segunda-feira, 17 de setembro de 2012

DESCASCADORES DE ABACAXIS


   

Frei Betto  

      Amigo meu esteve no  Japão, convidado a visitar famosa empresa transnacional de produtos  eletrônicos. Fabricam-se ali desde computadores a componentes aeronáuticos.  Empregam-se mais de 50 mil pessoas. Impressionou-o o ritmo de trabalho. O  engenheiro, que lhe serviu de anfitrião e explicou o processo interno da  empresa, trabalha de segunda a sábado.

      O japonês esclareceu  que trabalha também um domingo por mês, e o faz porque a empresa consegue que  os funcionários encarem suas tarefas como atividades prazerosas. O cuidado da  família, incluídos lazer e cultura, faz parte do projeto da  empresa.

      Naquela  semana, por exemplo, ele tinha como serviço recepcionar o brasileiro, levá-lo  a comer nos melhores restaurantes, conhecer algo da arte do país, percorrer  pontos turísticos.

      Meu amigo perguntou se  teria chance de conhecer o presidente da empresa. A resposta o surpreendeu: o  presidente se encontrava, por três meses, recolhido a um mosteiro budista, sem  sequer utilizar o celular. Ali, desfrutava da tranquilidade necessária para  refletir sobre o perfil da empresa... daqui a trinta  anos!

      Como é  possível um executivo de alto nível prescindir do andamento cotidiano da  empresa? O anfitrião explicou que o sistema de delegação de funções e tarefas,  respaldado na confiança depositada na competência de cada funcionário, permite  a executivos em postos de direção se envolverem menos com desafios e problemas  do cotidiano.

      No Brasil  ocorre exatamente o contrário, descreveu meu amigo. Executivos são regiamente  pagos para vender a saúde à empresa: vivem dependurados no celular, apagam um  incêndio a cada hora, matam três leões por dia, correm de um lado ao outro,  raramente têm condições de pensar o empreendimento a longo prazo, e ainda  sacrificam a vida familiar, ignorada pela empresa.

      Isso vale para a  iniciativa privada e o serviço público. Quem comanda, tem a pretensão de  monitorar todos os detalhes, nem sempre confia suficientemente nos  subalternos, tende a centralizar todo o poder de decisão. Sem a calma  necessária para tocar os negócios, extravasa  o nervosismo nos companheiros de  trabalho, vive brigando com o tempo e modifica a agenda a cada  dia.

      Não há  planejamento estratégico, as metas a serem atingidas sofrem atrasos  consideráveis, as reuniões se prolongam mais do que deveriam e nem sempre  terminam conclusivas. A cada momento é preciso arrancar a faca da cintura para  descascar um novo abacaxi...

      O japonês, interessado  pelo sistema brasileiro, perguntou como funciona, em nossas empresas e  repartições públicas, o método de crítica interna. O visitante, de início,  pensou que ele se referia à avaliação dos subalternos pelos superiores. Era o  contrário: como os subalternos criticam o desempenho de seus chefes?  

      O brasileiro ficou  perplexo. Ali naquela poderosa empresa se atribui o êxito dos negócios ao fato  de ninguém se sentir na obrigação de calar a crítica que lhe parece  procedente. A cada dois meses, toda a equipe de um determinado setor se reúne  para que sejam ditas e consideradas queixas e propostas, tanto em relação à  produção quanto ao trato entre funcionários.

      O faxineiro que cuida  dos banheiros do setor de embalagem, frisou o japonês, tem o direito e o dever  de enviar ao presidente da empresa uma crítica, ainda que de caráter pessoal.  E a cultura que se respira ali dentro permite que isso não redunde em  retaliação ou ressentimento. Todos os dias, nos primeiros minutos do horário  de trabalho, os funcionários são convidados a praticar meditação, o que  apazigua espíritos e favorece a amizade.

      Muito diferente do  Brasil, frisou meu amigo. Aqui o chefe finge acreditar que todos o admiram e  todos fazem de conta que estão muito satisfeitos com o desempenho do chefe. E  haja estresse, gastrite, depressão, e até consumo de drogas, para suportar o  macabro exercício cotidiano de engolir um sapo atrás do  outro.

      Meu amigo  retornou convencido de que não há lucro a longo prazo sem investimento em  recursos humanos a curto prazo.



Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo  Boff, de “Mística e espiritualidade” (Vozes), entre outros  livros.
http://www.freibetto.org>Twitter:@freibetto.

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