quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

PARA RELER O “VELHO DESENVOLVIMENTISMO”

JOSÉ LUÍS FIORI

      A hegemonia do pensamento desenvolvimentista, na America Latina,
deita raízes na década de 30, se consolida nos anos 50,  passa por
uma auto-crítica  nos anos 60,  e perde seu vigor intelectual na
década de 80. Nesse percurso é possível identificar três grandes
“matrizes teóricas” que organizaram o debate em torno ao “papel do
estado” no desenvolvimento econômico, e contribuíram para a
construção e legitimação da ideologia “nacional-desenvolvimentista”
: i) a teoria weberiana da “modernização”,  contemporânea da teoria
das “etapas do desenvolvimento econômico“, de  Walter Rostow. Sua
proposta de modernização supunha e apontava, ao mesmo tempo,  de
forma circular, para uma idealização dos estados e dos sistemas
políticos europeu e norte-americano; ii) a teoria estruturalista do
"centro-periferia" e do “intercambio desigual”, formulada pela
CEPAL.  Sua defesa intransigente da industrialização lembra o
nacionalismo econômico de Friedrich List e Alexander Hamilton, mas 
não dá a mesma importância destes autores, aos conceitos de nação,
poder e guerra;  e, finalmente,  iii) a teoria marxista da
"revolução democrático-burguesa" que via no desenvolvimento e na
industrialização o caminho necessário de amadurecimento do modo de
produção capitalista e da própria revolução socialista. Sua
interpretação e estratégia traduziam de forma quase sempre mecânica
experiências de outros países, sem maior consideração pela
heterogeneidade interna da América Latina

.  Estas três teorias consideravam que o desenvolvimento econômico era um
objetivo indiscutível e consensual,  capaz de constituir e unificar a
nação; se propunham construir economias nacionais autônomas e sociedades
modernas e democráticas; consideravam que a industrialização era o caminho
necessário da autonomia e da modernidade, ou mesmo da construção
socialista;  e, finalmente, propunham que o estado cumprisse o papel
estratégico de condotieri desta grande transformação. Com o passar do
tempo, entretanto, duas coisas chamam  a atenção, nesta história
desenvolvimentista.   A primeira, é que apesar desta ampla convergência
estratégica, as políticas desenvolvimentistas só tenham sido aplicadas de
forma  muito pontual, irregular e descoordenada. E em todo este período só
se possa falar da existência de dois "estados desenvolvimentistas", na
América Latina:  o mexicano, com muitas reservas; e o brasileiro, que foi
o mais bem sucedido, do ponto de vista do crescimento econômico. E a
segunda coisa que chama muito a atenção é que exatamente no Brasil, a
matriz teórica e estratégica que teve mais importância não foi nenhuma
destas três, pelo contrário, foi a teoria da “segurança nacional”
formulada pelos militares brasileiros que tiveram um papel central na
construção e no controle ou tutela do “estado desenvolvimentista”, entre
1937 e 1985. O “desenvolvimentismo militar”  deu  seus primeiros passos no
Brasil, com a Revolução de 30 e com o  Estado Novo, mas só nos anos 50, se
transformou numa ideologia e numa estratégia específica e diferenciada
dentro do universo desenvolvimentista, sendo a única que associava
explicitamente a necessidade do  desenvolvimento e da industrialização,
com o objetivo prioritário da “defesa nacional”.

    Como contribuição ao debate contemporâneo, vale uma rápida anatomia 
deste projeto militar, que teve grande sucesso econômico, mas foi
muito frágil do ponto de vista político e social:

i.              Os militares brasileiros propunham um projeto de expansão
do poder nacional e uma visão competitiva do sistema mundial. Mas definiam
sua estratégia de defesa a partir de um “inimigo externo” estritamente
ideológico e longínquo, que nunca ameaçou nem desafiou efetivamente o
país, e que foi importado da Guerra Fria.

ii.            A natureza exclusivamente ideológica deste “inimigo
externo” permitiu aos militares transportá-lo para dentro do país, 
transformando todas as reivindicação e mobilizações sociais internas, em
manifestações que ameaçavam sua paranóia anti-comunista. Daí veio o
caráter conservador, autoritário e anti-popular deste  projeto
desenvolvimentista.

iii.           Por sua vez, a desmobilização ativa da grande maioria da
sociedade explica a composição heterogênea, oligárquica e quase sempre
liberal da coalizão de interesses que sustentou política e socialmente, o
sucesso econômico do desenvolvimentismo militar brasileiro. Uma coalizão
que se manteve unida enquanto duraram as altas taxas de crescimento e se
desfez rapidamente na hora da grande crise econômica internacional, do
início dos anos 80..

iv.           Por último, o projeto desenvolvimentista dos militares
brasileiros utilizou a política macro-econômica como uma espécie de
“variável de ajuste”. Ela nunca foi consistentemente ortodoxa nem
heterodoxa,  foi apenas a resultante possível, a cada momento,  do grande
paradoxo deste projeto: a necessidade de crescer e “fugir para frente,
para manter unida uma coalizão de forças predominantemente anti-estatais e
anti-desenvolvimentistas.

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