terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Divisão no governo explicita dilema fiscal



Luis Ushirobira/Valor / Luis Ushirobira/ValorGustavo Loyola: se não cumprir meta cheia de superávit primário, espaço para cortar os juros deve diminuir

A divisão dentro do governo sobre abrir mão do cumprimento da meta "cheia" de superávit primário para elevar o investimento, discutida em reportagem publicada ontem pelo Valor, explicita que chegou à equipe econômica um dilema apontado por boa parte dos especialistas em contas públicas.
Com a perspectiva de desaceleração das receitas e alta das despesas, parece muito difícil a União investir com mais força e ao mesmo tempo fazer uma economia para pagar os juros (o superávit primário) na casa de 3% do PIB, sem descontar gastos com investimentos. O risco, para alguns, é que essa estratégia diminuia o espaço para a redução dos juros.
Segundo a reportagem do Valor que o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, defende o aumento mais forte do investimento, enquanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o BC são favoráveis ao cumprimento da meta cheia, para permitir uma queda maior da Selic.
Se optar por acelerar o investimento público para impulsionar a atividade, não será possível cumprir a meta "cheia", a não ser que haja um ganho excepcional de arrecadação, acredita o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria. O aumento de cerca de 14% do salário mínimo vai provocar uma alta expressiva dos gastos do governo com aposentadorias e programas assistenciais, lembra ele.
O economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, tem uma avaliação parecida. Não descarta o cumprimento da meta, dada a capacidade de arrecadação da Receita Federal, mas vê como improvável a conciliação de uma alta forte do investimento da União e a meta de superávit primário de 3% do PIB.
Para Loyola e Almeida, uma economia para pagar juros um pouco mais modesta tira algum espaço para cortar a taxa Selic, hoje em 11% ao ano. "Se elevar os investimentos à custa de uma piora do superávit primário, o governo vai exercer força expansionista na economia", diz Loyola. Além disso, o BC tem reiterado que trabalha com o cumprimento da meta cheia.
Para outro analista ouvido pelo Valor, faz sentido que Mantega, tido como flexível, esteja com uma posição mais próxima da do BC, trabalhando para que a política fiscal abra espaço para juros menores. Ele considera Barbosa como um partidário mais convicto dos benefícios de uma alta do investimento para a economia, que não veria grandes riscos de pressão de curto prazo sobre a demanda.
Para Júlio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica da Fazenda e diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), é natural que o debate exista dentro do governo. "O assunto está na ordem do dia." Em sua percepção, após a crise internacional iniciada em 2008, houve um esgotamento das medidas fiscais que poderiam ser adotadas para estimular a economia não apenas no Brasil, mas também em outros países.
Com isso, a política monetária, com a redução dos juros, ganhou papel mais relevante como instrumento de estímulo ao crescimento e, paralelamente, a política fiscal precisou ser menos expansionista, diz ele. Nesse quadro, o governo deve indicar que cumprirá a meta de superávit primário. "Pelo lado das expectativas, reafirmar o compromisso com a meta é muito importante para dar sustentação à trajetória de queda dos juros. Acho que a opção do governo será por reafirmar o superávit de 3% do PIB, mas claramente com uma carta no colete, que é o investimento em infraestrutura. É uma reserva que poderá usar em contexto de endurecimento do cenário externo".
O incentivo deve ser usado em duas situações, para Gomes de Almeida: caso a crise internacional se torne mais aguda ou se a desaceleração da economia se provar mais forte e duradoura do que o antecipado. Defensor dessa postura, ele admite que, se o governo decidir ampliar os investimentos públicos, não terá como cumprir a meta "cheia" de superávit primário, já que outras despesas, como as de custeio, são difíceis de ser manejadas no curto prazo. Ainda assim, avalia, como o BC olha um horizonte de tempo mais amplo para tomar decisões, isso não deve ter efeito importante sobre a condução da política monetária e o ciclo de redução dos juros.
Samuel Pessôa, chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), acredita que irá prevalecer, no governo, o compromisso com a meta de superávit primário, mas sem abandono dos investimentos. "A solução fiscal será acelerar a agenda de privatizações e incentivar o investimento por parte da iniciativa privada, com forte contribuição do BNDES. Aparentemente, a presidente Dilma Rousseff quer uma política fiscal sólida para abrir espaço para uma redução maior da Selic."
Mansueto vê a aceleração das concessões à iniciativa privada como uma opção para haver aumento dos investimentos e cumprimento da meta cheia de superávit primário. A questão, segundo ele, é que o governo parece pouco disposto a caminhar nessa direção.
Pessôa diz que o governo petista tem credibilidade na área fiscal: em nove anos, em apenas dois a meta não foi cumprida. A primeira, em 2009, por causa da crise global e dos incentivos concedidos para reaquecer a atividade econômica. A segunda vez foi em 2010, em decorrência do ciclo eleitoral, que, segundo Pessôa, é parte inerente ao processo democrático. "Se o governo disser que irá cumprir a meta do superávit primário, eu acredito." A maioria dos analistas, porém, não tem essa avaliação - as instituições ouvidas te pelo BC projetam 2,8% do PIB.
Em entrevista ao Valor também publicada ontem, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, diz que o principal desafio fiscal de 2012 é auxiliar o crescimento. Para Loyola, é um sinal de que o governo tem hoje um excesso de metas. Além da de inflação, a única oficial, há metas informais para crescimento, juros e câmbio, diz ele, que vê dificuldade para conciliar todas elas.

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