sábado, 24 de março de 2012

Beluzzo: economia mundial passa por mudança de natureza

Osvaldo Bertolino
O professor e economista Luiz Gonzaga Belluzzo tem participado intensamente dos debates sobre os rumos da economia brasileira no cenário da crise econômica global. Para ele, o governo da presidenta Dilma Rousseff está diante de grandes desafios, que ora se apresentam de forma contraditória, ora como oportunidades. Para falar sobre esses assuntos, Belluzzo recebeu o Grabois.org para uma entrevista exclusiva.
Grabois.org - Professor, o senhor escreveu que a economia brasileira, urbana-industrial, não pode se apoiar na exportação de commodities. O que o senhor quis dizer com isso?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Eu quis dizer que em um país como o Brasil, que tem 20% do PIB na indústria, essa não é uma opção que se possa fazer. Por quê? Porque do ponto de vista da geração de emprego e renda não se pode apenar se apoiar nas commodities. As conexões internas dessas cadeias são muito mais tênues do que são no caso da indústria. Não estou dizendo que o Brasil tenha de reproduzir toda a estrutura industrial, porque boa parte nós já perdemos – perdemos na eletroeletrônica, perdemos no setor de bens de capital –, nós fomos perdendo ao longo dos últimos 20 anos. Primeiro por causa da crise financeira pós-dívida externa e, depois, por conta dos dois períodos de valorização cambial que nós tivemos.

Eu estava olhando os dados e no período de 1995 a 1999 foi muito ruim porque houve taxas de juros muito altas, elevadíssimas, câmbios supervalorizados. E teve o movimento de expansão da China exatamente nesse momento. E o Brasil foi perdendo substância industrial. Para uma economia que já tem uma dimensão urbano-industrial grande, a desindustrialização é uma coisa séria. Foi nesse sentido que eu falei que um país que já constituiu uma economia urbano-industrial importante não pode se entregar à exportação de commodities. Mesmo que a produção de commodities, essa cadeia, não seja a mesma coisa que era no passado. Mas nem se compara com o poder, no caso de emprego e renda, da indústria.

Grabois.org - O senhor vê então um processo de desindustrialização em marcha?
Belluzzo – Já foi desencadeado. Sofremos uma paralisia praticamente de investimento industrial, na infraestrutura, nos anos 1980, por conta da crise pós-dívida externa. Depois, nos anos 1990, quando estabilizou a economia, que coincidiu com a emergência chinesa – e a China emergiu atraindo muito capital externo, investimento direto estrangeiro –, coisa que poderia caber a nós. O Brasil perdeu essa oportunidade e houve uma perda forte em algumas cadeias. Pelos estudos que vêm sendo feitos, percebe-se que a perda foi grande.

Nesse momento, infelizmente, a partir de 2004 na verdade, o Brasil deixou a taxa de câmbio se apreciar. A economia começou a crescer e isso, de certa forma, compensou a perda de competitividade da indústria. Mas é só olhar o que acontece com as importações. Qualquer variação para cima da demanda atrai um fluxo importante de importações, porque a indústria doméstica não só não dá conta como na verdade ela já está importando e colocando a etiqueta dela aqui. Quando já não vem com essa etiqueta da China. Então, o que importa mesmo para a indústria não é – como se diz – a desindustrialização. Ela não ocorre apenas quando são fechadas as fábricas. Ocorre quando são destruídas as cadeias. E isso às vezes não é visível para o cidadão comum, mas tem um efeito enorme no emprego e na renda.

Basta ver o que acontece hoje nos Estados Unidos. Eles são atualmente um país em que o emprego vem sendo destruído. Uma coisa é o sistema de empresas americanas, outra é a economia territorial americana. Ou seja, a vida do povo americano. A vida do povo americano hoje é muito pior do que era há 30, 40 anos, porque o país se desindustrializou. Hoje, a sociedade americana não é nem sombra do que foi no imediato pós-guerra, quando havia aquele vigor da economia que veio da guerra remodelada por causa das inovações que foram criadas. Hoje não. É uma coisa impressionante como declinou a vitalidade da economia americana.

Grabois.org - O senhor também comentou, usando o termo “parece”, que a equipe econômica está buscando uma combinação de juros, política fiscal e câmbio. Seria um meio para proteger o país das importações predatórias e do capital de curto prazo, e incentivar o desenvolvimento nos setores de tecnologia mais intensiva. Essa impressão vem se confirmando?
Belluzzo – Na verdade, o governo já se deu conta, desde o presidente Lula, que precisa fazer alguma coisa para se equilibrar a política monetária, fiscal e cambial. Há muita discussão a respeito disso. O fato é que o foco principal dos, digamos, conservadores é a política monetária. Para a política monetária, a qualquer respiro da inflação é preciso subir juros. O problema no Brasil é que a taxa de juros já era muito alta. Não que se deva abandonar a política monetária. Uma coisa é subir a taxa de juros de 6,5% para 7,5%. Outra é subir de 10% para 12%. Então, a taxa já está fora do lugar desde antes da crise.

E como a crise veio acompanhada, ou foi seguida, de uma série de intervenções maciças dos bancos centrais para injetar liquidez na economia para tirar a parte podre dos ativos. Os bancos centrais tiveram de fazer operações do tipo do quantitativismo, que é uma forma, digamos, atípica de se fazer política monetária, com taxas de juros muito baixas. O que ocorreu é que não se consegue segurar o afluxo de recursos hot money, recursos de curto prazo, e nem mesmo pode-se impedir as empresas de tomar recursos lá fora. E, como se viu, só no começo do ano trouxemos para dentro 24 bilhões de dólares, em empréstimos de bancos e empresas.

Minha preocupação é essa: se deixar esse processo avançar da maneira que está avançando, toma-se empréstimo lá muito barato e aplica aqui. Ou compra título de renda fixa, que entrou pouco, ou então faz empréstimo para as empresas e os bancos brasileiros. Porque os rendimentos estão muito baixos no resto do mundo. Para se ter uma idéia, a própria Embraer está fazendo proposta para quem quer comprar os seus aviões de empréstimo por 25 anos a 2% ao ano. Porque ela está se financiando barato lá fora e repassando para cá.

Isso tudo é complicado, porque agrava aquilo que eu disse, o processo de desindustrialização. Valoriza o câmbio e não tem nenhuma proposta adicional. Claro, a questão do pré-sal está sendo tratada de modo a se maximizar encomendas domésticas, se internalizar a demanda por equipamentos e serviços etc. Isso sem dúvida é importante. Mas é preciso que recuperemos um pouco a posição em alguns outros setores da indústria.

O pessoal não se dá conta de que a China e a Ásia, e as suas inter-relações, têm um sistema global. Não é mais uma indústria. É uma mudança de natureza. Não é mais uma indústria nacional que está exportando. Não. Ela é uma indústria global, dadas as relações que ela mantém dentro da Ásia, e da Ásia com os países desenvolvidos. Então, tivemos uma mutação histórica aí importante, à qual não sei como os países vão enfrentar. Tem uma mutação histórica mesmo. Não é a mesma coisa. É parecido com o que foi a emergência dos Estados Unidos e da Alemanha no final do século XIX, mas com muito mais intensidade e com muito mais abrangência.

Não sei como os países vão reagir. O Brasil ainda tem essa vantagem relativa de ter uma dotação de recursos naturais favorável. Mas o país vai ficar dependente das exportações de commodities para a China? O Brasil tem, digamos, uma agenda com a China que talvez seja hoje em dia mais importante que a agenda com os EUA.

Grabois.org – Sobre essa questão do câmbio, gostaria que o senhor comentasse a idéia de taxar pesadamente e estabelecer quarentena para os investimentos externos especulativos, agindo no sentido de controlar as flutuações no câmbio, estabelecendo metas para uma taxa cambial capaz de promover o desenvolvimento, defendendo a moeda nacional na guerra cambial que ora se trava.
Belluzzo – Há vários instrumentos. Há esse da quarentena, o da taxação. Tem o instrumento da forma como o Banco Central opera no mercado de câmbio. É preciso ter presente também que a maior parte das transações é feita hoje nos mercados futuros de câmbio. Então, é preciso atuar também nos futuros, não pode deixar isso a bel prazer. Porque a maior parte das transações não é feita mais no mercado à vista. As pessoas fazem posição nos mercados futuros e às vezes lá fora.

O que precisa fazer, na verdade, é impedir que elas façam o fechamento aqui de alteração na Bolsa Mercantil de Futuros. Porque os mercados são outra dimensão da finança moderna. Por exemplo, se pegarmos um contrato futuro de commodities, índice de commodities, ele não tem nada a ver com as commodities reais. A pessoa nunca viu uma commoditie que está negociando. Está negociando o índice. Portanto, ela está negociando o quê? Um valor abstrato. Ela quer saber quais são mais ou menos as expectativas dos parceiros competidores dele nesse mercado. E às vezes isso não tem nada, ou muito pouco, a ver com o que está acontecendo no mercado à vista.

Assim acontece com o câmbio. O câmbio hoje virou muito mais um ativo financeiro do que um preço relativo. Então, ele é as duas coisas. É um ativo financeiro porque se pode especular com as moedas, ou esperar porque se faz uma determinada aposta a respeito do movimento delas entre si. Está tratando câmbio como ativo financeiro. Mas ele é também um preço relativo, que é o preço de suas exportações versus o preço dos bens importados. Ele é um preço crucial, assim como é a taxa de juros. Mas acredito que vamos precisar ir mais longe do que essas intervenções, que são importantes, mas não suficientes para segurar esses mercados. A menos que todo mundo coloque restrições muito sérias a essas operações, a esses mercados futuros.

Grabois.org – Maria da Conceição Tavares fala em entrevista à Carta Maior que os derivativos já não derivam de mais nada...
Belluzzo – Sim. Não derivam de mais nada, é isso o que eu dizia. É um valor abstrato. Vou usar o exemplo de um derivativo curioso, chamado CDI, que é um crédito de funds swaps. O que é isso? Esse crédito era vendido pelas seguradoras contra o risco de crédito. Ou seja, quem tinha adquirido uma dívida de alguém, tinha comprado um ativo financeiro, o swap de crédito para se garantir contra inadimplência. Só que isso virou um produto financeiro. Negociava-se nos mercados secundários. Quem emitia isso era os bancos de investimento. Aquela seguradora AIG que quebrou emitia esse crédito.

Tem alguma coisa a ver com o ativo subjacente? Nada. Nada a ver. Então, os derivativos já são valores de 5ª a 6ª ordem. Marx chamava isso de capital fictício. É isso o que os derivativos são, numa escala que ele não poderia imaginar. Quando Marx falou do capital fictício, falou do fato de se avaliar o preço dos ativos descontando o fluxo futuro pela taxa de juros. Mas ele já tinha se dado conta de que aqueles ativos de dívida, ativos do tipo ação etc. já eram uma duplicação do capital. O que se vê aí é uma triplicação, uma quadruplicação. É uma coisa puramente financeira, sem nenhuma relação com ativo subjacente.

Ativo subjacente pode ser um título como o CDO, o collaterol debt obligation, que representa o quê? Um empréstimo hipotecário. Ele já representa uma operação de crédito. Um bloco já representa um bloco de empréstimos ou de dívidas que eles empacotam e acima deles ninguém tem esse papel. Então, todos os ativos financeiros passaram a ter esse tipo de duplicação, triplicação. Os derivativos, na verdade, já não correspondem mais a um movimento de preço dos ativos subjacentes. Na taxa de câmbio a mesma coisa.

Todo mundo diz que a taxa de câmbio tem de ser flutuante. Perfeito. Vamos admitir que seja assim. É discutível, virou um dogma. Ela tem de ser flutuante, mas ela não pode ter tanta volatilidade como tem. Por quê? Porque, na verdade, se prejudica as decisões de investimento, de gastos, de exportação das empresas quando ela flutua muito. Ela é flutuante, mas não pode flutuar tanto.

O suposto da taxa de câmbio flutuante é o seguinte: quando a sua economia tem déficits em transações correntes, a taxa se ajusta de modo a tornar mais baratas as suas exportações e mais caras as importações. Acontece que o fator dominante hoje na fixação do câmbio não é exportação/importação. O fator dominante é o movimento de capitais e o que ocorre nos mercados futuros. Depende da expectativa dos agentes aqui e lá fora.

O que está acontecendo hoje em relação ao Brasil? É que o Brasil é visto como um país que está com todas as coisas no lugar, ou quase no lugar. Então, entra muito dinheiro aqui e as pessoas apostam, comprando em reais no futuro porque sabem que a tendência da moeda é valorizar. E quando fazem isso valorizam ainda mais a moeda. Então, o elemento dominante no balanço de pagamentos hoje é o movimento financeiro. Não é mais o movimento de importação/exportação, ou mesmo de vendas de serviços. Não é mais, digamos, o lado real da economia, é o lado financeiro. Os fluxos financeiros é que determinam o desenvolvimento da taxa de câmbio.

Grabois.org – Na entrevista da Dilma no jornal Valor Econômico ela falou que não há inconsistência entre cortar 50 milhões e repassar 55 milhões para o BNDES fazer investimentos. Não há inconsistência, mas pode haver incoerência ou contradição.
Belluzzo – Não. O que ela quis dizer, e acho que ela está certa, é que se vai cortar, cortará o gasto corrente. Outra coisa é passar dinheiro para o BNDES, que vai ao longo do tempo não deixar que o investimento caia. Investimento no Brasil já é numa proporção baixa do PIB. Então, é preciso garantir aos empresários que vai haver recursos para investir. Só que o BNDES não vai gastar 50 bilhões ao longo deste ano. Ele vai gastar ao longo dos próximos exercícios. Ele vai deixar lá disponível para que o empresariado invista e tenha recursos de longo prazo. Ela está certa, tem razão.

Grabois.org – Sobre o corte de 50 bilhões no orçamento, o senhor falou que a economia estava em transição. Falou em uma demanda aquecida do mercado de trabalho...
Belluzzo – O problema é o seguinte. O que aconteceu com a inflação? Vamos falar da inflação. Houve um choque externo. Como a Dilma disse, levou um choque de commodities que, para nós, é ambíguo porque, por um lado, melhora nossa posição na balança de pagamentos e, por outro, tem efeitos sobre a inflação. Se, na verdade, esse choque acaba transferido para uma economia que está muito aquecida no mercado isso vai gerar uma inflação que não se pode segurar lá na frente. Porque os salários vão ser ajustados, tem tendência à elevação muito rápida.

O que precisa ser feito? É preciso modular a expansão da demanda de modo que se ajuste mais ou menos a um ritmo que seja compatível com a queda da inflação. Não é fácil fazer isso. Estou dizendo que não é fácil não porque o Brasil esteja vivendo um momento dramático, como foi nos anos 1980. Não tem nada a ver. Aquela hiperinflação tinha outra natureza. Hoje, o regime fiscal e monetário é muito diferente. Mas não se pode brincar com isso, porque, como se sabe, se descuidar a inflação vem e os primeiros prejudicados são os assalariados, com menos poder de reajustar os salários. Depois começa aquela espiral salário/preço que já conhecemos, já vimos esse filme. Os assalariados se apertam.

Vi que os índices de crescimento já estão caindo, porque a economia está desacelerando um pouco. Ela vai caminhar para uns 4,5%, 5% de crescimento este ano. O que é bastante razoável para a economia brasileira. Nós não vamos ter um ritmo chinês. A China tem outros problemas, que nós não temos, felizmente. A China tem de colocar gente para dentro do mercado de trabalho, e não é pouca gente. O Brasil não tem esse problema.

O Brasil tem o problema de crescer permanentemente a uma taxa de 5%, 6%. E fazer isso durante muitos anos para ir melhorando a posição relativa, com uma política social bem concebida. E precisa sair um pouco do Bolsa Família e ir para outras formas de emprego mesmo. Vai ser preciso inventar emprego, porque a indústria não vai dar muitos postos. Vai ser preciso inventar emprego, sobretudo na área da educação, da saúde, do tratamento dos idosos, das crianças, da área cultural. É isso o que o governo precisa fazer.

Grabois.org – A presidenta Dilma falou que não há – ela foi taxativa – inflação de demanda. O senhor falou em demanda um pouco excitada. O senhor discorda da presidenta?
Belluzzo – Discordo. Como professor dela tenho direito de discordar. Aliás, essa é uma discussão que não tem muito sentido. O fato é o seguinte: se há um choque inflacionário e há uma demanda que está crescendo muito mais rápido que o PIB, ou se ajusta pelo balanço de pagamentos, pelas importações. O efeito inflacionário é menor, mas em compensação é prejudicada a produção doméstica.

O que aconteceu nos últimos anos é que, com a entrada da China no mercado, o preço dos manufaturados em termos relativos caiu muito. Se alguém for fazer uma avaliação de quanto valia uma televisão há dez anos, ou há cinco anos, verá que ela custava caríssimo. Hoje ela custa pouco mais de mil reais. Então, o preço dos manufaturados despencou. Pelo efeito China. Pelo efeito produtividade na China e escala.

Grabois.org – Tecnologia também?
Belluzzo – Tecnologia e escala. Porque a China produz tudo com o que há de mais moderno. Aliás, veja o caso do Japão. Você não deve se lembrar, mas lembro-me bem que se falava que o Japão só produzia radinho vagabundo. De repente, o Japão estava produzindo tomógrafo, automóvel. O modelo chinês é uma réplica de toda a experiência asiática, que é de se constituir uma engrenagem entre os grandes índices de produtividade, as importações e o investimento. Só que a China fez isso numa escala que ninguém fez.

Estamos entre dois equilíbrios. Acredito que a questão da inflação é menos grave porque se pode reajustar por aí, ainda que não seja bom. Mas do ponto de vista da economia brasileira, escapar pelo lado das importações tem o seu custo.

Grabois.org – Professor, e a situação internacional? A periferia da Europa, por exemplo, que o senhor costuma citar, está numa situação em que a União Europeia não tem muito o que fazer porque ela também está envolvida pela raiz do problema, que é o sistema financeiro.
Belluzzo – Para falar da situação internacional, vamos começar pelos Estados Unidos e a Europa. Não sei se você viu o filme Inside Job. Aquilo é uma coisa inacreditável. Tem a ver com a delegação de certo tipo de valores que foram introduzidos pela extrema mercantilização da sociedade. Não podemos subestimar o papel que teve essa mercantilização profissional. E que invadiu todas as esferas da vida social. Não dá para dizer que ninguém pôde antever a crise. A crise estava na cara, como diz o relatório do Congresso americano. Before your very eyes, diz o relatório. Ou seja, estava na cara.

Muito bem. A reação foi imediata e inevitável. Só depois as pessoas vieram a perceber, a maioria, o grau de inter-relação que existia entre as instituições financeiras. Não é apenas o to be to fail, que era muito grande para falir. É porque dentro sistema financeiro as inter-relações eram mais profundas. E elas eram internacionalizadas. Quer dizer, os bancos europeus estavam metidos nessa geringonça até o pescoço. Além disso, havia sido mudado fundamentalmente o funding dos bancos.

Porque, com o fim da separação dos bancos comerciais, bancos de investimento, com o fim da lei dos anos 1930 que separava bancos comerciais de investimentos e de outras instituições financeiras, eles transformaram tudo aquilo em instituições que eram capazes de criar – e no fundo criaram – moeda. Hoje, se formos olhar a composição dos ativos e monetários, do M1 ao M4, o M1 é depósitos dos bancos comerciais do banco central, papel moeda e mais as reservas dos bancos, que é chamado dinheiro verdadeiro, que se chamava antigamente.

Hoje em dia só tem um espectro de ativos que são mais ou menos líquidos. Por exemplo, uma pessoa tem um fundo DI. Esse fundo estaria incluído provavelmente no M2. Porque a pessoa tem esse fundo, que paga juros, mas em compensação ela pode mandar passá-lo para o depósito à vista e sacar imediatamente. Quer dizer, não há diferença nenhuma. Assim como também nos títulos do governo. Títulos que têm liquidez imediata.

Então, foi criada uma inter-relação entre as instituições financeiras que obrigou a se ter uma reação muito forte contra a crise. Nunca teve nada igual. Como essas intervenções do Federal Reserve e do banco central europeu. O que acontece com a Europa? A Europa tem uma moeda única. Só que os sistemas não são os mesmos, são nacionais. Eu estava lá quando eles mudaram a moeda. Não se deram conta dos riscos que estavam correndo, porque havia graus de desenvolvimento muito diferentes.

E, além disso, com a desregulamentação financeira e a criação de um espaço monetário comum, o que aconteceu? Até a criação do euro, por exemplo, não havia na Espanha uma oferta de um crédito de 20 anos para se comprar uma casa e a taxa de juros era muito alta, se comparada com a da Alemanha. O que aconteceu com a criação do euro? As taxas de juros convergiram.

Então, as taxas de juros na Grécia, na Espanha, em Portugal e na Itália ficaram muito parecidas com as taxas alemãs. E isso deu um choque de crédito e de demanda nessa economia. Tanto que a Espanha teve uma bolha tão ou mais exuberante que a americana. A Grécia, na verdade, também teve um aumento de demanda movida pelo crédito. Assim como os países do Leste europeu, como Letônia, Hungria. Todos também metidos nessa história.

Quem expandiu o crédito e financiou esses países? Os bancos alemães e os bancos franceses. Quando ocorreu a confusão e os governos fizeram a intervenção, eles fizeram para salvar os bancos. Para não falar do caso fantástico da Islândia e da Irlanda. São duas coisas de science fiction. Hoje, o déficit da Irlanda está em 34% do PIB. Sabia? É uma coisa imanejável. A Espanha, por exemplo, antes de 2007 tinha 6% de superávit fiscal. Quando deu a crise ela tem 11% de déficit. Porque foram socializadas as perdas incorridas pelo setor privado.

Há um problema de dívidas que foram açambarcadas pelo Estado, dívida pública, que não tem muita solução. A não ser que se faça uma reestruturação. É isso o que as empresas europeias não querem fazer. Não querem fazer uma redução, uma reestruturação da dívida. Mas isso vai acabar acontecendo porque volta e meia os países apresentam de novo problemas de rolagem das dívidas. Semana passada a taxa de juros da Grécia foi a 15%. Comparado com o que ela pagava, parecido com a Alemanha que era 3%, não se consegue estabilizar a dívida. Assim como a Espanha, que está pagando taxas de 8%, 9% não vai conseguir estabilizar a dívida.

Qual a resistência dos alemães? Eles resistem muito a fazer uma coisa mais coletiva. Permitir a ampliação do fundo de estabilização europeu, permitir que se emita dívida com títulos europeus ao invés de ser com títulos nacionais. Vamos ver qual será o primeiro país que vai, na verdade, declarar que terá de reestruturar. Como a dívida brasileira. Durante anos se lutou: precisa reestruturar, precisa reestruturar. E só vieram a reestruturar 12 anos depois.

Grabois.org – Sobre os Estados Unidos, professor, a Conceição falou em camada espessa de gelo, que seria o domínio do sistema financeiro sobre o país, o domínio do Congresso pelo bloco conservador. É um beco sem saída?
Belluzzo – Aquilo é um negócio complicadíssimo. Porque se você lê o próprio relatório do Congresso, elaborado por 6 democratas e 4 republicanos – e os republicanos ainda fizeram um relatório à parte, divergente –, com atenção, é impressionante. Só que a imprensa brasileira e a europeia não dá uma linha. Aliás, a cobertura internacional da imprensa brasileira é uma coisa horrível.

O que está acontecendo nos Estados Unidos? Está acontecendo que, depois dessas intervenções, a dívida americana já está em praticamente mais de 90% do PIB e o déficit em 10%. E eles querem, na verdade, fazer retroceder os programas de gasto do governo. Se eles fizerem isso certamente a economia vai cair novamente numa trajetória recessiva.

As famílias não têm mais capacidade de endividamento. Na verdade, estão se desendividando. Durante os últimos 30 anos, na prática os salários dos 90% inferiores na distribuição caíram. Então, houve essa combinação entre piora violenta da distribuição de renda, queda dos salários reais e endividamento alto. Como vai se recuperar essa economia senão por um esforço de investimento público? Aí se bate na questão política. O Congresso americano, de fato, lendo-se o relatório e vendo os esforços que foram feitos para desregulamentar, virou uma espécie de repartição do sistema financeiro . E Obama não conseguiu reverter isso. Aliás, ele nem tentou.

Grabois.org – Os democratas abriram as portas para isso.
Belluzzo – Sim, o Bill Clinton.

Grabois.org – O senhor vê alguma saída política?
Belluzzo – Temos de entender que o Partido Democrata, com a desindustrialização, com o declínio da classe média mais progressista, foi perdendo a sua base eleitoral. Então, houve no Partido Democrata uma tendência de se aproximar dos republicanos. Os dois partidos se aproximaram ideologicamente, das propostas etc. Quem fez a desregulamentação foi o Clinton. Ele é que deu o golpe de morte. A base eleitoral dos democratas na verdade sumiu. Havia sindicatos fortes.

Hoje em dia, nos Estados Unidos os sindicatos dominantes são os de funcionários públicos. São os que estão dando um combate mais em cima. De Wisconsin, de Ohio e de Michigan. Por quê? Eles também têm a ver com uma coisa meio parecida com a Europa. O que os governadores republicanos estão fazendo? Estão cortando direitos. Os direitos das mães, o direito à negociação coletiva dos trabalhadores do serviço público.

Quer dizer, a reação hoje é muito diferente da reação de 1929. Em 1929, com toda a oposição que sempre teve nos Estados Unidos a políticas mais avançadas etc., Roosevelt passou por cima disso porque ele tinha base social. O que ele fez? Uma das coisas foi sindicalizar rapidamente os trabalhadores para constituir uma força de oposição à manobra dos conservadores. Foi o maior movimento de sindicalização nos Estados Unidos em todos os tempos. Roosevelt o produziu. Agora, o que acontece é uma dispersão.

Grabois.org Obama não leu Roosevelt, como o senhor disse...
Belluzzo – Sim, eu disse. [risos] Roosevelt era um aristocrata, mas quando lemos os discursos dele ficamos impressionados com a coragem dele, com o que ele dizia. E também isso é sinal dos tempos. Os discursos dele são coisas impressionantes. Por exemplo, o discurso quando ele criou a previdência social. Mas Obama não apenas não leu, porque não tem nem metade do cacife de Roosevelt. Os discursos dele são de uma firmeza...

Isso reflete um pouco a flacidez da sociedade americana, fala coisas genéricas. Change, change, yes... Isso não quer dizer nada. Roosevelt, em um discurso, diz o seguinte: “Saímos da Europa porque na verdade nossos ancestrais não aceitavam o domínio da aristocracia. E aqui nós estamos criando outra aristocracia financeira, econômica, que está explorando o povo americano.” Isso está em um de meus artigos. E ele disse: “Precisamos acabar com isso. Precisamos devolver ao povo americano o direito que ele tem de viver bem etc.”

Grabois.org – É de uma atualidade impressionante.
Belluzzo – É impressionante. A diferença entre Roosevelt e Obama... Eu disse que ele não leu Roosevelt, mas não é um problema de ler e sim de responder a um determinado ambiente social. Roosevelt teve oposição a ele, mas a maioria do povo americano, aos poucos, desde que ele tomou as medidas do New Deal – não que o New Deal tenha recuperado a economia americana, só se recuperou na guerra — o apoiou.  Ele deu cobertura para o povo. Você viu o filme A noite dos desesperados? Em inglês é They Shoot Horses, Don't They...

Grabois.org
– Não vi...
Esse filme passa na época da depressão. Por que se chama noite dos desesperados? Porque é um concurso de dança, de resistência, realizado no interior dos Estados Unidos e as pessoas, todas desempregadas, vão participar para ver se arrumam dinheiro. O filme se passa nesse clima. Hoje em dia, Obama tem de cortar gasto. E ninguém fala nada. Quer dizer, muitas pessoas falam, mas não adianta nada.

Grabois.org – Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a visita de Obama ao Brasil. Segundo a Conceição Tavares, a política externa é o último ponto sobre o qual ele tem algum domínio. Ela disse que ele veio aqui para tratar de petróleo. O senhor concorda?
Belluzzo – Ele veio tratar de energia, principalmente de petróleo. Concordo sim. Ele veio aqui com um objetivo muito claro. Os discursos dele foram todos muito vagos, para variar. Mas não tenho dúvida nenhuma de que ele veio tratar de energia. Veio dar uma afagada no Brasil para ter acesso às nossas reservas. Acredito que ele vá mudar um pouco o eixo. Ele quer ficar menos dependente da Arábia Saudita, do mundo árabe. E mesmo da Venezuela.

Eles vão tentar manter com o Brasil uma relação mais favorável. E também porque eles querem exportar neste momento. Eles estão precisando exportar. Eles já estão com o superávit no Brasil. Acredito que de 7 bilhões. E eles sempre tiveram déficit com o Brasil. Agora estão tendo superávit por conta do movimento exatamente da taxa de câmbio. Nunca tivemos déficit com eles nos últimos anos. Mas importante para ele é essa questão do petróleo. Pode ficar certo de que o Brasil agora se tornou uma área estratégica para eles. O que é bom e é ruim.

Bom e ruim porque eles não costumam ser muito delicados quando os interesses deles são feridos. Então, precisamos jogar esse jogo com muita esperteza. Posso estar enganado, mas acredito que, por exemplo, no caso da Líbia, como no caso das revoltas árabes em geral, eles foram muito menos unilaterais nas decisões, estão sendo mais cautelosos.

No caso da Líbia, no fundo os europeus é que tomaram a iniciativa. Acredito que eles já tenham se dado conta, ou pelo menos inconscientemente, de que não têm mais o poder que tinham há 20 anos. A configuração das relações de poder no mundo está muito diferente. Até por causa da presença de China, da Índia, do próprio Brasil. O jogo é de outra natureza. Os europeus também estão tentando ser menos dependentes deles nas decisões. Então, acredito que a Conceição Tavares tem razão: eles vieram aqui para tratar de petróleo.

3 comentários:

  1. Você precisa de um empréstimo ? Entrar em contato com Sir Christlainia empréstimo Empresa via christlainiacompany@gmail.com que dá tempo de vida do empréstimo oportunidade de indivíduos, empresas de negócios, seguros, etc. Você está em qualquer dificuldade financeira ou na necessidade de empréstimo para investir ou você precisa de um empréstimo para pagar a sua pesquisa contas não mais como estamos aqui para fazer todos os seus problemas financeiros, uma coisa do passado. Oferecemos todos os tipos de empréstimo em qualquer denominação da moeda com a taxa de juros de 2%. Quero usar este grande meio para que você saiba que estamos prontos para ajudá-lo com qualquer tipo de empréstimo para resolver o seu problema financeiro. E-mail: christlainiacompany@gmail.com

    ResponderExcluir
  2. Você precisa de um empréstimo ? Contate o Senhor Murat Acar empréstimo Empresa, é aqui um crédito aos problemas financeiros, e você precisa uma oportunidade para aqueles que querem aumentar sua vida financeira, nós damos empréstimos de uma taxa de interesse muito razoáveis ajudar povos em empréstimos financeiros do crédito do esforço, Empréstimos médicos, empréstimos à habitação, empréstimos estudantis, etc Nós podemos fornecer todos os tipos de empréstimo.
    Envie um e-mail hoje para ajuda financeira: muratacarfinancialservice@gmail.com

    Cumprimentos

    ResponderExcluir
  3. Olá pessoal, eu sou Patricia Sherman atualmente em Oklahoma EUA. Gostaria de compartilhar minha experiência com vocês sobre como consegui um empréstimo de US $ 185.000,00 para limpar meu saque bancário e iniciar um novo negócio. Tudo começou quando eu perdi minha casa e meus pertences devido ao saque bancário que levei para compensar algumas contas e algumas necessidades pessoais. Então, fiquei tão desesperado e comecei a procurar fundos de todas as maneiras. Felizmente para mim, uma amiga minha, Linda me contou sobre uma empresa de empréstimos, fiquei interessada, embora estivesse com medo de ser enganada, fui compelida pela minha situação e não tive escolha senão procurar aconselhamento do meu amigo sobre essa mesma empresa entrar em contato com eles realmente me fez duvidar devido à minha experiência anterior com credores on-line, mal conhecia essa empresa '' Elegantloanfirm@hotmail.com Esta empresa tem sido de grande ajuda para mim e para alguns dos meus colegas e hoje sou uma O orgulhoso proprietário de negócios e responsabilidades bem organizados é bem tratado, graças a esta empresa de empréstimos por colocar o sorriso no meu rosto novamente. Então, se você realmente precisa de um empréstimo para expandir ou iniciar seu próprio negócio ou em qualquer forma de dificuldade financeira, eu recomendo que você dê hoje à elegantloanfirm a oportunidade de elevação financeira do seu negócio hoje ... entre em contato através do. .. {Email:} Elegantloanfirm@hotmail.com ... não é vítima de fraude on-line em nome da obtenção de um empréstimo. obrigado

    ResponderExcluir