sábado, 14 de abril de 2012

Soberania da política externa é ‘ilusionismo’ face à crescente dependência de capitais forâneos

Escrito por Paulo Passarinho



Sexta, 13 de Abril de 2012






A visita de Dilma aos Estados Unidos nos permite avaliar mais uma vez o
que de fato significa a política externa brasileira, a partir dos governos
pós-2002.



Os defensores do governo Lula apontam essa área como exemplo de política
progressista, responsável por uma nova projeção do Brasil no cenário
internacional, afirmando uma posição de independência e soberania junto às
grandes potências, em especial em relação aos Estados Unidos.



Não há dúvidas quanto à retórica diplomática dos governos pós-2002 e sua
mudança em relação ao período FHC. Vindo da esquerda e com o apoio de
diplomatas tarimbados e progressistas – como Celso Amorim e Samuel
Pinheiro Guimarães –, o governo Lula soube trabalhar com muito mais
habilidade nossa posição de país “emergente”. A força simbólica de Lula
lhe dava, também, em relação a FHC, muito mais legitimidade do que o
tucano nos fóruns internacionais. Embora, diga-se de passagem, e
fazendo-se justiça, o antecessor do ex-operário também gostasse de dar os
seus pitacos com gosto de terceiro mundo nos palcos estrangeiros.



A grande questão que se coloca é: em que medida a nova retórica
apresentou, de fato, mudanças substantivas na política externa?



A opção econômica adotada por Lula, como sabemos, manteve os pilares da
política macroeconômica de FHC, assumida a partir de 1999 e das exigências
do FMI: câmbio flutuante/superávit primário/metas de inflação.



A conjuntura externa, por outro lado, já apontava para uma recuperação do
saldo comercial do país, com a conseqüente redução dos déficits em
conta-corrente. Em 2002, por exemplo, último ano de governo de FHC, o
saldo comercial deu um salto de quase cinco vezes (US$ 13,1 bilhões), em
relação ao resultado obtido em 2001 (US$ 2,7 bilhões). Os preços das
commodities agrícolas e minerais explodiam nos mercados externos e o
Brasil, apostando em uma integração subalterna à economia global,
especializando-se na exportação desses produtos, passava a se beneficiar
de receitas extraordinárias de exportação.



Nesta trajetória, o que observamos foi que, entre os anos de 2003 e 2007 –
com a manutenção da política econômica do governo anterior – obtivemos
saldos comerciais expressivos, suficientes para cobrir nossas crescentes
despesas com o pagamento de serviços – remessas de lucros, juros, fretes,
viagens e royalties, entre outros. A partir de 2008, entretanto, o quadro
muda por completo. A crise financeira global se manifesta de forma mais
aguda a partir de então, e voltamos a ter déficits crescentes em nossas
transações correntes, com forte redução do saldo comercial e contínua
expansão do déficit da conta de serviços.



Esse é o atual dilema do governo Dilma. A manutenção da política
macroeconômica, com a abertura financeira e comercial que nos caracteriza
desde os anos 90, empurra o país para a necessidade de crescente
financiamento externo, através da conta de capitais, acumulando um passivo
externo de alto risco potencial. Atualmente, esse é um risco administrado,
dadas as condições de liquidez internacional e das excepcionais opções de
negócios que temos oferecido aos capitais estrangeiros – terras, etanol,
petróleo, títulos públicos, ações e ativos dos mais diferentes setores da
economia produtiva.



Porém, esse é um processo que pode nos reservar fortes impactos negativos,
frente a uma reversão de expectativas em relação ao que se chama de
risco-Brasil. Trata-se de processo semelhante ao que já observamos ocorrer
em países vizinhos, em passado recente, como foram os casos do México, em
1995, e da Argentina, em 2001.



É neste ponto que voltamos à pergunta inicial. Como podemos pensar em
independência e soberania da política externa do país, em um quadro onde
dependemos do aporte crescente do capital externo? A rigor, o que
observamos a partir de 2003 é que uma política diplomática de viés
progressista foi colocada, com muita habilidade, a serviço de uma política
externa que se coaduna com os princípios da política econômica defendida
prioritariamente pelos bancos e multinacionais. E no campo da política,
conciliar uma política econômica de direita com uma suposta política
externa de esquerda é tarefa para ilusionistas.



Como explicar, por exemplo, ainda em 2002, o simbólico anúncio de Henrique
Meireles, executivo do Bank of Boston, como o primeiro (e único)
presidente do Banco Central nos governos de Lula?



Mesmo no campo da política estritamente diplomática, o envio de tropas
militares ao Haiti ou o restabelecimento de um nebuloso acordo militar com
os Estados Unidos demonstram que somente o seguidismo acrítico pode
explicar avaliações fantasiosas sobre a política externa brasileira.



Até mesmo as importantes intervenções do governo brasileiro em apoio aos
governos da Venezuela, da Bolívia, do Equador ou de Cuba devem ser vistas
como iniciativas que abrem espaço, nesses países, para a penetração dos
interesses de empresas multinacionais sediadas no Brasil e com notórios
interesses regionais.



O papel desempenhado pela mídia dominante e pela oposição tucana também
ajuda a entender a confusão sobre o tema. Ávidos por encontrar bandeiras
que lhes permitam manter o governo Lula sob pressão, esses setores partem
para uma espécie de vale-tudo.



Um bom exemplo foi a abordagem que vimos por ocasião do processo de
mediação que os governos brasileiro e turco realizaram junto ao Irã, para
um acordo desse país com as potências ocidentais, lideradas pelos Estados
Unidos, em torno do programa nuclear daquele país. Setores da mídia
dominante e diplomatas-viúvas de FHC cansaram de criticar o governo Lula,
por uma suposta aventura diplomática, frustrada, e que nos teria colocado
em rota de colisão com “nosso grande aliado estratégico”, os EUA. Apenas
omitiram que toda a estratégia de negociação e as propostas levadas ao
governo de Teerã foram “sugeridas” por Obama, em carta dirigida ao
presidente Lula e ao primeiro-ministro Erdogan, da Turquia.



A Casa Branca apostava na recusa do governo do Irã aos termos do acordo e,
assim, o caminho estaria aberto para o recrudescimento de medidas contra o
país. Contudo, na medida em que o Irã aceitou as condições apresentadas,
os estadunidenses tiveram de alterar o seu discurso, recusar o acordo
proposto originalmente por eles mesmos, e deixar o governo Lula entregue
às críticas oportunistas dos reacionários de plantão, reforçando a sua
imagem de um governo progressista e atacado pela direita...



Por tudo isso, a recepção de Obama a Dilma – quando ele se referiu à
presidente brasileira como “minha grande amiga” e “líder capaz” (assim
como Lula era “o cara”) – não deve nos iludir. Os Estados Unidos têm o
máximo interesse no petróleo brasileiro e na expansão de suas exportações
para o Brasil, procurando manter e ampliar o confortável saldo comercial
nas relações com o nosso país. O Brasil, por sua vez, sob a batuta de
Dilma, precisa encontrar formas de compensar o “apetite” exportador
estadunidense, com linhas de exportação que nos ajudem a atenuar o
crescente déficit comercial com o “irmão” do norte. A exportação do
petróleo bruto do pré-sal pode ser o ponto de convergência dos interesses
do nosso país, dependente e subalterno, às pressões da potência
hegemônica.



Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa
Livre.


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