quarta-feira, 20 de junho de 2012

Os riscos do atual modelo de crescimento


Por Cristiano Romero

O modelo de crescimento acelerado criou uma série de desequilíbrios, que, agora, impõem riscos ao desempenho da economia brasileira. Um dos desequilíbrios está no fato de a demanda avançar numa velocidade bem superior à da oferta, o que obrigará o país, daqui em diante, a colocar ênfase no aumento da capacidade produtiva. O Brasil precisa aumentar, com urgência, a taxa de investimento e a produtividade, uma vez que a ociosidade tem diminuído e a oferta de mão de obra crescerá de forma mais lenta no futuro.
O sucesso brasileiro dos últimos anos resulta de uma combinação de fatores, que vão da estabilização da economia desde 1994 ao surgimento da China como uma economia gigantesca faminta por produtos básicos, alimentos e energia. A má notícia é que há riscos consideráveis adiante. Caso nada seja feito para ajustar o modelo vigente, o país pode ser condenado a crescer a taxas medíocres.
Os economistas Armando Castelar e Régis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia, da FVG do Rio, apontaram, em estudo recém-concluído, os riscos que o Brasil corre se não voltar a promover reformas estruturais. Os dois participaram, em Chicago, de conferência organizada pelo "Chicago Council on Global Affairs" para discutir os desafios da economia mundial. O debate resultou num amplo relatório, intitulado "Procurando Estratégias para Restaurar o Crescimento e a Estabilidade Econômica Global".
Sem reformas, país pode estar condenado a crescer pouco
O documento foi elaborado como contribuição à reunião de cúpula do G-20, concluída ontem em Los Cabos, México. Os dois brasileiros expõem em seu capítulo as realizações do modelo brasileiro e, também, as ameaças existentes nele.
Castelar e Bonelli lembram que, entre 2003 e 2011, as vendas do varejo cresceram 7,8% ao ano, enquanto a produção industrial avançou 3,2%. A aceleração do PIB na segunda metade dos anos 2000 se deveu mais aos chamados setores não-comercializáveis, como construção, intermediação financeira, comércio e transportes. No setor manufatureiro, houve desaceleração. Esse desequilíbrio pôs pressão sobre os preços dos serviços e aumentou o déficit em conta corrente.
Os dois economistas alertam que essas tendências podem se tornar mais pronunciadas nos próximos anos, uma vez que o mercado de trabalho vai se tornar ainda mais apertado - o desemprego já é o menor da história - e o déficit em conta corrente continuará crescendo, embora a uma taxa que não traga maiores problemas ao financiamento do balanço de pagamentos. Mas há riscos.
O Brasil tem se beneficiado de fluxos de capitais abundantes. Quando as economias desenvolvidas voltarem a crescer, serão obrigadas a elevar os juros e isso provocará uma mudança na direção dos fluxos. No caso brasileiro, se o país não cair na tentação do fechamento da conta de capitais, pode não haver reversão, mas a abundância terá desaparecido. Há um outro risco considerável - a queda dos preços dos commodities, um fator que comprova a dependência brasileira da economia chinesa. Enquanto em 1999, o país exportou pouco mais de US$ 500 milhões à China, em 2011, vendeu US$ 45 bilhões.
Diante da rápida transição demográfica e das baixas taxas de desemprego, o emprego contribuirá menos para o crescimento econômico no futuro. Isso tornará a expansão do PIB mais dependente de aumentos da produtividade do trabalho. Uma alternativa seria o Brasil aceitar novas ondas migratórias, a exemplo do que fez um século atrás.
No apogeu da economia brasileira, entre os anos 50 e 80, o país registrou taxas recordes tanto de investimento quanto de poupança. Desde a segunda metade dos anos 80, porém, o investimento médio anual caiu para 17% do PIB, tendo superado esse valor apenas uma vez - em 1994. Essa queda prejudicou seriamente a infraestrutura. No início dos anos 70, o país investia o equivalente a 5% do PIB nesse setor; desde o início dos anos 90, tem aplicado não mais que 2% do PIB. As privatizações dos anos 90 melhoraram um pouco o quadro ao atrair novos investimentos, mas a obra ficou pela metade.
"Como grandes nacos de infraestrutura permanecem sob propriedade do governo e o investimento privado tem focado principalmente em reabilitação e expansões marginais, os serviços de infraestrutura no Brasil carecem de qualidade e são caros", dizem os dois analistas.
A baixa poupança interna é uma das explicações do investimento insuficiente. E Castelar e Bonelli atribuem o problema à poupança negativa do setor público - hoje, em torno de 2% do PIB. De fato, se o Estado não precisasse ir anualmente ao mercado tomar R$ 70 bilhões emprestados para financiar suas contas, esse dinheiro estaria disponível para financiar os investimentos públicos e privados.
Os dois estudiosos do Ibre chamam atenção também para a baixa poupança das famílias, que diminuiu na segunda metade da década passada, "não surpreendentemente no mesmo momento em que o crédito aos consumidores expandiu de forma significativa". Eles lembram, ainda, que o baixo investimento decorre também do pouco investimento do setor público e de um ambiente de negócios adverso. Os problemas são conhecidos - carga tributária elevada, complexa e ineficiente; regulação administrativa, ambiental e econômica pobre e instável; incerteza jurídica; burocracia ineficiente; etc. Ao lado do fato de que, em 2011, o custo unitário do trabalho estava 26% mais alto do que seis anos antes, esses fatores prejudicam a competitividade das empresas e desencorajam inversões.
"Esses resultados realçam as limitações do atual modelo de política econômica do Brasil, baseado em aumentos simultâneos de receitas tributárias e despesas correntes, assim como no aumento da intervenção do Estado na atividade econômica", criticam os dois economistas.
Castelar e Bonelli alegam que o país parou de fazer reformas no primeiro mandato do presidente Lula, com a honrosa exceção da criação do fundo de pensão do funcionalismo público federal pela presidente Dilma. Eles afirmam que isso é pouco. Em favor do governo atual, diga-se que está tentando reduzir custos financeiros e de produção, mas tudo parece tímido diante do desafio que se apresenta ao país.
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras.

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