quinta-feira, 12 de abril de 2012

O doente, esse clandestino

João Franzin (jornalista e assessor sindical)


Prometi a mim mesmo que, assim que tiver tempo, vou escrever um livro sobre doentes. Já tenho até o nome: “O doente, esse clandestino”. Decidi, também, que não vou ler nada de mais profundo sobre o assunto, porque quero dar um enfoque pessoal para o tema, sem dados ou considerações técnicas.
Por que um livro assim? Por muitas razões.
Vivemos num mundo que esconde a doença e, portanto, constrange e exclui o doente. Este mesmo mundo, que desenha beldades no Photoshop, faz cirurgias que levantam o abdome e exalta a barriga de tanquinho (agora, em suaves prestações), é mais falso que uma nota de R$ 30,00.
Na vida real, a saúde não é a regra. A regra é outra. Ocorre que a doença, em si, na maioria das vezes, não é notada ou é colocada atrás da porta. Vê-se quem é obeso, quem usa óculos, quem manca etc. Mas não se enxerga quem tem câncer, quem sofre com diabetes, quem pena com a pressão alta, e assim por diante.
Como descobri essa clandestinidade? Descobri por experiência própria. Em janeiro de 2006, após sete dias no Hospital Samaritano, depois de cirurgia drástica, com dores por todo o corpo, pedi à minha mulher que dirigisse bem devagar. Foi o suficiente para buzinas e xingamentos de motoristas apressados. Assim faziam (além da má educação de praxe) porque não sabiam que o carro levava um doente.
A partir daí (e depois de ter usado por 123 dias bolsa de colostomia), passei a refletir e a observar. É impressionante o número de pessoas com algum tipo de incômodo. Imagine, então, se formos computar as com doenças não visíveis a olho nu, o número das que utilizam remédio controlado, as que sofrem com cefaleias... Vou mais além: não seria o caso de incluir o fumante nesse grupo de não-saudáveis?
Tenho 55 anos. Vivi com saúde razoável até os 49. Aí, fui pego com um tumor no cólon. Passei por duas cirurgias drásticas e muito doloridas. Meu quadro de saúde nunca mais foi o mesmo. Passei a gastar muito mais com médicos e medicamentos.
Não acho que devemos fazer como naquele filme “O Clube da Luta”, que trata com crueldade (e ironia) portadores de patologias graves e deformações. Penso que: a) primeiro, devemos aceitar que a saúde é frágil e temporária; b) segundo, que a doença mais dias menos dias vai nos afetar; c) que o mundo finge não ver a doença (afinal, “feia ou bonita, ninguém acredita na vida real”, já diz a canção); d) que o doente precisa ter uma espécie de estatuto, em que afirme sua condição, seus direitos e possa existir à luz do meio-dia, fora da clandestinidade.
Vou escrever, sim. Mas falta ter tempo. Aliás, a falta de tempo não seria uma doença da modernidade?

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