domingo, 27 de maio de 2012

ALIMENTOS ENVENENAM CRIANÇAS




Frei  Betto


      “As crianças  de todas as regiões das Américas estão sujeitas à publicidade invasiva e  implacável de alimentos de baixo ou nenhum valor nutricional, ricos em  gordura, açúcar ou sal”, constata pesquisa da Organização Pan-Americana da  Saúde (2012).
      Basta olhar em volta para  verificar que nossas crianças (com menos de 16 anos de idade) apresentam  elevada taxa de obesidade e doenças crônicas relacionadas à nutrição, como  diabetes e distúrbios cardiovasculares.
      Um dos fatores que mais influenciam  maus hábitos alimentares nesta faixa etária é a publicidade de produtos de  baixo valor nutritivo, como cereais matinais já adoçados, refrigerantes,  doces, sorvetes, salgadinhos e fast food. Eles “enchem” a barriga,  trazem sensação de saciedade sem, no entanto, suprir as necessidades  nutricionais básicas.
      Resolução da  Organização Mundial da Saúde, de maio de 2010, instou os governos a se  esforçarem por restringir a promoção e a publicidade de alimentos para  crianças.
      O mais poderoso veículo de  promoção de alimentos nocivos é a TV. Expostas excessivamente a ela, as  crianças tendem a querer consumir as marcas ali anunciadas. Em geral, a  propaganda cria vínculos emocionais entre o produto e o consumidor, e envolve  brindes, concursos e competições.
      Sob  o pretexto de atividades filantrópicas nas escolas, empresas de alimentos não  saudáveis aumentam seu poder de domesticação. Pesquisas brasileiras indicam  que assistir TV por mais de duas horas por dia influi no aumento do índice de  massa corporal em meninos.
      Relatório  de agência de pesquisa de mercado aponta que, no Brasil, na Argentina e no  México, 75% das mães com filhos de 3 a 9 anos acreditam que a publicidade  influencia os pedidos das crianças na compra de alimentos (no Brasil, 83%).
      No Reino Unido, é proibida na TV a  publicidade de alimentos não saudáveis. A Irlanda limita a presença de  celebridades nesses anúncios e exige o uso de advertências. A Espanha  desenvolveu um código autorregulatório e restringe o uso de celebridades e a  distribuição de produtos no mercado.
      Segundo relatório do Ministério da  Saúde (2008), durante um ano, no Brasil, mais de 4 mil comerciais de alimentos  foram veiculados na TV e em revistas, dos quais 72% referiam-se a alimentos  não saudáveis.
      No Brasil,  regulamentação vigente obriga colocar advertências nos comerciais de  alimentos, embora a Abia, principal associação da indústria de alimentação do  país, se recuse a fazê-lo. Ela obteve liminar garantindo a não aplicação das  novas regras e a decisão final depende agora da Justiça.
      É preciso, pois, que famílias e  escolas se dediquem à educação nutricional das crianças. Peças publicitárias  devem ser projetadas em salas de aula e debatidas. Cria-se, assim,  distanciamento crítico frente ao produto e melhor discernimento por parte dos  consumidores.
      Em São Paulo, alunos  projetaram em sala de aula propagandas gravadas em casa. Após debaterem as  peças publicitárias, decidiram adquirir determinada marca de iogurte. Remetido  o conteúdo à análise clínica, constatou-se não conferir com as indicações  contidas na embalagem. Assim, os alunos aprenderam o que significa propaganda  enganosa.
      A Organização Pan-Americana  da Saúde recomenda que sejam anunciados, sem restrição, os alimentos naturais,  aqueles nos quais não há adição de adoçantes, açúcar, sal ou gordura. São  eles: frutas, legumes, grãos integrais, laticínios sem gordura ou com baixo  teor, peixes, carnes, ovos, frutas secas, sementes e favas. No caso de  bebidas, água potável.
      Eis o dilema:  enquanto famílias e escolas querem formar cidadãos, a publicidade investe na  ampliação do consumismo. A ponto de, no Brasil, se admitir o uso de  celebridades, como atletas, na propaganda de alimentos não saudáveis e  obviamente nocivos, como bebidas alcoólicas.
      É preocupante constatar que, em nosso  país, o alcoolismo se inicia por volta dos 12 anos, e aumenta a ingestão de  vodca na faixa etária inferior a 16 anos.
      A fiscalização em bares e restaurantes  é precária, e padarias e supermercados vendem, quase sem restrição, bebidas  alcoólicas a menores de idade.
      Mas, o  que esperar de uma família ou escola que oferece na mesa e na cantina os  mesmos produtos nocivos vendidos pelo camelô da esquina?
      Essa é a crônica de graves  enfermidades anunciadas.

Frei Betto é escritor, autor de  “Alfabetto – autobiografia escolar” (Ática), entre outros  livros.

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