segunda-feira, 19 de março de 2012

RUMO À REFORMA AGRÁRIA


Frei Betto  

Caiu mais um  ministro, o do Desenvolvimento Agrário. Nomeado o novo: Pepe Vargas (PT-RS),  que foi prefeito de Caxias do Sul por dois mandatos e mantém boas relações com  o MST.

A esperança é  que a presidente Dilma Rousseff tenha dado o primeiro de três passos urgentes  para o Brasil não ficar mal na foto do “concerto das nações”, como diria o  Conselheiro Acácio. Os outros dois são o veto ao Código Florestal proposto  pelo Senado e uma nova política ambiental e fundiária que prepare bem o país  para acolher, em junho, a Rio+20.

A questão  fundiária no Brasil é a nódoa maior da nação. Nunca tivemos reforma agrária.  Ou melhor, uma única, cujo modelo o latifúndio insiste em preservar: quando a  Coroa portuguesa dividiu nossas terras em capitanias hereditárias.

Desde 2008, o  Brasil ultrapassou os EUA ao se tornar o campeão mundial de consumo de  agrotóxicos. E, segundo a ONU, vem para o Brasil a maioria dos agrotóxicos  proibidos em outros países. Aqui são utilizados para incrementar a produção de  commodities.

Basta dizer que  50% desses “defensivos agrícolas” são aplicados na lavoura de soja, cuja  produção é exportada como ração animal. E o mais grave: desde 1997 o governo  concede desconto de 60% no ICMS dos agrotóxicos. E o SUS que aguente os  efeitos... nos trabalhadores do campo e em todos nós que consumimos produtos  envenenados.

Os agrotóxicos  não apenas contaminam os alimentos. Também degradam o solo e prejudicam a  biodiversidade. Afetam a qualidade do ar, da água e da terra. E tudo isso  graças ao sinal verde dado por três ministérios, nos quais são analisados  antes de chegarem ao mercado: Saúde, Meio Ambiente e  Agricultura.

É uma falácia  afirmar que os agrotóxicos contribuem para a segurança alimentar. O aumento do  uso deles em nada fez decrescer a fome no mundo, como indicam as estatísticas.

A Anvisa  (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tenta manter o controle sobre a  qualidade dos agrotóxicos e seus efeitos. Mas, quando são vetados, nem sempre  consegue vencer as pressões da bancada ruralista sobre outros órgãos do  governo e, especialmente, sobre o Judiciário.

A Cúpula  Mundial do Meio Ambiente na África do Sul, em 2002, emitiu um documento em que  afirma que a produção mundial de alimentos aumentou em volume e preço (devido  ao uso de agrotóxicos e sementes transgênicas). À custa de devastação dos  solos, contaminação e desperdício da água, destruição da biodiversidade,  invasão de áreas ocupadas por comunidades tradicionais (indígenas, clãs,  pequenos agricultores etc.). Fica patente, pois, que a chamada “revolução  verde” fracassou.

Hoje, somos 7  bilhões de bocas no planeta. Em 2050, seremos 9 bilhões. Se medidas urgentes  não forem tomadas, há de se agravar a sustentabilidade da produção agrícola.

Diante desse  sinal amarelo, o documento recomenda: reduzir a degradação da terra; melhorar  a conservação, alocação e manejo da água; proteger a biodiversidade; promover  o uso sustentável das florestas; e ampliar as informações sobre os impactos  das mudanças climáticas.

Quanto aos  primeiro e terceiro itens, sobretudo, o Brasil marcha na contramão: cada vez  mais se ampliam as áreas de produção extensiva para monocultivo, destruindo a  biodiversidade, o que favorece a multiplicação de pragas. Como as pragas não  encontram predadores naturais, o recurso é envenenar o solo e a água com  agrotóxicos. E com frequência isso não dá resultado. No Ceará, uma grande  plantação de abacaxi fracassou, malgrado o uso de 18 diferentes “defensivos  agrícolas”.

Tomara que o  ministro Pepe Vargas consiga estabelecer uma articulação interministerial para  livrar o Brasil da condição de “casa da mãe Joana” das multinacionais da  insustentabilidade e da degradação do nosso patrimônio ambiental. E acelere o  assentamento das famílias sem-terra acampadas à beira de rodovias, bem como a  expropriação, para efeito social, de terras ociosas e também daquelas que  utilizam mão de obra escrava.

Governo é, por  natureza, expressão da vontade popular. E a ela deve servir. O que significa  manter interlocução permanente com os movimentos sociais interessados nas  questões ambiental e fundiárias, irmãs siamesas que não podem ser jamais  separadas.



Frei Betto é  escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser, de “Conversa sobre a fé e a  ciência” (Agir), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto. 

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