sexta-feira, 25 de maio de 2012

Horizonte Sombrio


Paulo Passarinho - 24/05/2012

Há pouco tempo, escrevi um artigo (No reino do curto-prazo) destacando a
dependência do governo, em seu processo de tomada de decisões, a situações
conjunturais de curto-prazo.
Esse é um dos elementos que evidenciam a total subordinação do país a
diferentes circunstâncias econômicas, sem que tenhamos um norte
estratégico definido. Vivemos, assim, a ausência de um projeto de nação
que estabeleça metas e objetivos nacionais a serem atingidos no curto,
médio e longo prazos, através de meios e instrumentos factíveis e
racionais. Algo que no passado era denominado de planejamento.

Vivemos, na verdade, a realidade de um país que navega nas ondas
circunstanciais das pressões de um mercado globalizado e cada vez mais
concentrado e altamente competitivo. O Brasil atual (com as suas
estruturas de poder) passa a ser, desse modo, um administrador de pressões
e interesses que surgem dos pólos mais dinâmicos do atual jogo global,
notadamente corporações transnacionais e financeiras.

Frente, por exemplo, à fase da crise do capital que se abre a partir de
2007/2008, e que no momento aponta para o agravamento da situação de crise
na Europa, com a possibilidade da Grécia deixar a área do euro, o governo
procura se agarrar a qualquer expediente que lhe garanta que a economia
brasileira possa ter, agora em 2012, uma taxa de crescimento um pouco
maior que o obtido em 2011.

Para tanto, Guido Mantega, o ministro da Fazenda, apresentou nesta semana
um novo pacote de incentivo ao consumo, especialmente voltado para a
indústria automotiva. Reduções na cobrança do IPI, diminuição do IOF em
operações de crédito às pessoas físicas, liberação de recursos de R$ 18
bilhões dos depósitos compulsórios do Banco Central, para “irrigar” o
crédito, e taxas de juros mais reduzidas no BNDES foram as principais
medidas anunciadas.

Um dia após esse anúncio, o próprio ministro, em depoimento no Senado,
admitiu que houve pressões das montadoras, na elaboração do pacote. Com os
seus pátios cheios de automóveis, as fábricas ameaçavam com demissões ou
férias coletivas aos seus empregados.

O governo tenta um pouco mais do mesmo. No início da crise, em 2008, o
governo apostou na demanda interna, no consumo das famílias, para garantir
taxas positivas de crescimento. Perdeu em 2009, com o resultado negativo
do PIB, mas ganhou folgadamente em 2010, um ano eleitoral e que garantiu a
eleição de Dilma à presidência.

Contudo, o quadro atual é diferenciado. Com a expansão das vendas a
crédito no país, com um custo financeiro muito elevado, por conta das
altas taxas de juros, há um endividamento acumulado bastante elevado e o
nível de inadimplência das famílias começa a preocupar. A renda real dos
trabalhadores somente se eleva nos extratos mais pobres da população,
assim como o próprio emprego. Mesmo em um contexto de redução das taxas de
juros, nota-se que os pátios das montadoras revelam que existe uma
saturação da demanda por automóveis – assim como de outros bens de consumo
duráveis – que dificilmente será de fato revertida com as medidas
anunciadas.

A alternativa de se buscar através do incremento dos investimentos uma
saída para a reversão do baixo crescimento econômico, também parece
problemática. No plano privado, as incertezas provocadas pela própria
crise não nos possibilita imaginar uma mudança no patamar de investimentos
que nos últimos anos temos observado, mesmo com o endividamento contraído
pelo Tesouro para incrementar a atuação do BNDES junto aos seus clientes
privados. Pelo lado da iniciativa direta do Estado, a ditadura fiscal do
superávit primário nos impede de qualquer esperança de uma mudança na
atual taxa de investimento do setor público.

Complicando um pouco mais o quadro em que se debate o governo, nas últimas
semanas a saída de dólares do país se intensificou. A acentuada queda nas
cotações do Ibovespa revela essa pressão de venda de ações, especialmente
por parte de investidores estrangeiros, mas também por parte de
especuladores brasileiros. A curiosidade dessa situação - que fez com que
nessa semana o dólar chegasse a ser negociado a R$2,10, obrigando o Banco
Central a vender parte de suas reservas internacionais para fazer a
cotação da moeda americana recuar – é que há muito pouco tempo a
preocupação do governo era com a excessiva valorização do Real.

Tal qual uma biruta de aeroporto, parece que a sensibilidade das
autoridades econômicas depende dos ventos de cada momento.

E essa “fuga do risco” por parte dos especuladores é certamente a maior
preocupação do governo. Nos últimos anos, nossa vulnerabilidade externa
aumentou enormemente. Além de termos deixado para trás os anos em que o
saldo comercial do país cobriu as despesas com o pagamento da nossa conta
de serviços, entre os anos de 2003 e 2007, desde 2008 temos contraído
crescentes déficits em conta corrente, cobertos pela entrada de capitais
para aplicações financeiras ou para a aquisição de ativos reais.

O professor Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, em recente trabalho (Governo Lula
e o nacional-desenvolvimentismo às avessas, publicado na Revista da
Sociedade Brasileira de Economia Política, de fevereiro de 2012) aponta
que o passivo externo total do Brasil (o conjunto dos compromissos do país
com os estrangeiros) evoluiu de US$ 343 bilhões, no final de 2002, para
US$ 1, 294 trilhão. Descontando-se desse passivo total os investimentos
diretos dos estrangeiros (investimentos em ativos reais: fábricas, terras,
supermercados e demais negócios produtivos), temos os dados do chamado
passivo externo financeiro (aplicações em bolsa e títulos financeiros,
incluindo títulos da dívida pública). Em 2002, o total desse passivo era
de US$ 260 bilhões e, em 2010, alcançou a cifra de US$ 916 bilhões. Esses
são passivos que rapidamente, em um momento de crise, podem conformar uma
forte pressão por liquidez, com o objetivo de serem retirados do país,
produzindo fortes pressões sobre o mercado de câmbio. Reinaldo Gonçalves
destaca que mesmo ao se levar em conta as elevadas reservas internacionais
do país – sempre lembradas como um poderoso instrumento à disposição do
governo – a situação não é confortável: em 2002, esse denominado passivo
externo financeiro líquido, era de US$ 222 bilhões; em 2010, ao final do
governo Lula, já havia atingido a US$ 628 bilhões.

Além disso, sob o ponto de vista estrutural, não há nenhum indício de uma
leve reversão que seja do quadro de desequilíbrio corrente das contas
externas. Ao contrário, e os resultados de 2011 e deste 2012 demonstram
claramente, há um crescimento cada vez mais robusto do déficit da conta de
serviços, puxado pelas remessas de lucros, dividendos e juros da dívida
externa, ao mesmo tempo em que a tendência é de uma redução do saldo
comercial do país.


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