quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Epílogo do livro A Privataria Tucana

Depois desta jornada pelos pântanos da política em que
todos são vilões e o Brasil é a vítima, acho importante encerrar a
narrativa com algumas observações. A primeira delas é que o país e
suas instituições não têm o direito de continuar fazendo de conta
que não viram a rapinagem organizada que devastou os bens do
Estado nos anos 1990 e começo da década seguinte. E que serviu
para tornar os ricos mais ricos.
Varrer a sujeira para debaixo do tapete, como se fez tantas vezes,
não é mais possível. Não há tapete suficiente para acobertar tanto
lixo. O Brasil, que escondeu a escravidão e ainda oculta a barbárie
de suas ditaduras, não pode negar aos brasileiros a evisceração da
privataria. Quem for inocente que seja inocentado, quem for culpado
que expie sua culpa.
Se isso não acontecer, isto é, se a memória do saque não se tornar
um patrimônio dos brasileiros, o país poderá repetir esta história,
mais cedo ou mais tarde. Não é demais reparar que, na América
Latina, estamos atrasados nestas providências. No México, o ex‑presidente
Carlos Salinas de Gortari — espécie de santo padroeiro
340
história agora
da privataria latina — crivado de denúncias de corrupção, saltou
em seu jatinho e fugiu para Nova York. Na Bolívia, após privatizar
até a água, que entregou à francesa Suez‑
Lyonnaise des Eaux e à
norte‑americana
Betchel, o “modernizador neoliberal” Gonzalo
Sánchez de Lozada foi ejetado do seu trono aos gritos de “assassino”
e voou para Miami.
Tripulando uma razia privatizante que liquidou até mesmo estatais
que davam lucro e um processo de concentração de renda
que desempregou 30% da população ativa, Carlos Menen virou sinônimo
de azar. Na Argentina, as pessoas dizem “Mendéz” para
não pronunciar seu nome receando uma catástrofe. No Peru, após
aprovar sua segunda reeleição, Alberto Fujimori evadiu‑
se do país
sob acusação de surrupiar US$ 15 milhões do erário e de autorizar
a execução de dissidentes. Condenado a 25 anos de prisão, Fujimori
admitiu, depois, ter concedido propinas — “briberization”, como
diria Joseph Stiglitz — o que somou à sua pena mais alguns anos
de cadeia.
Para quem entende a desigualdade social como um valor em si
mesmo e o Estado do Bem‑
Estar Social como um trambolho no
caminho da realização plena do indivíduo, Salinas de Gortari,
Sánchez de Losada, Menem, Fujimori e similares fizeram o que tinham
que fazer. Foram flagrados — uma lástima do seu ponto de
vista — mas não se pode fazer maiores reparos à sua ação política
em termos de coerência.
Resta saber se quem interpreta o Estado Mínimo como uma
perversidade ineficaz — aqui ou em qualquer outro lugar — está
disposto a fazer valer sua condição cidadã e exigir da Polícia, do
Fisco, do Ministério Público e da Justiça que cumpram a sua parte.
Se jogar uma luz sobre este passado ainda imerso nas sombras, este
livro, que termina aqui, terá cumprido a sua parte. E tudo o que
houve terá valido a pena.

Nenhum comentário:

Postar um comentário