sexta-feira, 20 de abril de 2012

A queda do Demóstenes e a estratégia do financismo

Paulo Kliass
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10
Adital
O naufrágio político que acometeu o Senador Demóstenes Torres tem sido comemorado por todos aqueles que identificavam naquele parlamentar a encarnação do falso moralismo e do discurso conservador. Ele se revelava como o representante típico de parcela das elites que haviam sido parcialmente deslocadas do centro do poder, desde 2003 em nosso País.
Eleito pelo Estado de Goiás, marcou sua atuação como um dos mais fiéis integrantes da tropa de choque da oposição aos governos de Lula e Dilma. Iniciou sua carreira no Senado Federal, exatamente no momento em que a coalizão liderada pelo PT ganhava as eleições presidenciais. Quis a ironia do destino que o "ardoroso defensor da ética e da moralidade” viesse a ser denunciado por práticas ilícitas com o mesmo personagem que esteve na base das primeiras denúncias que levaram ao escândalo do mensalão e à renúncia de José Dirceu. O conhecido e pluripartidário Carlinhos Cachoeira.
Ascensão e queda de Demóstenes
O destrambelhamento do parlamentar –eleito pelo antigo PFL, reconvertido ao DEM e agora sem legenda– reflete de forma adequada a incapacidade da oposição conservadora em encontrar um prumo para balizar sua ação política e sua estratégia eleitoral. Girando de forma aleatória, feito biruta de aeroporto, esses indivíduos parecem se deixar levar pelas correntes de vento e não conseguem traçar uma rota para si mesmos. E encontram na benevolência dos grandes órgãos de comunicação uma tábua de salvação para orientar sua ação no cotidiano. Tudo se passa como se a grande imprensa terminasse por dar a linha de ação dessa oposição, ainda sempre tão saudosa dos tempos da hegemonia neoliberal.
Mas quando a situação de Demóstenes esquentou, esse passado de ajuda foi esquecido num piscar de olhos. Dos píncaros da glória ao rés do chão do ostracismo, tudo foi uma questão de horas. Isolamento das demais forças da direita oposicionista, ameaça de expulsão de seu próprio partido e sério risco de perda do mandato. E dá-lhe as TVs e os jornais a reforçarem as denúncias contra aquele que sempre havia contado com seu apoio para chegar aonde tinha chego, pelo menos até anteontem. Até o momento, não consegui encontrar uma única notinha do tipo "erramos”, uma desculpa mínima a respeito de tanta propaganda enganosa, levada aos leitores desde o início de 2003.
É longa a lista das sucessivas derrotas sofridas por esses representantes políticos durante os últimos tempos. Por exemplo: i) eleição presidencial em 2010; ii) não reeleição de lideranças como Senador Arthur Virgílio (AM); iii) ruptura da turma liderada por Kassab e criação do neo-governista PSD. Com isso, a estratégia do financismo teve que sofrer alguns ajustes de conduta.
Até então, a tarefa de bater duro e publicamente no governo vinha pelo lado de tais personagens. Isso porque é sempre necessário e interessante desgastar um governo no qual eles não se sentem assim tão confortavelmente representados. Por mais que os sucessivos governos, desde a estréia de Lula na Presidência e Demóstenes no Senado, tenham desenvolvido políticas econômicas conservadoras e atendido às demandas do capital financeiro, parece evidente que não se trata de um governo composto de pessoas de total confiança da banca. Que saudades de um Palocci ou de um Henrique Meirelles…
A estratégia do financismo
Ora, na impossibilidade de fazer ecoar suas pretensões pela boca de parlamentares autênticos na defesa do manual de sobrevivência do financismo, os representantes do capital financeiro ampliam sua penetração pelos órgãos de comunicação. Artigos, colunas, editoriais, pauta de reportagens especiais. Por aí são destilados os venenos em pequenas doses ou lançados os petardos retumbantes contra o governo e suas tentativas mais recentes de operar mudanças em alguns detalhes da orientação da política econômica. Tudo se passa como se os oráculos do capital financeiro estivessem a bradar, temendo que sua mamata esteja chegando ao fim. Na verdade, eles mesmos sabem que não é bem assim. Afinal, como diz a letra do funk, ainda "tá tudo dominado”. Eles não têm muito com o que se preocupar no essencial. Mas que eles devem ter umas saudades enormes do tempo da ortodoxia plena e radical, de antes de 2008, disso não existe a menor dúvida.
Uma linha de atuação é a tentativa de desacreditar a política econômica em termos gerais. De acordo com essa argumentação, o governo estaria promovendo uma grande enganação contra nossa sociedade, pois as premissas básicas do Plano Real e da estabilidade econômica teriam sido abandonadas, sem que ninguém percebesse. E tentam fazer seu alerta, fazendo uso de seu catastrofismo de plantão, que lhes é tão peculiar quando têm seus interesses contrariados. Terrível: o tripé do Plano Real de 1994 teria desaparecido. Senão, vejamos: i) o regime de metas de inflação não existe mais, pois o governo não se preocupa com o centro da meta; ii) o regime de liberdade cambial também é inexistente, pois o governo vive intervindo no mercado de câmbio e não deixa a taxa se afundar de vez, como os especuladores gostariam; iii) o regime de superávit primário seria para inglês ver, pois a gastança pública continuaria a todo vapor. Por dever de ofício, sou obrigado a dar o contraponto.
Como se pode perceber, são argumentos risíveis, típicos do sujeito que se encontra encostado no canto do ringue e não vê saída a curto prazo. Como a realidade demonstra outra coisa, ele abusa do recurso à retórica e cai no descrédito. Ora, o regime de inflação está muito bem mantido, sim senhor. Como sempre esteve desde o início, com um intervalo de 2 pontos percentuais para baixo e para cima do centro da meta, atualmente fixada em 4,5% ao ano. Em nenhum momento desses 18 anos a meta foi deixada de lado. A crítica generalizada da sociedade ao processo de valorização de nossa moeda, o real, existe exatamente pelo fato do governo manter um pé preso na crença da liberdade cambial. Na verdade, o governo deveria mesmo é abandonar essa ilusão e estabelecer mecanismos de controle sobre o fluxo de capital financeiro especulativo. A maioria do País agradeceria e os escribas do financismo, aí sim, teriam razão em sua choradeira, hoje ainda injustificada.
Quanto ao superávit primário, tampouco há dúvida a respeito de sua vigência plena e absoluta. Quase a metade do Orçamento da União de 2012 está comprometida com rubricas financeiras e os representantes do governo se orgulham, a cada instante, em bater no peito, todos orgulhosos de seus compromissos com a responsabilidade fiscal.
Inconformados com a concorrência
Mas o que parece estar realmente incomodando a banca privada é a decisão recente da Presidenta Dilma de obrigar os bancos federais – Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF) – a reduzirem seus "spreads” e oferecerem taxas de juros menos abusivas aos seus clientes. Aliás, a primeira questão que chama a atenção, nesse debate, é o fato dos sucessivos governos eleitos pelo PT terem esperado quase uma década para tomar uma decisão tão simples e ordinária como essa! E, em mais uma dessas coincidências da história, foi necessário que o Demóstenes caísse em desgraça política, mais de 9 anos depois de sua estreia no Senado, para que o governo resolvesse começar pelo óbvio. Baixar os juros.
Afinal, não se trata de nenhuma medida "revolucionária” ou desestruturadora do sistema financeiro. Nada disso! Aliás, o BNDES pratica linhas de crédito a juros reduzidos para os grandes conglomerados há muito tempo. E ninguém reclama. Agora, apenas foi recomendado aos bancos subordinados ao governo federal que deixassem de atuar como agentes comerciais privados e passassem a se comportar como rezam seus estatutos: instituições públicas. Simples assim. Ah, mas isso a banca privada não agüenta. Onde é que já se viu? Agora eles sendo obrigados a se adaptar à concorrência promovida pelo setor público e sendo obrigados a reduzir suas margens de ganho fácil? Que absurdo, não é mesmo?
E como não têm mais tantas vozes cativas, como a de Demóstenes, para proferir os discursos que desejariam ecoar no Parlamento, continuam a investir nas tintas e nas telas. A última safra de artigos procura mostrar que não são os elevados "spreads” que mantêm as taxas de juros das operações de crédito nas alturas. A culpa é dos impostos, da alta inadimplência, do custo Brasil e por aí vai. E que, portanto, (reparem na sofisticação do argumento!), o governo estaria promovendo uma "concorrência desleal e irresponsável” ao baixar "artificialmente” a taxa de juros na ponta do balcão do BB e da CEF. Ou seja, criando insegurança e gerando incerteza no mercado financeiro.
É risível, concordo. Mas não subestimemos a capacidade de reação, de influência e de "lobby” dos representantes desse setor junto aos tomadores de decisão. O governo precisa ainda avançar muito no detalhamento e regulamentação desse tipo de postura, para garantir que a taxa de juros baixe para o tomador no balcão e seja um fator de concorrência, obrigando finalmente os bancos privados a trilharem o mesmo caminho. Uma necessidade, por exemplo, é assegurar condições plenas de portabilidade aos correntistas e oferecer ampla transparência a respeito das taxas e condições oferecidas pelas instituições do mercado financeiro. Veremos.
[Fonte: Correio do Brasil.com.br].

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