sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A coexistência com a desigualdade

Folha de S. Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MOISÉS NAÍM

A coexistência com a desigualdade

Ficar preso em um congestionamento de trânsito é mais suportável caso
as demais faixas estejam se movendo. Ao observar os outros carros
avançando, você tem a esperança de que sua vez por fim chegará.

Mas se todas as faixas ficarem paralisadas por tempo demais, a
paciência se esgota e o mau humor aflora.

E se a polícia surgir e autorizar apenas alguns seletos veículos a
deixar suas faixas, por um caminho aberto especialmente para eles, é
provável que surja um tumulto.

Essa metáfora quanto às consequências políticas da mobilidade
econômica foi proposta em 1973 pelo professor Albert Hirschman, para
explicar as mudanças na tolerância dos países pobres com relação à
desigualdade de renda. A ideia era simples e poderosa: nos países
pobres, basta um mínimo de mobilidade social propelida pelo
crescimento econômico para gerar grande paciência e estabilidade
política. Quando as pessoas veem que seus parentes, vizinhos e
conhecidos melhoram de vida, se dispõem a esperar que a vez delas
chegue.

A metáfora oferecida por Hirschman sobre a situação dos países pobres
também ajuda a entender o que está acontecendo hoje em algumas das
nações mais ricas do planeta.

Exceto que, nesse caso, os "indignados" de Madri, as multidões do
movimento "Ocupe Wall Street" ou os manifestantes italianos e gregos
estão saindo dos carros e entrando em confronto com a polícia não só
por conta do congestionamento em sua faixa de trânsito, mas, sim,
porque seus carros estão indo para trás e hoje eles prestam mais
atenção àqueles que continuam a avançar graças a truques, privilégios
e filas furadas, coisas que costumavam tolerar ou ignorar.

Há mais de um século, Alexis de Tocqueville escreveu que a maior
tolerância dos norte-americanos com relação à desigualdade, se
comparados aos europeus, resultava da maior mobilidade social no país.

Mas isso acabou; ao menos por enquanto. A longa e pacífica
coexistência com a desigualdade de renda e riqueza está chegando ao fim.

Os americanos estão furiosos com o fato de que os presidentes de
algumas companhias do país ganham 343 vezes mais que o trabalhador
médio dos EUA. Disparidades de renda assim não são novidade. A
novidade é a intolerância ao fato de que alguns poucos concentram
riquezas insondáveis, e os ricos continuam a se sair melhor mesmo em
meio à crise.

Os ricos ou estão se beneficiando de resgates e outras medidas de
estímulo ou são imunes à austeridade fiscal que os governos dos países
em crise tiveram de adotar para estabilizar suas economias. E nada
conduz mais gente às ruas em protesto do que cortes nos orçamentos
governamentais.

Fica claro que estamos entrando em novo território político quando
Mitt Romney, o candidato que lidera a disputa pela indicação
presidencial republicana e inicialmente classificou o "Ocupe Wall
Street" como "perigoso", agora diz que "compreendo perfeitamente o que
aquelas pessoas estão sentindo. O povo deste país está irritado".

Sim, está. E as pessoas continuarão irritadas até que o trânsito
comece a se mover de novo em sua faixa de rodagem. Ou pelo menos nas
de seus amigos e vizinhos.
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Os americanos estão por fim furiosos com a concentração de renda e
riqueza existente no país
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