sábado, 2 de junho de 2012

‘Contribuição da indústria não deve durar’



Para professor, resultado favorável se deve à venda de estoques, e indústria vem perdendo espaço no PIB de 2005 para cá

01 de junho de 2012 | 22h 56
Iuri Dantas, da Agência Estado
BRASÍLIA - A forte desaceleração da economia brasileira no primeiro trimestre reflete a piora da crise financeira internacional, o endividamento das famílias e a desindustrialização. O autor do diagnóstico é o professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro, diretor de relações institucionais da Associação Keynesiana Brasileira.
A contribuição da indústria, que teve expansão de 1,7% no trimestre, não deve perdurar, segundo Oreiro. As fábricas provavelmente venderam boa parte de seus estoques e agora terão dificuldades para encontrar demanda, seja no mercado interno, seja no exterior.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que explica a freada da economia?
Tem razões de caráter conjuntural e estrutural. Existe a piora da crise internacional, que está afetando a economia por dois canais: exportações, e aí afeta tanto preço quanto a quantidade dos produtos exportados, e também afeta o estado de ânimo dos empresários para investir. As empresas preferem adiar projetos. A segunda razão conjuntural está relacionada com o endividamento das famílias, chegando a 50%. Se é um número menor do que se observa nos países desenvolvidos, também temos de lembrar que o sistema financeiro brasileiro é completamente diferente, tem juros maiores, prazos menores. Esse endividamento de 50% está se mostrando muito alto porque está comprometendo cerca de 22% da renda disponível com serviço da dívida, está diminuindo a capacidade das famílias de comprar bens de consumo durável. A capacidade de contrair novos empréstimos para continuar comprando bens de consumo diminuiu.
O governo cortou, na semana passada, o IPI de automóveis para estimular o consumo. O endividamento limita o alcance da medida?
Sim. Além do endividamento, tem o efeito renovação da frota. Em 2008 e 2009, houve todo o estimulo, as famílias brasileiras renovaram os automóveis, parcela significativa da frota foi comprada em 2009. Ainda é um período relativamente baixo, dado que a frota está nova, para adquirir um novo carro. Não me parece muito racional.
Então o pacote para acelerar a economia depois do freio do 1º trimestre não vai dar resultado? Tudo indica que a idade da frota e o endividamento vão tornar pouco eficazes as medidas anunciadas pelo governo. Há um esgotamento de capacidade de consumo e endividamento. No caso específico dos automóveis, não tem muito por que você trocar o carro novamente. Em geral, as pessoas trocam de carro a cada cinco anos.
O governo também vem se esforçando para reduzir os juros básicos da economia, a Selic, e o custo dos empréstimos ao consumidor. Isso pode impulsionar o PIB?
O problema todo é que, com esse nível de endividamento alto, a primeira preocupação das famílias é reduzir a dívida. Vimos isso na crise do subprime americano. A poupança das famílias, que era praticamente zero em 2007, em dois anos passou para 3% do PIB. Não acho que tenhamos chegado ao nível de risco do subprime americano, mas o mais racional agora é aproveitar para renegociar dívidas e reduzir endividamento, aproveitar que os juros estão mais baixos.
Esperava-se um tombo da indústria, mas o setor ajudou o PIB no 1º trimestre...
Foi provavelmente um ciclo de estoques. No início do ano, a industria operava com estoque muito alto. Reduziu a produção, os estoques caíram mais do que o antecipado e agora há um pequena recuperação.
Vai continuar?
Tende a dar uma parada. A razão de ordem estrutural para o desempenho do PIB realmente é a desindustrialização. Acho que a economia brasileira já sente os efeitos da perda significativa do peso da industria. De 2005 para cá, a indústria vem perdendo espaço no PIB.
Que fator explica essa perda de força da indústria?
De 2005 para cá, o câmbio apreciou muito, por duas razões fundamentais: a primeira foi a mudança nos termos de troca. A relação entre preços exportados e importados melhorou muito, isso está relacionado com o preço das commodities no comércio internacional. E também por causa do diferencial de juros. Em 2006 e 2007, muito investimento veio para o Brasil para aproveitar os juros altos. Essa combinação de termos de troca e entrada de capital externo gerou grande sobrevalorização do câmbio. Para se ter ideia, quando a gente olha o custo unitário de trabalho de 2001 até o final de 2011 percebe-se um aumento de 60%. É um absurdo quando se olha a perda de competitividade e o câmbio.
Como o sr. vê a cotação do dólar nos próximos meses?
Vai depender muito da Europa. Se alguém disser que tem número para o câmbio está mentindo, não sei o que vai acontecer na Espanha, na França. Se arrebentar o euro, vai todo mundo para o dólar, e aí, meu caro, a cotação vai para a estratosfera. E não adianta dizer que tem US$ 350 bilhões de reservas, porque mais de 60% disso daí é dinheiro emprestado.
As reservas não servem como garantia contra os choques?
As reservas não são resultado de acúmulo de saldo em conta corrente. A China tem US$ 3 trilhões de acumulação em conta corrente. A nossa é investimento em portfólio e investimento externo direto. Realmente, se houver um evento cataclísmico a taxa de câmbio dispara e não faço a menor ideia de para onde vai. Se ocorrer isso, o governo vai ter de mudar o tipo de controle e taxar a saída de capital.
Poderia ter feito isso antes, para se antecipar?
O governo ainda não adotou controle de saída porque quer desvalorizar mais um pouco o real. Todo mundo sabia que o câmbio estava errado, estavam esperando o ano da crise para desvalorizá-lo sem arcar com o custo político das medidas.

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