sábado, 24 de março de 2012

Protecionismo é válido contra desindustrialização, adverte Cepal



Valor Online
Para secretária-executiva do órgão da ONU, gestão da política brasileira é atenta e "cuidadosa"A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) avalia que o desempenho da economia da região no primeiro trimestre colocou a projeção de 3,7% como "piso" para o crescimento neste ano. Para o órgão da ONU, a valorização das moedas latino-americanas tem prejudicado a competitividade das exportações e aumenta o risco de desindustrialização.
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Por isso, a secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, diz que algumas medidas protecionistas são "muito válidas", desde que temporárias e dentro dos limites impostos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesta entrevista, ela elogia a gestão da política econômica brasileira e alerta sobre o "grau de discricionaridade" das medidas comerciais adotadas pela Argentina.
Valor: Qual é o cenário macroeconômico vislumbrado pela Cepal para a América Latina e o Caribe neste ano"
Alicia Bárcena:
 Precisamos ver a região sob a perspectiva do que aconteceu nos últimos três anos. Em 2010, tivemos um crescimento de 5,9%, em boa parte como resposta à crise do ano anterior e devido aos estímulos fiscais e monetários de todo o mundo. Em 2011, houve desaceleração e a expansão foi 4,3%. Para 2012, a nossa expectativa é de crescimento de 3,7%.
Mas o primeiro trimestre foi positivo e essa cifra pode ter se tornado um piso, o que é uma boa notícia. E é uma boa notícia principalmente levando em conta que seis países da Europa já entraram em recessão e os Estados Unidos estão com um desempenho bastante moderado e devem manter o ritmo do ano passado, com crescimento de 1,8%.
Valor: A desaceleração da economia chinesa terá efeitos preocupantes para a América Latina" Bárcena: Até agora, não teve. A China vai voltar-se mais para o mercado interno e há um processo de migração do campo para a cidade, a taxas elevadas. Então, a demanda por bens e serviços continua aumentando. Além disso, foi um anúncio relativamente esperado. Não pegou ninguém de surpresa.
Valor: E quais são os maiores pontos de preocupação"
Bárcena: 
O diferencial da taxa de juros [entre o mundo rico e os países da região] tem um impacto na apreciação cambial e esse é um tema que nos preocupa muito, pois favorece as importações. Por outro lado, as commodities continuam em um processo de alta, o que responde à alta liquidez nos Estados Unidos.
As commodities metálicas tiveram aumento de 15% desde o início do ano, e o cobre foi especialmente favorecido. Isso pode gerar pressões inflacionárias em nossos países, mas a preocupação maior é com a competitividade das nossas exportações.
Valor: Por outro lado, o real valorizado tem aumentado o poder de compra dos brasileiros e um ajuste pode ser doloroso...
Bárcena
: Ninguém é contra a melhoria do poder aquisitivo dos consumidores, mas isso não tem sustentabilidade se não for acompanhado de um aumento da competitividade da indústria. A maior concorrência dos importados ajuda certos setores, mas também desperta temores sobre a desindustrialização.Há três países fortemente preocupados com isso: Brasil, Argentina e México. Os dois primeiros já tomaram medidas.
Valor: Até que ponto os governos latino-americanos têm sido defensores da indústria em um contexto internacional complicado e quando começam a ser meramente protecionistas"
Bárcena:
 O limite está dado pelas regras da OMC, e a nossa região ainda tem algum espaço nesse sentido. O outro ponto importante é se essas medidas são temporárias ou permanentes. Na crise, algumas medidas temporárias foram tomadas e tiveram seu efeito, para depois serem retiradas aos poucos. A verdade é que a maioria dos países do G-20, com algumas exceções, está tomando providências para proteger seus mercados. Inclusive os países desenvolvidos.
Valor: Mas as medidas protecionistas não estão prejudicando as relações comerciais entre os próprios países latino-americanos"
Bárcena:
 É preciso qualificar o que significa a palavra protecionista. Há medidas temporárias, como na indústria automotiva, que ajudam a evitar um processo de desindustrialização. Isso é muito válido, principalmente se feito dentro dos contornos da OMC. Ao mesmo tempo, o comércio intrarregional pode dar mais resiliência aos países.
Pode-se buscar, por exemplo, uma diferenciação entre autopartes e autopeças. O mais importante é cuidar dos acordos regionais, como o Mercosul, principalmente para as economias menores, como o Uruguai e o Paraguai.
Valor: Alguns países não exageraram na dose do protecionismo, como a Argentina"
Bárcena:
 Aí o problema é diferente. Sabe o que acontece com a Argentina" Veja a diferença: aqui [no Brasil], anunciam-se medidas temporárias e com regras claras. Isso é muito importante. Na Argentina, quando há mudança de licenças automáticas para licenças não automáticas, ou quando as empresas precisam apresentar um plano de importação para ver o que pode ser aprovado ou não, há um grau de discricionaridade. Para mim, essa é a fragilidade.
O que eu vejo no Brasil é um governo e uma presidenta muito atentos e muito cuidadosos com a economia, pensando em uma estratégia de longo prazo, e não apenas conjuntural. Gosto de ver um país que se preocupa, por exemplo, com a manutenção de sua indústria automotiva.

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