quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Momentos intensos e felizes nas várias esferas da vida

Por Stela Campos | Valor



Os olhos azuis de Marcus Buckingham já causaram muitos suspiros mundo afora. No entanto, o que mais chama a atenção sobre ele não é sua aparência de galã, mas suas ideias inovadoras e um tanto controversas. O consultor, formado em ciências políticas pela Universidade de Cambridge e ex-executivo do Instituto Gallup, já vendeu 4 milhões de livros com temas ligados ao dia a dia dos profissionais nas organizações. Neste ano, ficou em oitavo lugar na lista dos 50 pensadores mais influentes do mundo corporativo. A primeira grande polêmica de sua carreira aconteceu em 2008, quando decidiu versar sobre a infelicidade das mulheres.
Intrigado com uma análise dos dados colhidos em 40 anos de pesquisas do General Social Survey (GSS) nos Estados Unidos – com análises sociológicas dos cidadãos americanos – indicando que as mulheres se tornaram mais infelizes ao longo do tempo, ele decidiu investigar a fundo o tema. Buckingham lançou uma série de artigos e o livro Descubra Seus Pontos Fortes (editora Sextante). Desse modo, ganhou notoriedade e também virou alvo de críticas de feministas famosas como Barbara Ehrenreich.
Ele defende a tese de que, para serem mais felizes, as mulheres não precisam saber balancear melhor a vida profissional e pessoal. “Não creio que o principal problema da infelicidade das mulheres seja a falta de equilíbrio, mas o excesso de escolhas e de oportunidades”, afirmou em entrevista exclusiva à revista Valor Liderança Executivas. Em sua opinião, elas estão tendo a chance de abraçar novas responsabilidades, mas sem poder se libertar de outras preexistentes. Para ele, o segredo é dar prioridade aos momentos que se quer viver com mais intensidade, tanto no trabalho como em família. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como começou o seu interesse pelo estudo da felicidade das mulheres?
Marcus Buckingham: Já me interessava pelo tema mulher e sociedade desde a época em que fiz meu mestrado, há alguns anos. Em 2007, um estudo contemplando 40 anos de resultados da pesquisa do General Social Survey (GSS), nos Estados Unidos, reunindo a opinião de mais de 50 mil pessoas, mostrou que as mulheres ficaram mais infelizes ao longo desse período. Isso aconteceu independentemente do tipo de trabalho que realizavam, se tinham filhos, se eram casadas, solteiras ou divorciadas. Esse resultado me chamou a atenção e resolvi mergulhar nisso para saber as razões que as levaram a se comportar dessa maneira.
Valor: Um dos motivos para esse aumento da infelicidade seria o crescente desequilíbrio entre o tempo dedicado ao trabalho e à vida pessoal?
Buckingham: Não creio que o principal problema seja a falta de equilíbrio, mas o excesso de escolhas e de oportunidades. Entendo que até certo nível isso até seja uma coisa boa. Nos últimos 40 anos, na maior parte dos países desenvolvidos, as mulheres se tornaram mais poderosas em relação ao seu envolvimento político, empresarial e comunitário. Em alguns, inclusive, existem mais mulheres graduadas do que homens. Elas vêm tendo mais chance de abraçar novas responsabilidades, o que é fantástico. A questão é que elas não se libertaram de outras tarefas preexistentes. Se não tomam cuidado, acabam assumindo mais papéis do que é fisicamente e psicologicamente possível. É comum, portanto, que recebam conselhos do tipo “você precisa equilibrar melhor sua vida”. Eu acho muito estranho alguém recomendar isso, porque não está provado que o equilíbrio melhora o estado de espírito. É incrivelmente difícil atingir a perfeição sendo a pessoa que toma conta da família, dos empregados, dos amigos e de tantas outras coisas. Acreditar que isso é possível é de certo modo uma ingenuidade. A mulher não pode ordenar que tudo se congele e dizer “não quero uma promoção, não quero outro filho, todos fiquem onde estão”. Nada se resolve dessa maneira. Dizer para alguém que o segredo da vida é ter mais equilíbrio é quase condenar essa pessoa ao fracasso.
Valor: A nova geração está mais cuidadosa com esse acúmulo de papéis. Há quem desista da lutar pelos primeiros postos nas companhias para não abrir mão de alguns aspectos da vida pessoal. Em sua opinião, elas brigam mais pela felicidade?
Buckingham: Sim. Ao observarmos a geração Y, constatamos que elas são muito mais realistas e pragmáticas em sua relação com o trabalho e com a vida em geral. Talvez seja esse um dos motivos de termos nos Estados Unidos apenas 14% das empresas comandadas por executivas. As mulheres no mercado de trabalho estão muito mais cientes de que existem trocas a serem feitas para se chegar ao topo. Por isso, muitas estão deliberadamente deixando a força de trabalho. Elas sabem que não conseguem fazer tudo. Ao mesmo tempo, existiu um avanço nos últimos 40 anos em relação ao número de horas semanais que os homens dedicam a tarefas ligadas à família, como buscar as crianças na escola ou cuidar da casa. Mesmo assim, eles ainda fazem muito menos do que as mulheres. Por isso, acredito que elas estão em uma armadilha. Pode parecer uma vitória para uma profissional poder dizer que está apta a ter uma carreira brilhante e, ao mesmo tempo, ser uma mãe extraordinária. Ela até pode conseguir isso, desde que exista o suporte do marido. Caso contrário, vai se tornar uma pessoa superestressada e infeliz.
Valor: Por trás de uma mulher poderosa existe hoje um homem que divide as tarefas?
Buckingham: Isso não está acontecendo de forma tão rápida como deveria. Por trás de uma mulher bem-sucedida hoje precisa existir um homem dividindo metade das responsabilidades com ela. Nos Estados Unidos, pelo menos, ainda é uma exceção ver um pai pegando as crianças no colégio. Essa tarefa é percebida como sendo da mãe. Quase nunca vemos um homem exercendo exatamente o mesmo papel da mulher. Essa mudança não está acontecendo em uma medida que permita às mulheres assumirem tantas novas responsabilidades como elas vêm fazendo. A situação nos últimos anos não mudou tanto a ponto de facilitar a vida delas.
Valor: Alguns estudos indicam que as executivas são muito severas ao analisar a própria performance. O fato de estarem sempre querendo fazer o melhor em todos os diferentes papéis pode ser fonte de infelicidade?
Buckingham: Essa é provavelmente umas das coisas que podem ser atribuídas à diferença entre os gêneros. Um homem é mais propenso a atribuir seu sucesso ao próprio talento do que às circunstâncias ou aos seus colaboradores. Já a mulher tende a achar que isso aconteceu por conta de fatores externos, como as pessoas que as cercam. Elas são menos inclinadas a valorizar suas forças naturais, mas obviamente não podemos generalizar. Os homens costumam admirar mais as próprias virtudes como indivíduos, o que faz com que se sintam tranquilos em relação ao seu desempenho.
Valor: O que as mulheres fazem diferente no mundo corporativo?
Buckingham: Quando você analisa o perfil de personalidade de mulheres e homens, em geral, eles aparecem como mais competitivos e analíticos, enquanto elas surgem como mais orientadas para relacionamentos. Para as mulheres, a empatia é importante. Uma análise mais aprofundada, no entanto, mostra que existe uma gama muito maior de variações de personalidade que independem do gênero, assim como existem inúmeros tipos de gestores de ambos os sexos. Não me parece possível dizer com confiança que todos os administradores são de um jeito ou de outro. Da mesma maneira, não dá para dizer que, em geral, elas são mais duras consigo mesmas do que os homens.
Valor: Quanto mais alto as mulheres chegam à carreira, mais infelizes elas ficam? 
Buckingham: Se você está abaixo da linha da pobreza está mais infeliz, não importa se você é uma mulher ou um homem. Quando a pessoa sobe, o dinheiro parece não ter mais qualquer correlação com a felicidade. Depois de conseguir ter o básico, você não se torna mais feliz. Como sociedade, à medida que o PIB de um país cresce, é possível ver um aumento da felicidade geral apenas porque mais pessoas subiram da linha da pobreza. O estudo do GSS mostrou que, nos últimos 40 anos, a prosperidade financeira não levantou o astral das mulheres, ao contrário. Elas gradualmente foram se tornando menos felizes do que os homens, mesmo ascendendo economicamente. Talvez as mulheres tenham sido mais honestas ao responder à pesquisa, se eram realmente felizes, mas essa é apenas uma hipótese.
Valor: Uma executiva do alto escalão tem mais chance de terceirizar algumas questões domésticas. Essa comodidade não deveria trazer mais felicidade para elas?
Buckingham: Claro, é muito provável que uma executiva com mais dinheiro possa terceirizar vários problemas, porém isso não traz felicidade. Ser feliz não tem a ver com ter mais tempo, mas com prestar atenção no que se está fazendo e perceber quais momentos precisam ser mais valorizados. Se você está cuidando da casa, mas preferia estar resolvendo coisas no trabalho, você não vai se sentir feliz. O mesmo vale para quem está no escritório, mas pensando em uma apresentação dos filhos na escola.
Valor: O melhor então é estar onde se quer, não importa se com a família ou no trabalho?
Buckingham: Ao realizar várias pesquisas com mulheres que disseram estar felizes com suas vidas, pude constatar que elas não equilibram as coisas. Ao invés disso, identificam quais momentos as preenchem e, deliberadamente, desequilibram suas vidas para focar neles. Talvez, em um primeiro momento, elas não sejam as mães que gostariam de ser. Mas existe uma possibilidade de elas não quererem ir buscar os filhos na escola ou cozinhar para a família. Elas podem preferir ensinar futebol aos filhos ou ser sempre quem ajuda a fazer a lição de casa à noite.  É esse tipo de mãe que elas gostam de ser, é o modelo que escolheram. A grande questão é saber desequilibrar seus papéis como mães e executivas. No trabalho é a mesma coisa. Elas podem descobrir quais são os momentos específicos que as revigoram e, deliberadamente, fazer seu emprego ter mais períodos com essas tarefas. As mulheres não estão procurando por uma vida mais balanceada, mas sim repleta de bons momentos. Você só tem uma vida, não cinco. Provavelmente, o homem também vai precisar pensar nisso.

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