quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Soros: Alemanha deveria comandar ou abandonar o euro



A Alemanha, como o maior credor dos países europeus, está no comando, mas se recusa a aceitar responsabilidades adicionais. Como resultado, toda oportunidade de resolução da crise foi perdida. A crise se espalhou da Grécia para outros países com déficit, e chegou mesmo a pôr em questão a sobrevivência mesma do euro. Como uma quebra do euro causaria um estrago imenso, a Alemanha sempre faz o mínimo necessário para mantê-lo vivo. Deveria escolher entre liderar esse processo de crise ou abandonar o euro. O artigo é de George Soros.
Data: 11/09/2012
(*) Publicado originalmente em Project Syndicate.

Nova Iorque – A Europa está em crise financeira desde 2007. Quando a bancarrota do Lehman Brothers ameaçou o crédito das instituições financeiras, o crédito privado foi substituído pelo crédito do estado, revelando uma falha não reconhecida no euro. Ao transferirem seu direito a imprimir moedas ao Banco Central Europeu (BCE), os países membros se expuseram ao risco de default, como fossem países de Terceiro Mundo, pesadamente endividados em moeda estrangeira. Os bancos comerciais arcaram com os títulos da dívida pública de países mais fracos, que se tornaram potencialmente insolventes.

Há um paralelo entre a atual crise do euro e a crise bancária internacional de 1982. Naquele momento, o Fundo Monetário Internacional salvou o sistema bancário global, emprestando dinheiro o suficiente para países pesadamente endividados; evitou-se o default, mas ao custo de uma depressão duradoura. A América Latina teve uma década perdida.

A Alemanha está hoje jogando o mesmo papel que o do FMI, de então. O cenário difere, mas o efeito é o mesmo. Os credores estão jogando todo o fardo do ajuste para os países devedores e se evadindo de suas próprias responsabilidades.

A crise do euro é uma mistura complexa de problemas das dívidas soberanas e dos bancos, assim como de problemas no desempenho da economia que deram lugar aos desequilíbrios na balança de pagamentos da zona do euro. Então, eles tentaram ganhar tempo.

Em regra, isso funciona. O pânico da finança arrefece e as autoridades lucram com a sua intervenção. Mas não desta vez, porque os problemas financeiros estiveram combinados com um processo de desintegração política.

Quando a União Europeia foi criada, era a corporificação de uma sociedade aberta – uma associação voluntária de estados iguais que concederiam parte de sua soberania em benefício do bem comum. A crise do euro agora está tornando a União Europeia algo fundamentalmente diferente, dividindo países-membros em duas classes – credores e devedores – com a responsabilidade sobre os credores.

Como país credor mais forte, a Alemanha emergiu como o hegemon. Países em débito pagam prêmios de risco substanciais para o financiamento de suas dívidas públicas. Isso se reflete nos seus custos de financiamento em geral. Para tornar as coisas piores, o Bundesbank permanece comprometido com uma doutrina monetária fora de moda, enraizada na traumática experiência alemã com a inflação. Como resultado, reconhece somente a inflação como uma ameaça à estabilidade, e ignora a deflação, que é a ameaça real hoje. Mais ainda, a insistência da Alemanha na austeridade por parte dos países devedores pode facilmente se tornar contraprodutiva, com o aumento da dívida em relação ao PIB, enquanto este despenca.

Há um perigo real de que a Europa de dois níveis se torne permanente. Tanto os recursos humanos como os financeiros serão atraídos para o centro, deixando a periferia permanentemente deprimida. Mas a periferia está fervilhando em descontentamento.

A tragédia da Europa não é o resultado de uma conspiração maligna, mas reside, antes, numa falta de políticas coerentes. Como nas tragédias gregas, concepções errôneas e a mais completa falta de entendimento têm consequências fatais, mesmo que não intencionadas.

A Alemanha, como o maior credor dos países, está no comando, mas se recusa a aceitar responsabilidades adicionais. Como resultado, toda oportunidade de resolução da crise foi perdida. A crise se espalhou da Grécia para outros países com déficit, e chegou mesmo a pôr em questão a sobrevivência mesma do euro. Como uma quebra do euro causaria um estrago imenso, a Alemanha sempre faz o mínimo necessário para mantê-lo vivo.

Mais recentemente, a chanceler Angela Merkel deu suporte ao Presidente do BCE, Mario Draghi, deixando assim o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann , isolado. Isso permitirá que o BCE abafe os custos dos empréstimos aos países que se submeteram a um programa de austeridade sob supervisão da Troika (o FMI, o BCE e a Comissão Europeia).

Os devedores estão, mais cedo ou mais tarde, comprometidos com a rejeição dessa Europa de dois níveis. Se o euro cair em desgraça, o mercado comum da União Europeia será destruído, deixando a Europa pior do que estava quando os esforços para uni-la começaram, dado o legado de desconfiança e hostilidade mútuas. Quanto mais tardio for o rompimento, pior será o resultado. Então, é chegada a hora de considerar alternativas que até recentemente seriam consideradas inconcebíveis.

A meu juízo, a melhor linha de ação consiste em persuadir a Alemanha a escolher entre liderar a criação de uma união política com um compartilhamento de responsabilidades orçamentárias, ou o abandono do euro.

Na medida em que toda a dívida acumulada é nominal em euros, faz toda a diferença quem permanece no comando da união monetária. Se a Alemanha deixá-lo, o euro será depreciado. Os países devedores poderiam retomar sua competitividade; sua dívida em valores reais diminuiria e, com o BCE sob seu controle, a ameaça de default desapareceria e o custo de seus empréstimos cairiam a níveis comparáveis aos do Reino Unido.

Os países credores, por outro lado, teriam prejuízos nos seus investimentos nominais em euros e encontrariam uma competição dura em casa, a partir de outros países membros da zona do euro. A extensão dos prejuízos dos países credores dependeria da extensão da depreciação da moeda, dados os juros sobre a manutenção da depreciação dos títulos das dívidas.

Após o deslocamento inicial, o resultado final seria a realização do sonho de John Maynard Keynes, de um sistema monetário internacional, no qual tanto credores como devedores compartilhariam responsabilidades pela manutenção da estabilidade. E a Europa evitaria a depressão iminente.

O mesmo resultado poderia ser obtido, com menos custo para a Alemanha, se a Alemanha decidir se comportar como um hegemon benevolente. Isso significaria implementar a proposta da união bancária europeia, estabelecer uma espécie de nível de negociação entre países credores e devedores, ao estabelecer um Fundo de Redução de Dívida, vindo a convertê-la toda em dívida nos eurobônus, e visando a um crescimento nominal do PIB na casa dos 5%; assim a Europa poderia fortalecer sua via de saída do endividamento excessivo.

A Alemanha pode decidir comandar a zona do euro ou deixá-la. Qualquer das alternativas seria melhor do que criar uma insustentável Europa de dois níveis.

Tradução: Katarina Peixoto

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