperação econômica do bloco, especialmente num contexto de consolidação fiscal generalizada.

Neste cenário, a recuperação da economia da região tende a ser lenta, dados os limites impostos pela própria união monetária. Daí as especulações de que alguns países, que não contam mais com o financiamento voluntário de seus déficits, possam abandonar a união para viabilizar a depreciação de suas moedas e a recuperação da competitividade sem o longo e penoso processo recessivo de redução nominal de salários e preços. Vantajosa em seu início pelos efeitos benéficos sobre o investimento e o crescimento de alguns países da periferia, a união revela-se nesse momento uma poderosa camisa de força para sua recuperação.

O Banco da Inglaterra, que preservou sua autonomia não aderindo ao Euro, acabou de anunciar nova rodada de afrouxamento quantitativo para estimular sua economia. A Suíça, igualmente, entrou explicitamente na guerra cambial desvalorizando sua moeda recentemente. Tais medidas sinalizam, para os países em dificuldade, as vantagens de abandonar a união.


China

Apesar da crise mundial, a China continua a apresentar taxa de crescimento elevada. Porém, muitos começam a questionar a sustentabilidade do seu modelo de crescimento baseado em exportações em função do tamanho atingido por sua economia e das perspectivas sombrias para a crise.

Cremos que o país depara-se com duas possibilidades. A primeira é manter o modelo, que se baseia em elevada taxa de poupança, cerca de metade do PIB, e baixo consumo, cerca de um terço. Para tanto, terá que substituir a demanda dos EUA e da Europa por novos mercados. Isto tem sido feito com relativo sucesso até o momento, como prova o forte crescimento das exportações para o Brasil. Porém, esta alternativa pressupõe a manutenção do consumo interno nos baixos padrões atuais e, como consequência, crescente dificuldade política, especialmente com uma desaceleração maior, caso a crise mundial se aprofunde.

A segunda possibilidade é explorar o seu enorme mercado interno potencial. Para tanto, terá que melhorar a distribuição da renda e o padrão de vida da população, elevando o consumo. Porém, essa escolhe implica taxa de crescimento de longo prazo menos elevada pela queda esperada na taxa de investimento. Para alguns analistas, essa queda implicaria grande dificuldade política sob a hipótese de que a legitimidade do regime pressupõe elevada taxa de expansão econômica. Entretanto, cremos ser esse um falso dilema, pois o menor crescimento será compensado por melhor distribuição de renda e maior consumo, fato apreendido na teoria do crescimento econômico sob o conceito de "regra de ouro", que postula que taxas de investimento e de crescimento mais baixas podem resultar em maior bem-estar no curto e no longo prazo, pois investimento excessivo produz desperdício de capital.


Brasil

No Brasil, apesar do impacto recessivo no início da crise, a manutenção da renda e do emprego domésticos em níveis elevados garantiram demanda elevada. Em contraste, a produção industrial apresentou recuperação lenta e o setor permanece em estado de letargia em razão da elevada taxa de juros e da apreciação cambial.

A forte alta do dólar, causada recentemente pelas turbulências no mercado financeiro internacional em razão da fragilidade da economia européia, foi parcialmente revertida. Não obstante, o crescente déficit em transações correntes tem sido financiado com folga pela conta financeira, garantindo inclusive a manutenção pelo Banco Central do elevado nível de reservas internacionais. Todavia o crescimento tem sido baixo e de frágil sustentabilidade, visto que prejudica a indústria nacional. Em países de crescimento rápido e sustentável, esse setor é a principal fonte de inovação, de ganhos de produtividade e de geração de empregos de qualidade. Seu encolhimento deixa o país dependente de situações externas favoráveis, que podem se reverter subitamente. Além disso, o descompasso entre a demanda elevada e a fraca produção industrial, num regime de metas de inflação, frustra a euforia, posto que o Banco Central mantém elevada a taxa de juros para cumprir a meta.

Uma questão central é por que, com a renda e a demanda crescendo em ritmo elevado, a oferta de bens e serviços não responde na mesma velocidade para manter os preços estáveis. Cremos que a discussão sobre o controle da inflação deveria transcender o enfoque exclusivo na demanda, onde a taxa de juros aparece como o único instrumento de política. Esse enfoque, adotado pelo Banco Central durante a gestão anterior criava um círculo vicioso e autorrealizável que, felizmente, a atual tem olhado de forma mais crítica. O crescimento do produto potencial abaixo da demanda levava à manutenção de taxas de juros elevadas para conter a pressão inflacionária, porém essas taxas acabavam frustrando os planos de investimento e assim restringindo o próprio crescimento do produto potencial.

O controle da inflação deve continuar, pois do contrário implicaria o retorno do crescimento às custas da redução da renda real da maioria da população. Porém, não deve ocorrer contendo salários e emprego via juros elevados ou importações que desagregam as cadeias produtivas domésticas e sufocam nossa indústria. Esse controle deve ser buscado também e principalmente com políticas que estimulem a oferta e os ganhos de produtividade, em especial nos setores de produção de bens de consumo dos assalariados, que participam diretamente do índice de preços ao consumidor.

O crescimento sustentado da economia brasileira envolve, mais do que nunca, políticas que incentivem a inovação, o aumento da produtividade e impeçam que nossa pauta de exportações se concentre apenas em primários. Para tanto, é necessário uma política industrial e de desenvolvimento mais agressiva, baseada não exclusivamente em medidas protecionistas, como no passado, mas também com exigência de contrapartidas em inovação e competitividade, aliadas a investimentos em educação e ciência e tecnologia.


Perspectivas

Para que tanto a economia doméstica quanto a mundial possam crescer de maneira estável, é urgente uma reforma mais ampla do sistema monetário internacional, que traga mais estabilidade às relações entre as moedas. A liberdade aos fluxos de comércio não terá muita eficácia em meio à "guerra cambial".  É com isso em mente que o Brasil levou recentemente a discussão do desalinhamento cambial à OMC.

Também é muito importante o combate ao privilégio exorbitante dos EUA, além do avanço no debate, ainda tímido, mas já lançado no âmbito do G20, de administrar os fluxos de capitais para evitar catástrofes como a atual e das últimas décadas, dando margem de manobra para as economias se defenderem contra a especulação.




Rodrigo Alves Teixeira é Coordenador Geral da Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do IPEA e professor licenciado da PUC-SP. Pedro Paulo Ciseski é ex-professor da PUC-SP.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Não há como sobreviver à China sem medidas drásticas, diz economista

Por Rodrigo Pedroso | Valor
CAMPINAS – O duplo movimento chinês, de baixar a remuneração relativa dos industrializados no mercado internacional com produtos altamente competitivos, por um lado, e de elevar o patamar do preço das commodities com forte demanda, do outro, pode desindustrializar o Brasil. A tese é do economista e professor das Faculdades de Campinas (Facamp), Célio Hiratuka.
Durante palestra para alunos em um seminário nesta segunda-feira, em Campinas (SP), Hiratuka defendeu que o governo precisa tomar medidas drásticas e estratégicas para a importação não tomar lugar da indústria do país. “Precisa haver uma ação coordenada. Hoje a questão não é só de preço. As máquinas chinesas vêm subsidiadas pelo banco de lá, o câmbio deles é desvalorizado artificialmente. Esse tipo de competição é muito difícil de enfrentar”, afirmou.
Com a piora no cenário externo, de desaceleração da economia americana e crise na zona do euro, há um acirramento da competição internacional por mercados como o brasileiro. O governo precisa de um plano estratégico para proteger o mercado interno. Para Hiratuka, são necessárias melhorias nas condições de crédito e financiamento, reestruturação e recuperação do mercado de trabalho, do salário mínimo e da massa salarial, e desenvolvimento regional e ampliação de mercados.
Na outra ponta, segundo ele, o governo necessita focar seus esforços na recuperação, pela indústria nacional, de investimentos em infraestrutura, como energia e transportes, construção civil e na universalização de serviços essenciais como educação, saúde, saneamento básico e segurança. A ideia é que, a partir do fomento a esses setores, a indústria tenha o incentivo para se desenvolver e ganhar competitividade. “Essas demandas estão acima do consumo. Esse conjunto de demandas que passa pelo Estado pode gerar uma política de reestruturação industrial no longo prazo”, disse.
O crescimento do Brasil, de 2004 a 2008, antes da crise financeira internacional, foi impulsionado pelo mercado interno, lembra o economista. Mesmo com um novo cenário pela frente, em virtude do aumento do apetite internacional por consumidores externos, o país precisa aproveitar o momento para refazer a indústria nacional, que perdeu sua base entre as décadas de 1980 e 1990, diz Hiratuka.
“O Brasil é hoje um dos poucos países com esse ativo raro na economia internacional, que é um mercado grande e com potencial de crescimento. Temos que aproveitar esse ativo, e não entregá-lo de bandeja à indústria estrangeira”, disse o professor da Facamp.
(Rodrigo Pedroso | Valor)

Estudo mostra que país recolhe 60% do esgoto que produz, mas trata apenas 20%



O Brasil é um país que avança, mas ainda vem apresentando lentidão nas melhorias dos seus indicadores sociais, principalmente na área de saneamento e de aproveitamento de recursos hídricos. A conclusão está em um estudo encomendado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. A pesquisa apurou que a rede de distribuição de água canalizada já atinge 82% da população brasileira – índice que chega a mais de 90% na Região Sudeste. Constata ainda que os índices de coleta de esgoto melhoraram bastante nos últimos anos, atingindo hoje mais de 60% da população, embora apenas 20% do que é recolhido sejam tratados adequadamente.

O estudo, com mais de 3 mil páginas, foi desenvolvido pelo Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig) e pela Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV). Dele resultou a edição do Atlas Soci-Água 2011, lançado na última quinta-feira (20). A publicação é uma versão atualizada do banco de dados sobre saneamento e saúde, irrigação para a produção de alimentos e a produção de energia em usinas hidrelétricas no país.

Em entrevista à Agência Brasil, o coordenador do estudo, o professor da UFRJ Marcos Freitas, destaca o fato de que, apesar dos avanços, o país tem como melhorar o aproveitamento dos recursos atualmente direcionados à resolução de problemas referentes à água. “Há a necessidade de melhor aproveitamento e utilização da água da chuva, de estimulo à reciclagem da água, a um melhor tratamento do esgoto. A utilização dos lagos formados pelas grandes barragens que podem, por exemplo, ser aproveitados como áreas de lazer, de desenvolvimento da apicultura.”

Ao falar dos lagos formados pelas grandes hidrelétricas construídas no país, por exemplo, o professor defendeu a necessidade de identificar os gargalos tecnológicos, decorrentes dessas grandes obras. “As hidrelétricas acabam se tornando desertos demográficos. Você tem uma movimentação populacional muito grande durante a fase de construção das usinas, mas quando elas começam a funcionar o número de pessoas trabalhando nelas é muito pouco.”

Para ele, é necessário haver melhor reutilização dos lagos para uso múltiplo das águas. “A criação do que eu chamo de grandes desertos demográficos se dá pela absoluta falta de condições técnicas ou estruturais da população para aproveitar os lagos para o desenvolvimento do lazer ou mesmo da pesca e da navegação. É por isso que defendo a criação de escolas técnicas federais e estaduais nas proximidades dos lagos das hidrelétricas: seria muito proveitoso na melhoria da capacitação das populações e viabilizaria a criação de polos de desenvolvimento vinculados às hidrelétricas.”

O atlas reúne um extenso levantamento sobre o aproveitamento hídrico no país e das necessidades de buscar soluções diferenciadas para as populações das periferias e das zonas rurais. A publicação mostra, por exemplo, que existem atualmente cerca de 4 milhões de áreas irrigadas no Brasil, menos de 3% da área plantada no país, o que “é baixo em relação à média mundial de 20%”.

A primeira edição do atlas foi lançada em 2009 como resultado de um trabalho de três anos de pesquisa, que cruzou dados a respeito dos temas abordados com informações sobre educação, trabalho e rendimento, domicílios, famílias e outros aspectos demográficos.

Fonte: Agência Brasil + Mercado Ético

Entre plutocratas e destituídos


Eduardo Fagnani19 de outubro de 2011 às 18:04h
O oportuno “Movimento por um Brasil com juros baixos” aponta que o somos um caso único na história econômica de prática de taxa de juros reais de dois dígitos por 16 anos seguidos. A ação sublinha os efeitos desta política nas baixas taxas de crescimento, entrada de capitais especulativos, redução da competitividade da indústria nacional, transferência de capital para a renda improdutiva em detrimento de investimentos na infraestrutura econômica e social, e no desequilíbrio das contas públicas (36% do Orçamento Geral da União são destinados ao pagamento de encargos da dívida). Se Macunaíma vivesse, certamente diria: “Pouca saúde e juros aberrantes, os males do Brasil são!”.
Somos líderes mundiais em taxa real de juros (6,8%). O Chile ocupa o segundo lugar (1,5%). A média do conjunto de quarenta países é negativa (-0,9%). O paradoxal é que essa aberração atual é uma benção em relação ao passado. Entre 1995 e 1999, a taxa nominal de juros atingiu o patamar insano de 40%.
Somos vice-líderes no ranking de maiores pagadores de juros em proporção do PIB. Perdemos para a Grécia, mas lideramos no G20. A média da União Europeia é a metade da brasileira. A dívida nacional representa 59% do PIB, mas pagamos mais que países em pior situação: Japão (199%), Grécia (143%), Itália (119%), Irlanda (95,7%) e Portugal (93%).
Taxas de juros elevadas têm efeitos demolidores sobre as finanças públicas. Para pagar uma parte dos juros, o governo corta gastos sociais e investimentos, fazendo o chamado “superávit primário” (101 bilhões de reais em 2010). Porém, essa economia é insuficiente para o pagamento da totalidade dos juros. Em 2010, a parcela não paga totalizou 94 bilhões de reais, realimentando o explosivo estoque da dívida. Em valores nominais, entre 1994 e 2002 a dívida líquida interna do setor público subiu seis vezes, de 109 bilhões de reais para 660 bilhões de reais, dobrando como proporção do PIB (de 30 para 60%). Entre 2003 e 2010, cresceu duas vezes e meia: de 742 bilhões de reais para 1,8 trilhão de reais, mas caiu em proporção do PIB (44%) em virtude do crescimento econômico.
Em 2006, a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, ao detonar o “rudimentar” Plano do Déficit Nominal Zero, colocou o dedo na ferida: “Para crescer, é necessário reduzir a dívida pública. Para esta não crescer, é preciso uma política de juros consistente porque senão enxuga-se gelo. Faço um superávit primário de um lado e aumento o estoque e o fluxo da dívida.”
Uma forma de visualizar o peso exorbitante dos juros na economia é comparar o seu dispêndio com o gasto social. Com a Constituição de 1988, construímos as bases de um sistema de proteção inspirado na experiência da social democracia européia no pós–guerra. Passada a onda neoliberal, a partir de 2007 caminhamos no sentido de consolidar os avanços de 1988.
Em seu segundo mandato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi muito além do programa Bolsa Família. Reduzindo os juros básicos, o seu maior legado foi implantar uma estratégia de desenvolvimento social baseada no crescimento econômico, geração de emprego e renda e complementaridade entre políticas universais e focalizadas – até então vistas como excludentes. Ao recolocar o crescimento na agenda, após 25 anos de marginalização, começou por implantar o pilar inconcluso do projeto de reformas desenhado pelas forças que lutavam contra a ditadura militar: a concepção de uma estratégia macroeconômica, direcionada para o crescimento econômico com distribuição de renda.
Juros exorbitantes limitam o desenvolvimento social. A maior pressão do pagamento das despesas financeiras sobre o orçamento estreita as margens do financiamento dos gastos sociais. Um estudo do IPEA revela que, entre 1996 e 2003, a participação do gasto social federal na despesa total efetiva do governo declinou dez pontos percentuais (de 60 para 50%), enquanto a participação das despesas financeiras cresceu 16 pontos (de 17 para 33%). Isso explica o aumento da carga tributária entre 1995 e 2002 (de 29% para 36% do PIB).
Um ano de juros representa quantos anos de gasto social? Esse exercício segue abaixo com base nos principais agregados do gasto social federal utilizado na metodologia do IPEA para 2009 (valores de dezembro de 2010) e tomando como referência os 190 bilhões de reais de juros pagos no ano passado.
Um ano de juros financiaria mais de 63 anos de gasto em programas de Alimentação e Nutrição voltados para o combate à fome e à alimentação escolar, que distribui diariamente merenda para mais de 40 milhões de alunos do ensino público.
Seria o suficiente para financiar mais de cinco anos de gastos com a Assistência Social, que desenvolve ações como o programa Bolsa Família (com 50 milhões de beneficiários) e o programa Benefício de Prestação Continuada (3,8 milhões de pessoas).
Equivale a 32 anos de orçamento com o Desenvolvimento Agrário em ações como a Reforma Agrária e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
Um ano de juros representa cinco anos de gastos federais com Educação. Ao todo são mais de 53 milhões de estudantes matriculados em todos os níveis de ensino. Dados da Cepal (2006) revelam que o gasto per capita em educação no Brasil (128 dólares) fica abaixo de Cuba (328 dólares), Argentina (279 dólares), Costa Rica (235 dólares), México (233 dólares); Trinidad y Tobago (223 dólares), Venezuela (213 dólares); Chile (209 dólares); Panamá (185 dólares); Uruguai (173 dólares); Jamaica (162 dólares). A comparação com países desenvolvidos é ainda mais dramática.
O dinheiro transferido aos rentistas poderia financiar três anos de gasto com Saúde. O SUS é um dos maiores sistemas públicos do mundo, responsável pelo atendimento exclusivo de 75% da população. No ranking de 192 nações avaliadas pela Organização Mundial da Saúde (2008), o Brasil está entre os 24 países que menos destinam recursos de seu Orçamento para o setor (menos da metade da média mundial). Em termos absolutos, o governo brasileiro destina à saúde de um cidadão um décimo do valor direcionado pelos países europeus.
Um ano de juro equivale a 27 anos de investimento com Saneamento em 2009. Financiaria mais de 82 anos, se fosse considerada a média anual do período 1995 e 2006. Apenas 44% dos domicílios do País tem acesso à rede geral de esgoto (22% no Nordeste e 4% no Norte). Metade dos municípios brasileiros possui serviço de coleta de esgoto. Menos de um terço deles tratava o esgoto coletado, mas tratava apenas 70% da coleta.
Com esse dinheiro daria para cobrir mais de sete anos de investimento público em Habitação e Urbanismo em 2009. Seria possível financiar mais de 12 anos de habitação popular, se for considerada a média anual do período 1995 e 2006. Estima-se que o déficit habitacional no Brasil seja superior a oito milhões de moradias (40 milhões de pessoas). Cerca de 90% desse déficit concentra-se na faixa da população com renda de até três salários mínimos (80% da população).
Um ano de juros seria suficiente para construir 380 quilômetros de metrô, mais de nove vezes a atual rede do Rio de Janeiro e sete vezes a rede paulistana, que levaram 50 anos para serem construídas.
Torturando os números, alguns especialistas dizem que a Previdência Social é o maior gasto público. Insistem em desconsiderar a primazia das despesas financeiras. Pagamos com juros o equivalente a três anos do gasto com a Previdência Rural, que beneficia 28 milhões de pessoas direta e indiretamente (membros da família) e contribuiu, em parte, para que as migrações do campo à cidade caíssem pela metade na última década.
No caso da Previdência Urbana, os gastos se equivalem. Todavia há duas diferenças cruciais. Primeiro, ela é superavitária. Seus gastos são bancados pelos seus beneficiários e empresários. Segundo, atende 48 milhões de pessoas (direta e indiretamente), enquanto os juros fazem a festa de algumas dezenas de rentistas.
A despesa financeira é disparado o maior item de gasto público. Manobras contábeis consideram apenas a parcela dos “gastos correntes” que é financiada com impostos (“juros e encargos da dívida”). Se também for computada a parcela dos “gastos com capital”, que é financiada por recursos emprestados no mercado para a “rolagem” da dívida (“amortização e refinanciamento”), constata-se que os gastos financeiros representam mais de 40% do orçamento federal.
A sociedade deve decidir sobre o seu futuro. Políticas que atendam algumas dezenas de plutocratas ou milhões de brasileiros destituídos?
*Eduardo Fagnani é professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp e especialista em Políticas Sociais

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Em busca da igualdade entre os gêneros


*Odilon Luís Faccio
**José Álvaro de Lima Cardoso
     No que se refere ao acesso à educação pública os dados revelam que as disparidades de acesso para homens e mulheres em Santa Catarina, praticamente não existem, exceto nas regiões menos desenvolvidas econômica e culturalmente. Esse é um avanço considerável, pois acesso ao ensino e a permanência na escola diz respeito ao futuro dos homens e mulheres. Se a menina ou a jovem tem acesso à escola em igualdade de condições ao menino, no futuro ela estará tão habilitada quanto o menino/jovem a preencher uma vaga no mercado de trabalho, e essa condição de equidade é extremamente necessária para o avanço da própria democracia no país.
     No entanto, se no acesso ao ensino fundamental os avanços foram expressivos na relação entre os gêneros, no mercado de trabalho, as desigualdades ainda são muito grandes. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho, dos trabalhadores que se inseriram no mercado de trabalho formal em Santa Catarina, em 2010, aproximadamente 75% tinham pelo menos o ensino médio completo. No entanto, para cada grupo de 10 trabalhadores com escolaridade superior completa ou incompleta, seis eram mulheres e quatro eram homens. Em 2010 as mulheres tinham, em média, 10 anos de estudo enquanto os homens tinham 9,3 anos. Essa maior escolaridade, todavia, não tem evitado que a mulher aufira salário inferior ao do homem: 77,4% das mulheres com carteira assinada em Santa Catarina, em 2010, receberam até 1,5 salário mínimo (SM) percentual que entre os homens é de 56,4%. Quando se observa o extrato de salário mais elevado (mais de 5 SM) a relação é inversa: apenas 0,8% das mulheres estão nessa faixa, enquanto os homens totalizam 1,5%. O curioso é que o diferencial na remuneração entre homens e mulheres em Santa Catarina aumenta com a maior escolaridade: enquanto entre os analfabetos essa diferença foi de 14% em 2010, para os trabalhadores de nível superior a diferença atingiu 35%.
      A mulher está cada vez mais presente no mercado de trabalho no Brasil: dos 3.421.000 trabalhadores ocupados em Santa Catarina (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/2009, do IBGE), 1.496.000 (quase 44%) são mulheres, um percentual que vem crescendo a cada ano. Mas esse fato, por si só, não se reverte em sucesso na inserção no mercado de trabalho. As taxas de desemprego feminino apresentam-se sistematicamente superiores às masculinas em todas as regiões e, em geral, a mulher representa mais da metade do total de desempregados das regiões onde o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) faz a pesquisa de emprego e desemprego. As mulheres também estão mais sujeitas a ocupações com inserção vulnerável, (sem proteção e direitos trabalhistas: como os assalariados sem carteira de trabalho assinada, empregados domésticos, autônomos que trabalham para o público e trabalhadores familiares).  A boa notícia é que em função da queda do desemprego e do aumento do crescimento econômico nos últimos anos, esta redução da desigualdade entre rendimentos de homens e mulheres vem caindo.
     Além de auferir salários menores e estar em condição de maior vulnerabilidade no mercado de trabalho, a jornada de trabalho da mulher é longa e intensa pelo exercício da dupla jornada, já que, mesmo trabalhando fora de casa, culturalmente ela é considerada responsável pelo desempenho do trabalho doméstico. Além disso, boa parte da sua jornada, dedicada ao trabalho doméstico, é considerada improdutiva pelos cálculos do Produto Interno Bruto (PIB). Nesse contexto, as mulheres são as que mais sofrem os efeitos da pobreza e da desigualdade social e são as mais atingidas pela vulnerabilidade social e pela carência de políticas públicas efetivas de combate a desigualdade.
     Segundo dados divulgados por ocasião do lançamento do Plano Brasil sem Miséria, em junho de 2011, dos 16,2 milhões de pobres extremos detectados no Brasil, 40% têm até 14 anos, 71% são negros e 47% vivem no campo. O governo não tem o dado preciso, mas, possivelmente, a maioria sejam mulheres. No meio rural a situação da mulher é ainda mais difícil. Geralmente as mulheres são vistas apenas como mães e esposas dos trabalhadores rurais e o seu trabalho é invisível e considerado um simples auxílio ao trabalho masculino. Essa invisibilidade é agravada pelo fato de que no campo, na hora de prestar as informações, aparece o homem como chefe de família, falando pela família inteira. Então, provavelmente o número de mulheres que trabalham e produzem é muito maior do que aquele que aparece nas pesquisas.
     Apesar das dificuldades em Santa Catarina, de se obter dados relativos às mulheres negras, é possível inferir, a partir das informações de sexo e negros no mercado de trabalho, que as condições de trabalho e emprego dessas mulheres sejam extremamente adversas no Estado. Um sintoma disso é a taxa de desocupação dos negros, que em Santa Catarina, segundo a PNAD/2009, estava em 8,5%, quase o dobro da mesma taxa entre os brancos, de 4,6% (praticamente, o chamado “pleno emprego”). Se, comprovadamente, em todas as regiões do país se constata que a taxa de desemprego da mulher é sempre superior à do homem, a desocupação da mulher negra, no Estado, certamente será superior aos dos negros como um todo, talvez superando os 10%. É fácil deduzir que tais dificuldades da mulher negra no acesso ao trabalho se estendam também a outros indicadores como renda, informalidade, rotatividade, precariedade, etc.
*Engenheiro agrônomo e Coordenador Estadual do Movimento Nós Podemos Santa Catarina.
**Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
   

Maiores devedores do mundo

http://economia.ig.com.br/criseeconomica/veja-quais-sao-os-paises-mais-endividados-do-mundo/n1597244613617.html

Uma Argentina sem surpresas – e sem oposição


A oposição feroz dos grandes conglomerados dos meios de comunicação, a resistência desrespeitosa dos grandes magnatas do campo, as chantagens dos grandes barões da indústria, a virulenta má vontade das classes mais favorecidas, tudo isso somado não foi capaz de abalar o prestígio da presidente Cristina Fernández de Kirchner. Ela conquistou apoio de amplas faixas do eleitorado mais jovem, abriu espaço junto aos profissionais liberais, recebeu o voto massivo dos pobres. O artigo é de Eric Nepomuceno.

Não houve nenhuma surpresa, e a grande curiosidade, até tarde da noite do domingo, 23 de outubro, era saber qual a porcentagem de votos que daria a Cristina Fernández de Kirchner uma das mais estrondosas vitórias da história da Argentina. Havia, é verdade, outra curiosidade: quanto por cento do eleitorado faria a glória do médico Hermes Binner, que até maio ou junho mal roçava a casa dos 3% nas pesquisas e se consolidou como segundo mais votado, deixando para trás, desnorteadas, as figuras um tanto anêmicas de Ricardo Alfonsín, da União Cívica Radical, e Eduardo Duhalde, da dissidência direitista do peronismo?

As primeiras projeções davam a ela 53% dos votos. É mais do que o falecido presidente Raúl Alfonsín teve em 1983, nas primeiras eleições da Argentina depois de sete anos da mais bárbara de suas muitas ditaduras militares (51,7%). Mais do que o dentista Hector Cámpora, designado por Perón, teve em março de 1973, pondo fim a outra ditadura militar (49,53%). É quase a mesma coisa que Juan Domingo Perón teve em 1946 (56%), dando início a uma mudança radical na Argentina e criando um movimento político que esteve presente, de uma forma ou de outra, em tudo que aconteceu no país até hoje. Perde longe, é verdade, para a vitória do mesmo Perón em setembro de 1973, quando levou 60% dos votos e massacrou o líder da União Cívica Radical, Ricardo Balbín, que mal e mal chegou a 24%. Conseguiu, porém, a mesma e impactante diferença (36 pontos) sobre o segundo colocado.

Passado o vendaval, o que será da oposição tradicional, que, nocauteada pelas urnas, sai do embate completamente sem rumo?

Tanto Ricardo Alfonsín como os dissidentes da direita peronista, o ex-presidente Eduardo Duhalde e Alberto Rodríguez Saá, enterraram definitivamente suas pálidas lideranças. Nenhum deles foi, em momento algum, alternativa viável à permanência de Cristina Kirchner na Casa Rosada. A grande figura da direita argentina, o atual intendente da cidade de Buenos Aires, Maurício Macri, preferiu não correr riscos. Ladino, não deu apoio ostensivo a nenhum dos candidatos da direita: deixou que naufragassem estrepitosamente na mais gelada solidão. Está de olho nas eleições presidenciais de 2015. Até lá, o kirchnerismo tratará de construir um novo herdeiro. Se mantiver o rumo trilhado até agora, não parece tão difícil assim.

O fato de Cristina Kirchner e Hermes Binner terem somado 70% dos votos argentinos é um sinal bastante claro da consolidação da centro-esquerda no cenário sul-americano. Uma espécie de rotunda e rigorosa pá de cal nos tempos do neoliberalismo desenfreado que levou a Argentina ao precipício e quase afundou de vez outros países do continente. A coincidência de governos de esquerda e centro-esquerda no Uruguai, no Peru, na Argentina, no Paraguai e no Brasil, somada aos governos de uma esquerda mais dura no Equador, na Bolívia e na Venezuela, isola ainda mais os remanescentes da direita, encastelados na Colômbia e no Chile.

Em tempos de feia crise global, não deixa de ser um alento saber que há uma vereda compartilhada por estas comarcas com tantos séculos de sacrifício nas costas. O avassalador triunfo de Cristina Kirchner reafirma essa tendência. Pela primeira vez em sabe-se lá quanto tempo, há uma nítida maioria da esquerda e da centro-esquerda governando os países sul-americanos.

Para quem, enfim, ainda se pergunta pelas razões da vitória de Cristina Kirchner, um pouco de números talvez ajude a encontrar a resposta. Para começo de conversa, a economia cresce ao ritmo de mais de 6% ao ano. O desemprego é baixo, a maior parte dos trabalhadores chegou a acordos que asseguraram ganhos salariais reais, os programas sociais do governo atendem a milhares de famílias. Um dos muitos subsídios atende a três milhões e meio de menores de 18 anos de idade, com a única condição de que freqüentem a escola e façam as vacinações obrigatórias. Em quatro anos – entre 2007 e 2010 – a pobreza baixou de 26% a 21,5% da população.

A oposição feroz dos grandes conglomerados dos meios de comunicação, a resistência desrespeitosa dos grandes magnatas do campo, as chantagens dos grandes barões da indústria, a virulenta má vontade das classes mais favorecidas, tudo isso somado não foi capaz de abalar o prestígio da presidente. Ela conquistou apoio de amplas faixas do eleitorado mais jovem, abriu espaço junto aos profissionais liberais, recebeu o voto massivo dos pobres.

É com essa força que agora se lança a um segundo mandato que certamente enfrentará mais dificuldades que o primeiro. A crise global não cede terreno, as economias periféricas correm risco de contaminação, ajustes duros terão de ser feito na política econômica do país. O amparo para esses novos tempos é uma formidável avalanche de votos. Essa a força que a moverá.

domingo, 23 de outubro de 2011

A crise de Wall Street equivale à queda do Muro de Berlim

Para o prêmio Nobel de Economia de 2001, a crise financeira que atingiu Wall Street e os mercados financeiros de todo o mundo equivale, para o fundamentalismo de mercado, ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. "Ela diz ao mundo que esse modelo não funciona. Esse momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas", diz Stiglitz.

Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, sustenta que a crise de Wall Street evidencia que o modelo de fundamentalismo de mercado não funciona. Para ele, a crise que sacudiu Wall Street é para esse modelo o equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. Stiglitz critica a complexidade dos produtos financeiros que provocaram a crise e os incentivos ao risco dos sistemas de recompensa dos executivos.

Barack Obama afirma que o naufrágio de Wall Street é a maior crise financeira desde a Grande Depressão. John McCain diz que a economia está ameaçada, mas é basicamente forte. Qual deles têm razão?

Stiglitz – Obama está muito mais próximo da verdade. Sim, os Estados Unidos tem talentos, grandes universidades e um bom setor de alta tecnologia. Mas os mercados financeiros desempenham um papel muito importante, sendo responsáveis nos últimos anos por cerca de 30% dos lucros empresariais. Os executivos dos mercados financeiros obtiveram esses lucros com o argumento de que estavam ajudando a gerir o risco e a garantir maior eficácia ao capital. Por isso, diziam, mereciam rendimentos tão altos. Ficou demonstrado que isso não é certo. A gestão que eles executaram foi muito mal. Agora, o tiro saiu pela culatra e o resto da economia pagará porque as trocas comerciais cairão devido à redução do crédito. Nenhuma economia moderna pode funcionar bem sem um setor financeiro vibrante.

Assim, o diagnóstico de Obama, quando diz que nosso setor financeiro está em estado deplorável, é correto. E se está em um estado deplorável, isso significa que nossa economia está em um estado deplorável. Ainda que não levássemos em conta a comoção financeira, mas só a dívida doméstica, nacional e federal, isso já bastaria para ver a seriedade do problema. Estamos nos afogando. Se observarmos a desigualdade, que é a maior desde a Grande Depressão, o problema é sério. Se observarmos o estancamento dos salários, o problema é sério. A maior parte do crescimento econômico dos últimos cinco anos baseava-se em uma bolha do setor imobiliário, que agora estourou. E os frutos desse crescimento não foram repartidos amplamente. Em resumo, os fundamentos não são bons.

Qual deveria ser, na sua opinião, a resposta política ao afundamento de Wall Street?

Stiglitz – Está claro que necessitamos não só voltar a regular, mas também redesenhar o sistema regulador. Durante seu reinado como chefe do Federal Reserve, no qual surgiu essa bolha hipotecária e financeira, Alan Greenspan tinha muitos instrumentos ao seu alcance para freá-la, mas não conseguiu fazer isso.

Afinal de contas, Ronald Reagan escolheu-o por sua atitude contrária à regulação. Ele substituiu a Paul Volcker no Federal Reserve, conhecido por manter a inflação sob controle. O governo Reagan não acreditava que ele fosse um “liberalizador” adequado. Por conseguinte, nosso país sofreu os efeitos de escolher como regulador supremo da economia a alguém que não acreditava na regulação. De modo que, para corrigir o problema, a primeira coisa que precisamos é de líderes políticos e responsáveis que acreditem no papel da regulação. Além disso, precisamos estabelecer um sistema novo, capaz de suportar a expansão das finanças e dos instrumentos financeiros de um modo melhor que os bancos tradicionais.

Precisamos, por exemplo, regulamentar os incentivos. Eles têm que ser pagos baseando-se nos resultados de vários anos, e não no de apenas um, porque este último modelo fomenta as apostas. As opções de compra de ações fomentam a adulteração da contabilidade e é preciso frear essa prática. Em resumo, oferecemos incentivos para que se alimentasse um mau comportamento no sistema.

Além de freios, precisamos de faixas de controle. Historicamente, todas as crises têm estado associadas a uma expansão muito rápida de determinados tipos de ativos. Se conseguimos frear esse processo, podemos impedir que as bolhas cresçam de modo descontrolado. O mundo não desapareceria se as hipotecas crescessem 10% e não 25% anualmente. Conhecemos tão bem o patrão que deveríamos fazer algo para dominá-lo. Precisamos ainda de uma comissão de segurança para os produtos financeiros, assim como temos no caso dos produtos de consumo. O setor financeiro estava inventando produtos que não geriam o risco, mas sim o produziam.

Certamente, acredito na necessidade de uma maior transparência. No entanto, desde o ponto de vista dos critérios reguladores, esses produtos eram transparentes em um sentido técnico. Mas eram tão complexos que ninguém os entendia. Mesmo que fossem tornadas públicas todas as cláusulas destes contratos, elas não trariam a nenhum mortal alguma informação útil sobre seu risco. Muita informação equivale a nenhuma informação. Neste sentido, aqueles que pedem mais revelações como solução para o problema não entendem a informação. Se alguém compra um produto, necessita de uma informação simples e básica: qual é o risco. Essa é a questão.

Os ativos hipotecários que provocaram o caos estão em mãos de bancos ou fundos soberanos da China, Japão, Europa e países do Golfo. Como essa crise os afetará?

Stiglitz – É certo. As perdas das instituições financeiras européias com as hipotecas subprime foram maiores do que as verificadas nos Estados Unidos. O fato de os EUA terem diversificado esses ativos hipotecários por todo o mundo, graças à globalização dos mercados, suavizou o impacto interno. Se não tivéssemos disseminado o risco por todo o mundo, a crise seria muito pior. Uma coisa que agora se entende, a conseqüência dessa crise, é a informação assimétrica da globalização. Na Europa, por exemplo, não se sabia muito bem que as hipotecas norte-americanas são hipotecas sem lastro: se o valor da casa baixa mais que o da hipoteca, pode-se devolver a chave ao banco e ir embora. Na Europa, a casa serve de garantia, mas o tomador do empréstimo segue endividado, aconteça o que aconteça. Este é um dos perigos da globalização: o conhecimento é local, sabe-se muito mais sobre sua própria sociedade do que sobre as outras.

Qual é então, em última análise, o impacto do naufrágio de Wall Street na globalização regida pelo mercado?

Stiglitz - O programa da globalização esteve estreitamente ligado aos fundamentalistas do mercado: a ideologia dos mercados livres e da liberalização financeira. Nesta crise, observamos que as instituições mais baseadas no mercado da economia mais baseada no mercado vieram abaixo e correram a pedir a ajuda do Estado. Todo mundo dirá agora que este é o final do fundamentalismo de mercado. Neste sentido, a crise de Wall Street é para o fundamentalismo de mercado o que a queda do Muro de Berlim foi para o comunismo: ela diz ao mundo que este modo de organização econômica é insustentável. Em resumo, dizem todos, esse modelo não funciona. Este momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas.

A hipocrisia entre o modo pelo qual o Tesouro dos EUA, o FMI e o Banco Mundial manejaram a crise asiática de 1997 e o modo como procedem agora acentuou essa reação intelectual. Agora os asiáticos dizem: “Um momento, para nós, vocês disseram que deveríamos imitar o modelo dos Estados Unidos. Se tivéssemos seguido vosso exemplo, agora estaríamos nesta mesma desordem. Vocês, talvez, possam se permitir isso. Nós, não”.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A coexistência com a desigualdade

Folha de S. Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MOISÉS NAÍM

A coexistência com a desigualdade

Ficar preso em um congestionamento de trânsito é mais suportável caso
as demais faixas estejam se movendo. Ao observar os outros carros
avançando, você tem a esperança de que sua vez por fim chegará.

Mas se todas as faixas ficarem paralisadas por tempo demais, a
paciência se esgota e o mau humor aflora.

E se a polícia surgir e autorizar apenas alguns seletos veículos a
deixar suas faixas, por um caminho aberto especialmente para eles, é
provável que surja um tumulto.

Essa metáfora quanto às consequências políticas da mobilidade
econômica foi proposta em 1973 pelo professor Albert Hirschman, para
explicar as mudanças na tolerância dos países pobres com relação à
desigualdade de renda. A ideia era simples e poderosa: nos países
pobres, basta um mínimo de mobilidade social propelida pelo
crescimento econômico para gerar grande paciência e estabilidade
política. Quando as pessoas veem que seus parentes, vizinhos e
conhecidos melhoram de vida, se dispõem a esperar que a vez delas
chegue.

A metáfora oferecida por Hirschman sobre a situação dos países pobres
também ajuda a entender o que está acontecendo hoje em algumas das
nações mais ricas do planeta.

Exceto que, nesse caso, os "indignados" de Madri, as multidões do
movimento "Ocupe Wall Street" ou os manifestantes italianos e gregos
estão saindo dos carros e entrando em confronto com a polícia não só
por conta do congestionamento em sua faixa de trânsito, mas, sim,
porque seus carros estão indo para trás e hoje eles prestam mais
atenção àqueles que continuam a avançar graças a truques, privilégios
e filas furadas, coisas que costumavam tolerar ou ignorar.

Há mais de um século, Alexis de Tocqueville escreveu que a maior
tolerância dos norte-americanos com relação à desigualdade, se
comparados aos europeus, resultava da maior mobilidade social no país.

Mas isso acabou; ao menos por enquanto. A longa e pacífica
coexistência com a desigualdade de renda e riqueza está chegando ao fim.

Os americanos estão furiosos com o fato de que os presidentes de
algumas companhias do país ganham 343 vezes mais que o trabalhador
médio dos EUA. Disparidades de renda assim não são novidade. A
novidade é a intolerância ao fato de que alguns poucos concentram
riquezas insondáveis, e os ricos continuam a se sair melhor mesmo em
meio à crise.

Os ricos ou estão se beneficiando de resgates e outras medidas de
estímulo ou são imunes à austeridade fiscal que os governos dos países
em crise tiveram de adotar para estabilizar suas economias. E nada
conduz mais gente às ruas em protesto do que cortes nos orçamentos
governamentais.

Fica claro que estamos entrando em novo território político quando
Mitt Romney, o candidato que lidera a disputa pela indicação
presidencial republicana e inicialmente classificou o "Ocupe Wall
Street" como "perigoso", agora diz que "compreendo perfeitamente o que
aquelas pessoas estão sentindo. O povo deste país está irritado".

Sim, está. E as pessoas continuarão irritadas até que o trânsito
comece a se mover de novo em sua faixa de rodagem. Ou pelo menos nas
de seus amigos e vizinhos.
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Os americanos estão por fim furiosos com a concentração de renda e
riqueza existente no país
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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Tossir ou latir

O fato de que os remédios para os seres humanos são taxados em mais que o dobro dos produtos de uso veterinário, originou esta sensacional frase de Joelmir Beting, no Jornal da Bandeirantes:
***
“Se você entrar na farmácia tossindo, paga 34% de imposto; se entrar latindo, paga só 14%.”

BC repete corte de juro por causa da crise global e nega vazamentos


Pela segunda vez no governo Dilma, Comitê de Política Monetária reduz juro em meio ponto. Taxa valerá 11,5% até 30 de novembro. Economia global em baixa motiva decisão do Banco Central, que vê pouca chance de inflação subir. Na véspera, manifesto cobrara corte. Sob suspeita de vazar informação, BC diz não ser possível 'conhecimento prévio' de decisões.

BRASÍLIA – Pressionado por sindicalistas, intelectuais e empresários e de olho da crise econômica global, o Banco Central (BC) decidiu nesta quarta-feira (19) cortar o juro pela segunda vez seguida no governo Dilma. Por unanimidade, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC fixou a maior taxa do planeta em 11,5%, redução de meio ponto percentual, na medida do que esperava o “mercado”.

Em comunicado depois da reunião, o Copom justifica-se com a crise internacional. Como o BC e o ministério da Fazenda dizem há meses, o governo acredita que a crise fará a economia mundial desacelerar, esfriando também a atividade no Brasil, e isso diminui a chance de a inflação subir – o empresariado não teria como aumentar muito os preços, havendo poucos compradores na praça.

“O Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, um ajuste moderado no nível da taxa básica é consistente com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012”, afirma a nota.

O corte do juro tinha sido defendido em manifesto lançado nesta terça (18), em São Paulo, por economistas, intelectuais e entidades como Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O documento procurava dar respaldo político ao plano do governo de enfrentar a crise com juro menor. Ao mesmo tempo, pressionava o BC.

Apesar de o “mercado” esperar a queda da Selic – e no tamanho decidido pelo BC -, uma parte do setor discorda da análise do governo de que a economia global dará trégua à inflação no Brasil.

Nesta quarta-feira (19), o BC também fora pressionado a cortar os juros por um grupo de estudantes que protestou em frente da sede da instituição.

Em notas oficias, Fiesp e Confederação Nacional da Indústria (CNI) apoiaram a redução do juro, enquanto a Força Sindical reclamou de que foi pequena. “O Copom acertou no remédio, mas errou na dose. Infelizmente, os membros do Banco Central se transformaram em fiéis escudeiros dos especuladores”, diz a central.

Para a CNI, o Copom “acertou” pois a crise global "já começa a provocar uma desaceleração da economia brasileira e terminará por se refletir no cenário inflacionário, não se justificando a manutenção de uma política monetária restritiva”. A Fiesp espera “que, nas próximas reuniões do Copom, a autoridade monetária acentue o movimento de redução dos juros".

Decisão não vaza
No primeiro dos dois dias de reunião do Copom, nesta terça (18), o BC havia negado a possibilidade de suas decisões vazarem antecipadamente para alguém. Foi uma resposta a dúvidas surgidas com a descoberta, semana passada, de que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investiga operações atípicas feitas pelo “mercado” às vespéras do Copom anterior (agosto).

A CVM quer saber se as negociações atípicas foram feitas por pessoas que, de alguma forma, sabiam de antemão o que faria o BC (baixou o juro também em meio ponto).

"A taxa Selic somente é discutida em reunião reservada no segundo dia e fixada por maioria de votos dos membros do Copom, colegiado composto pelo presidente e pelos diretores do Banco Central. A decisão é imediatamente informada a toda a sociedade”, diz a nota. "Assim, não é possível o conhecimento prévio da decisão.”

A próxima reunião do Copom, a última de 2012, será nos dias 29 e 30 de novembro.

Cristina Fernández faz um chamado à integração no encerramento de sua campanha

“Somos orgulhosamente sulamericanos. Somos gente da Unasul. Se conseguirmos uma integração inteligente, podemos ser protagonistas do século XXI”, disse a presidenta Cristina Fernández de Kirchner no ato de encerramento de sua campanha, quarta-feira à noite, em Buenos Aires. Ela é favorita para vencer a eleição presidencial no próximo domingo. A reportagem é de Francisco Luque, direto de Buenos Aires.

A presidenta Cristina Fernández de Kirchner encerrou na noite de quarta-feira sua campanha para as eleições presidenciais do próximo domingo em um ato realizado no Teatro Coliseu, em Buenos Aires. Vestida de preto, a presidenta fez um chamado a todos os setores para trabalhar por uma Argentina com “mais liberdade, mais democracia, mais direitos humanos e pluralidade, por essa Argentina que estamos conseguindo construir com tanto esforço e pela qual Néstor Kirchner deu sua vida”.

Entre aplausos de seus apoiadores, a presidenta afirmou ainda que “somos orgulhosamente sulamericanos” e que “somos gente da Unasul [União Sul-Americana de Nações]”. “Se conseguirmos uma integração inteligente, podemos ser protagonistas do século XXI”.

O teatro, localizado perto do Obelisco, estava lotado por funcionários do governo, candidatos e militantes. Do lado de fora, centenas de jovens militantes da Frente para a Vitória aplaudiam as palavras de sua líder. A presidenta sustentou que o objetivo de seu governo é a construção de um país com inclusão social.

“Os 40 milhões de argentinos merecem isso, aqueles que já não estão conosco merecem isso, ele (Néstor Kirchner) merece isso, nossa própria história merece. Força Argentina. Vamos em frente por mais pátria, mais liberdade e mais igualdade”, acrescentou, muito aplaudida. “Temos que conseguir a unidade nacional que nos foi negada em nossos 200 anos de história”, disse ainda a presidenta, enquanto passava em revista os aspectos mais importantes de seu governo e de suas propostas.

“Ninguém perde sua identidade se colabora e coopera com o que a sociedade democraticamente elege para construir um país melhor e uma sociedade com maior solidariedade e inclusão”. Cristina fez um chamado para os responsáveis pelas instituições e aqueles que se sentem identificados com o atual modelo de governo, para que deixem de lado as “questões menores” e atuem com “maior inteligência”.

“Hoje li uma frase que me impactou: é do maio francês e definia os estúpidos como aqueles que, quando alguém aponta para a lua com o dedo, olham o dedo. Não olhemos mais para o dedo, olhemos para a lua”, disse com emoção.

Entre as principais diretrizes de seu futuro governo, a presidenta indicou: “mais trabalho argentino, mais indústria argentina e queremos também agregar mais valor à produção de nosso país que se converteu na mais competitiva do mundo”. “Felizmente temos superado etapas e estou disposta a desenvolver todas as políticas que ajudem o desenvolvimento e o crescimento. É preciso ter claro que isso será feito sempre com políticas de inclusão social e de defesa dos setores mais vulneráveis”. Cristina Fernández disse também que “essa é uma convocação para todos, para essa unidade nacional que sempre nos foi negada em nossos 200 anos de história, e que foi uma das principais causas do fracasso argentino”. “Eu não sou neutra”, enfatizou. “Estarei sempre contra a desigualdade”.

Os outros candidatos também realizaram atos de encerramento de campanha em diversos lugares do país. Cristina Fernández é favorita para as eleições de domingo. Reeleita, levará o movimento “Frente para a Vitória” a conduzir o país pelos próximos quatro anos.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Rumo à universalização do ensino fundamental em Santa Catarina

Rumo à universalização do ensino fundamental em Santa Catarina
*Odilon Luís Faccio
**José Álvaro de Lima Cardoso
Em Santa Catarina, entre 2000 e 2010, a taxa de conclusão do ensino fundamental (1º ao 9º ano) entre jovens de 15 a 17 anos, aumentou de 54,57% para 76,4%, número que mostra um avanço considerável, mas ao mesmo tempo revela um percentual significativo de jovens que não concluem o ensino fundamental no período adequado. A universalização do ensino fundamental, isto é, a garantia de que todas as crianças de ambos os sexos, terminem o ensino fundamental até os 17 anos, requer que alguns problemas sejam enfrentados com determinação. Por exemplo, a remuneração dos professores, que são o centro da educação em qualquer lugar do mundo, é muito baixa. Segundo dados da RAIS, em Santa Catarina, 63% dos profissionais da educação no sistema privado recebem salários entre um e cinco salário mínimos e 42% têm remuneração de até 2 salários mínimos. Isso, apesar de 90% dos trabalhadores do setor possuir escolaridade que vai do segundo grau completo à pós-graduação. É claro que os baixos salários não são a única causa da sofrível qualidade do ensino, mas nenhuma escola, pública ou privada, pode ter qualidade superior se paga salários insuficientes para os seus profissionais.
     Além do problema salarial, a qualidade do emprego é bastante sofrível, com elevada rotatividade e condições de trabalho inadequadas. No setor privado catarinense, por exemplo, 43% dos vínculos empregatícios têm somente até dois anos de casa. O problema da rotatividade, inclusive, piorou nos últimos anos com a crescente facilidade de reinserção no mercado de trabalho, além do fato de se tratar de uma força de trabalho de elevada formação educacional, o que facilita o reemprego.
     Um fator decisivo na manutenção das crianças na escola e no seu desempenho escolar são as condições sócio-econômicas e culturais de suas famílias. Grande parte das diferenças de aprendizado entre as mesorregiões do Estado e da capacidade de manutenção das crianças na escola está diretamente relacionada com o nível socioeconômico dos pais dos alunos. Sabidamente as crianças que deixam de freqüentar a escola são oriundas das famílias mais pobres e com menor formação educacional. Segundo estudo do professor Naércio Menezes Filho, da Universidade de São Paulo, as variáveis que mais explicam o desempenho escolar são as características familiar e do aluno como: educação da mãe, atraso escolar e reprovação prévia, número de livros e presença de computador em casa. Uma variável importante, segundo o referido estudo, é a idade de entrada no sistema escolar: os alunos que fizeram pré-escola têm um desempenho melhor em todas as séries do que os que ingressaram a partir da 1ª série. Obviamente as crianças oriundas de famílias que não detêm as condições mencionadas pelo professor estão em desvantagem no que se refere ao desempenho escolar.  
     A sobrecarga de trabalho é outro problema que acomete o professor e atrapalha o rendimento das crianças. Alguns professores acumulam até jornadas triplas para compensar os baixos salários. Segundo a RAIS, em Santa Catarina, a grande maioria dos trabalhadores da educação tem jornadas semanais entre 31 a 44 horas de trabalho. Mas a RAIS não nos fornece os duplos ou triplos vínculos. Qualidade das aulas pressupõe uma jornada de preparação, pelo menos, igual ao tempo de aula. Professor que não dispõe de tempo para estudar, em função de jornadas longas, representa uma verdadeira tragédia para a educação.
     Os dados mostram que Santa Catarina (e o Brasil), praticamente universalizaram o ensino fundamental e continuam a expansão da educação na pré-escola e no ensino médio. No entanto, persiste em grande escala o analfabetismo escolar e funcional. Ou seja, os indicadores da educação, de fato estão melhorando a olhos vistos, do ponto de vista quantitativo. Mas eles não conseguem detectar o problema do nível do ensino que, sabidamente, ainda é muito baixo. Muitas vezes a criança entra na estatística como alfabetizada, no entanto, ela tem dificuldades para entender um livro simples de estória infantil ou mesmo elaborar exercícios banais de matemática.
     Na questão educacional é fundamental implementar ações com perseverança e atentar sempre para os detalhes. Possivelmente em nenhuma outra área o “senso de urgência” seja tão fundamental quanto na educação. Foram gastos com educação em 2010 R$ 44,06 bilhões no governo federal, R$ 75,3 bilhões nos governos estaduais e R$ 73,43 bilhões nas prefeituras. Isso representa 5,2% do PIB, mais ou menos a mesma proporção da maioria dos países europeus e mais do que a Coréia do Sul, que investe em educação 4,2% do PIB. Mas essa diferença se justifica, pois, aqui, os desafios que têm que ser enfrentados são maiores que na Europa ou na Coréia do Sul. Atualmente o Brasil gasta mais com o pagamento de juros da dívida pública (5,6% do PIB), do que com educação. Na educação é preciso, além do dinheiro, políticas corretas de gestão, especialmente na escola pública. O professor, e os funcionários administrativos, tem que ter uma boa remuneração, com um salário de ingresso razoável e progressão salarial.

*Engenheiro agrônomo e Coordenador Estadual do Movimento Nós Podemos Santa Catarina.
**Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
   

Numa Conferência em Estoril (Portugal), o escritor moçambicano Mia Couto faz o discurso que está nas nossas gargantas! Para ouvir e refletir !

http://www.youtube.com/watch?v=jACccaTogxE

Soledad, a mulher do Cabo Anselmo

Soledad, a mulher do Cabo Anselmo
Quem foi, quem é Soledad Barrett Viedma? Qual a sua força e drama, que a maioria dos brasileiros desconhece? De modo claro e curto, ela foi a mulher do Cabo Anselmo, que ele entregou a Fleury em 1973. Sem remorso e sem dor, o Cabo Anselmo a entregou grávida para a execução. Com mais cinco militantes contra a ditadura, no que se convencionou chamar “O massacre da granja São Bento”. Esse crime contra Soledad Barrett Viedma é o caso mais eloquente da guerra suja da ditadura no Brasil. O artigo é de Urariano Mota.
Data: 17/10/2011
Nota da Redação: O programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, entrevista nesta segunda, às 22 horas, o ex-militar José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, ex-participante de um motim na Marinha, nos anos 60, que, após um período de exílio em Cuba, voltou para o Brasil, foi preso e delatou perseguidos políticos ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, do DOPS. A lista de denunciados incluiu sua companheira, Soledad Viedma, que acabou torturada e morta pela ditadura. A TV Cultura escolheu o Cabo Anselmo como entrevistado para marcar a estreia de Mario Sergio Conti, ex-diretor da Veja e atual diretor de redação da revista Piauí, na condução do programa.

A escolha se dá justo no momento em que se discute no Brasil a instalação da Comissão da Verdade, que enfrenta muita resistência de setores que insistem em manter na penumbra fatos ocorridos em um dos períodos mais tenebrosos da história do Brasil. Publicamos a seguir um artigo do escritor Urariano Mota, autor de um livro sobre Soledad Viedma.


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Em 1970, de volta ao Brasil, Anselmo foi preso pela ditadura militar. Em troca da liberdade, delatou perseguidos políticos ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops. A lista de denuciados incluía sua namorada, Soledad Viedma, que acabou morta devido à tortura.

Quem lê “Soledad no Recife” pergunta sempre qual a natureza da minha relação com Soledad Barrett Viedma, a bela guerreira que foi mulher do Cabo Anselmo. Eu sempre respondo que não fomos amantes, que não fomos namorados. Mas que a amo, de um modo apaixonado e definitivo, enquanto vida eu tiver. Então os leitores voltam, até mesmo a editora do livro, da Boitempo: “mas você não a conheceu?”. E lhes digo, sim, eu a conheci, depois da sua morte. E explico, ou tento explicar.

Quem foi, quem é Soledad Barrett Viedma? Qual a sua força e drama, que a maioria dos brasileiros desconhece? De modo claro e curto, ela foi a mulher do Cabo Anselmo, que ele entregou a Fleury em 1973. Sem remorso e sem dor, o Cabo Anselmo a entregou grávida para a execução. Com mais cinco militantes contra a ditadura, no que se convencionou chamar “O massacre da granja São Bento”. Essa execução coletiva é o ponto. No entanto, por mais eloquente, essa coisa vil não diz tudo. E tudo é, ou quase tudo.

Entre os assassinados existem pessoas inimagináveis a qualquer escritor de ficção. Pauline Philipe Reichstul, presa aos chutes como um cão danado, a ponto de se urinar e sangrar em público, teve anos depois o irmão, Henri Philipe, como presidente da Petrobras. Jarbas Pereira Marques, vendedor em uma livraria do Recife, arriscou e entregou a própria vida para não sacrificar a da sua mulher, grávida, com o “bucho pela boca”. Apesar de apavorado, por saber que Fleury e Anselmo estavam à sua procura, ele se negou a fugir, para que não fossem em cima da companheira, muito frágil, conforme ele dizia. Que escritor épico seria capaz de espelhar tal grandeza?

E Soledad Barrett Viedma não cabe em um parêntese. Ela é o centro, a pessoa que grita, o ponto de apoio de Arquimedes para esses crimes. Ainda que não fosse bela, de uma beleza de causar espanto vestida até em roupas rústicas no treinamento da guerrilha em Cuba; ainda que não houvesse transtornado o poeta Mario Benedetti; ainda que não fosse a socialista marcada a navalha aos 17 anos em Montevidéu, por se negar a gritar Viva Hitler; ainda que não fosse neta do escritor Rafael Barrett, um clássico, fundador da literatura paraguaia; ainda assim... ainda assim o quê?

Soledad é a pessoa que aponta para o espião José Anselmo dos Santos e lhe dá a sentença: “Até o fim dos teus dias estás condenado, canalha. Aqui e além deste século”. Porque olhem só como sofre um coração. Para recuperar a vida de Soledad, para cantar o amor a esta combatente de quatro povos, tive que mergulhar e procurar entender a face do homem, quero dizer, a face do indivíduo que lhe desferiu o golpe da infâmia. Tive que procurar dele a maior proximidade possível, estudá-lo, procurar entendê-lo, e dele posso dizer enfim: o Cabo Anselmo é um personagem que não existe igual, na altura de covardia e frieza, em toda a literatura de espionagem. Isso quer dizer: ele superou os agentes duplos, capazes sempre de crimes realizados com perícia e serenidade. Mas para todos eles há um limite: os espiões não chegam à traição da própria carne, da mulher com quem se envolvem e do futuro filho. Se duvidam da perversão, acompanhem o depoimento de Alípio Freire, escritor e jornalista, ex-preso político:

“É impressionante o informe do senhor Anselmo sobre aquele grupo de militantes - é um documento que foi encontrado no Dops do Paraná. É algo absolutamente inimaginável e que, de tão diferente de todas as ignomínias que conhecemos, nos faltam palavras exatas para nos referirmos ao assunto.

Depois de descrever e informar sobre cada um dos cinco outros camaradas que seriam assassinados, referindo-se a Soledad (sobre a qual dá o histórico de família, etc.), o que ele diz é mais ou menos o seguinte:

‘É verdade que estou REALMENTE ENVOLVIDO pessoalmente com ela e, nesse caso, SE FOR POSSÍVEL, gostaria que não fosse aplicada a solução final’.

Ao longo da minha vida e desde muito cedo aprendi a metabolizar (sem perder a ternura, jamais) as tragédias. Mas fiquei durante umas três semanas acordando à noite, pensando e tentando entender esse abismo, essa voragem”.

Esse crime contra Soledad Barrett Viedma é o caso mais eloquente da guerra suja da ditadura no Brasil. Vocês entendem agora por que o livro é uma ficção que todo o mundo lê como uma relato apaixonado. Não seria possível recriar Soledad de outra maneira. No título, lá em cima, escrevi Soledad, a mulher do Cabo Anselmo. Melhor seria ter escrito, Soledad, a mulher de todos os jovens brasileiros. Ou Soledad, a mulher que apredemos a amar.

(*) Urariano Mota, 59 anos, é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997), um romance de formação, que se passa sob a ditadura de Emílio Garrastazu Médici (1969–1974), e de Soledad no Recife (São Paulo, Boitempo, 2009).