Para professor, resultado favorável se deve à venda de estoques, e indústria vem perdendo espaço no PIB de 2005 para cá
01 de junho de 2012 | 22h 56
Iuri Dantas, da Agência Estado
BRASÍLIA
- A forte desaceleração da economia brasileira no primeiro trimestre
reflete a piora da crise financeira internacional, o endividamento das
famílias e a desindustrialização. O autor do diagnóstico é o professor
de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro, diretor
de relações institucionais da Associação Keynesiana Brasileira.
A
contribuição da indústria, que teve expansão de 1,7% no trimestre, não
deve perdurar, segundo Oreiro. As fábricas provavelmente venderam boa
parte de seus estoques e agora terão dificuldades para encontrar
demanda, seja no mercado interno, seja no exterior.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que explica a freada da economia?
Tem
razões de caráter conjuntural e estrutural. Existe a piora da crise
internacional, que está afetando a economia por dois canais:
exportações, e aí afeta tanto preço quanto a quantidade dos produtos
exportados, e também afeta o estado de ânimo dos empresários para
investir. As empresas preferem adiar projetos. A segunda razão
conjuntural está relacionada com o endividamento das famílias, chegando a
50%. Se é um número menor do que se observa nos países desenvolvidos,
também temos de lembrar que o sistema financeiro brasileiro é
completamente diferente, tem juros maiores, prazos menores. Esse
endividamento de 50% está se mostrando muito alto porque está
comprometendo cerca de 22% da renda disponível com serviço da dívida,
está diminuindo a capacidade das famílias de comprar bens de consumo
durável. A capacidade de contrair novos empréstimos para continuar
comprando bens de consumo diminuiu.
O governo cortou, na semana passada, o IPI de automóveis para estimular o consumo. O endividamento limita o alcance da medida?
Sim.
Além do endividamento, tem o efeito renovação da frota. Em 2008 e 2009,
houve todo o estimulo, as famílias brasileiras renovaram os automóveis,
parcela significativa da frota foi comprada em 2009. Ainda é um período
relativamente baixo, dado que a frota está nova, para adquirir um novo
carro. Não me parece muito racional.
Então
o pacote para acelerar a economia depois do freio do 1º trimestre não
vai dar resultado? Tudo indica que a idade da frota e o endividamento
vão tornar pouco eficazes as medidas anunciadas pelo governo. Há um
esgotamento de capacidade de consumo e endividamento. No caso específico
dos automóveis, não tem muito por que você trocar o carro novamente. Em
geral, as pessoas trocam de carro a cada cinco anos.
O
governo também vem se esforçando para reduzir os juros básicos da
economia, a Selic, e o custo dos empréstimos ao consumidor. Isso pode
impulsionar o PIB?
O
problema todo é que, com esse nível de endividamento alto, a primeira
preocupação das famílias é reduzir a dívida. Vimos isso na crise do
subprime americano. A poupança das famílias, que era praticamente zero
em 2007, em dois anos passou para 3% do PIB. Não acho que tenhamos
chegado ao nível de risco do subprime americano, mas o mais racional
agora é aproveitar para renegociar dívidas e reduzir endividamento,
aproveitar que os juros estão mais baixos.
Esperava-se um tombo da indústria, mas o setor ajudou o PIB no 1º trimestre...
Foi
provavelmente um ciclo de estoques. No início do ano, a industria
operava com estoque muito alto. Reduziu a produção, os estoques caíram
mais do que o antecipado e agora há um pequena recuperação.
Vai continuar?
Tende
a dar uma parada. A razão de ordem estrutural para o desempenho do PIB
realmente é a desindustrialização. Acho que a economia brasileira já
sente os efeitos da perda significativa do peso da industria. De 2005
para cá, a indústria vem perdendo espaço no PIB.
Que fator explica essa perda de força da indústria?
De
2005 para cá, o câmbio apreciou muito, por duas razões fundamentais: a
primeira foi a mudança nos termos de troca. A relação entre preços
exportados e importados melhorou muito, isso está relacionado com o
preço das commodities no comércio internacional. E também por causa do
diferencial de juros. Em 2006 e 2007, muito investimento veio para o
Brasil para aproveitar os juros altos. Essa combinação de termos de
troca e entrada de capital externo gerou grande sobrevalorização do
câmbio. Para se ter ideia, quando a gente olha o custo unitário de
trabalho de 2001 até o final de 2011 percebe-se um aumento de 60%. É um
absurdo quando se olha a perda de competitividade e o câmbio.
Como o sr. vê a cotação do dólar nos próximos meses?
Vai
depender muito da Europa. Se alguém disser que tem número para o câmbio
está mentindo, não sei o que vai acontecer na Espanha, na França. Se
arrebentar o euro, vai todo mundo para o dólar, e aí, meu caro, a
cotação vai para a estratosfera. E não adianta dizer que tem US$ 350
bilhões de reservas, porque mais de 60% disso daí é dinheiro emprestado.
As reservas não servem como garantia contra os choques?
As
reservas não são resultado de acúmulo de saldo em conta corrente. A
China tem US$ 3 trilhões de acumulação em conta corrente. A nossa é
investimento em portfólio e investimento externo direto. Realmente, se
houver um evento cataclísmico a taxa de câmbio dispara e não faço a
menor ideia de para onde vai. Se ocorrer isso, o governo vai ter de
mudar o tipo de controle e taxar a saída de capital.
Poderia ter feito isso antes, para se antecipar?
O
governo ainda não adotou controle de saída porque quer desvalorizar
mais um pouco o real. Todo mundo sabia que o câmbio estava errado,
estavam esperando o ano da crise para desvalorizá-lo sem arcar com o
custo político das medidas.
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