quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Romney seria um passo atrás



Autor(es): Martin Wolf
Valor Econômico - 31/10/2012
 

Se há uma coisa com que quase todos os americanos concordam é que o desempenho de sua economia tem sido decepcionante: o crescimento está muito lento e o desemprego, muito alto. Grande parte do eleitorado está propensa a culpar o presidente por sua decepção. É surpreendente que, nessas circunstâncias, Barack Obama ainda tenha chances de vencer. No início de fevereiro de 2009 eu iniciei um artigo com a pergunta: "Será que a presidência de Barack Obama já fracassou"? Meu argumento era que "fazer muito pouco é, agora, mais arriscado do que fazer demais". O presidente agiu, mas não em grau suficiente.
Isso foi no passado. Eu acho que quatro desafios econômicos são particularmente importantes: demanda, oferta, desigualdade e solvência fiscal.
Os economistas nos dois campos antagônicos admitem a debilidade da demanda privada, embora discordem da causa. Minha diferença em relação a ambos é que eu acredito que essa debilidade revele-se estrutural, e não conjuntural.
Os americanos têm a opção de escolher entre um homem com ambições modestas e alguém determinado a dobrar suas apostas nas políticas fiscal e financeira da era pré-crise. Romney, como os Bourbons, não aprendeu nada e não esqueceu nada.
O argumento pode ser justificado examinando os balanços financeiros setoriais (a diferença entre a receitas e os gastos setoriais, em termos de participação no Produto Interno Bruto (PIB). Os EUA têm déficits de longo prazo com outros países. Desde a crise, esses déficits apresentaram pequeno estreitamento. Se estrangeiros registram superávits, agentes domésticos têm de incorrer em déficits. No mundo pós-crise, famílias e empresas também registraram superávits. Isso deixou o governo deficitário.)
Essa situação pode mudar sem causar recessão? Não facilmente. Suponhamos que os estrangeiros continuem a ter um superávit de 3% do PIB, ao passo que o déficit fiscal caia para 3% do PIB. O setor privado americano teria de estar equilibrado. No segundo trimestre de 2012, o setor privado registrou um superávit de receitas sobre gastos de 5% do PIB. Para que o setor privado fique em equilíbrio, ao mesmo tempo em que a demanda seja sustentada, as despesas das famílias ou o investimento empresarial precisam crescer substancialmente. O primeiro caso exige um aumento substancial no crédito. Para o segundo caso, é preciso um aumento dos investimentos em percentuais do PIB mais elevados do que durante a bolha do mercado de ações nos anos 1990. O primeiro caso é indesejável; o segundo é improvável.
A segunda dificuldade está na oferta. No longo prazo, o determinante de crescimento é o aumento da produtividade. Os EUA são a mais produtiva grande economia no mundo, porque tem sido a melhor no desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias. Sobre isso, duas observações precisam ser feitas. A primeira, como observei na coluna em 3 de outubro, é que o crescimento da produtividade parece estar diminuindo, apesar de ainda ser bom, em comparação com os padrões de outros países de alta renda. A segunda é que num mundo onde a interligação entre inovação e ciência é tão íntima, muito depende do apoio do governo ao progresso científico. O governo americano tem desempenhado um papel seminal em inovação: a internet é apenas um exemplo.
O terceiro desafio é a desigualdade. Aqui, as mudanças são profundas. Aparentemente, 90% dos ganhos de renda nos EUA desde o fim da recessão foram apropriados pelo 1% mais rico na distribuição de renda. Como observa o Birô de Orçamento do Congresso, a renda familiar média "real (ajustada pela inflação) mensurada após as transferências governamentais e impostos federais, cresceu 62% entre 1979 e 2007. No mesmo período, a renda familiar média real (depois dos impostos) aumentou 35%".
Essa divergência tem duas implicações. Em primeiro lugar, variações no PIB não medem o bem-estar econômico de toda a população. Em vez disso, medem alterações no topo: uma vez que os 20% mais ricos ganham 60% da renda baseada no mercado e o 1% mais rico ganha muito mais do que os 40% mais pobres, isso é óbvio. Em segundo lugar, na medida em que as oportunidades à disposição de uma criança dependem dos recursos dos seus pais, o resultado é uma desvantagem cumulativa. Quanto mais importante for o capital humano, mais peso terá essa condição.
A questão final é a solvência fiscal. Peter Diamond, ganhador de um prêmio Nobel e economista do MIT, afirma que os EUA tem uma crise de desemprego e um problema de dívida pública. Eu concordo. Reduzir os déficits fiscais não é a tarefa urgente que muitos assumem ser, por duas razões. Primeiro, isso não pode ser feito sem riscos de um colapso na demanda e, depois, um déficit fiscal quase tão grande quanto antes, mas em níveis mais baixos de atividade. É isso o que significa estar em uma armadilha de liquidez. Segundo, existe um risco praticamente nulo de um aumento significativo das taxas de juros dos títulos do Tesouro dos EUA, a menos que haja uma forte recuperação econômica. Mas isso eliminaria grande parte do déficit fiscal, pois a receita se recuperaria e a despesa cairia. O grande problema da solvência está nos gastos com saúde, onde o problema é a inflação de custos.
Qual dos candidatos parece reconhecer essas questões de uma maneira sensata? Minha visão é de que a visão de Obama é inadequada. Mas Mitt Romney é George W. Bush requentado.
Obama não oferece uma série de reformas capaz de revitalizar o dinamismo que melhorou a vida da maioria em meados do Século XX. Mas, como argumenta o Centro de Política Tributária, é impossível considerar as propostas de Romney - reduções nas alíquotas marginais do imposto de renda compensadas por reduções não especificadas nas "despesas tributárias" (deduções tributárias) - sem concluir que elas "proporcionariam grandes cortes tributários para famílias de alta renda e ampliariam os encargos tributários sobre os contribuintes de média e baixa rendas". Numa economia com crescente desigualdade, isso agravaria o problema estrutural.
Dadas as promessas de Romney de grandes aumentos nos gastos com a Defesa, o resultado seria certamente um grande aumento de déficits fiscais estruturais. Os republicanos mostraram-se menos hostis aos déficits na prática do que na teoria. Cortes de impostos são sua verdadeira religião fiscal. O lado bom disso é que os EUA vão necessitar desses déficits, por algum tempo. O lado ruim é que tais políticas geram uma expansão breve e não crescimento sólido.
Os republicanos acreditam que a chave do desempenho é menos regulamentação e menores alíquotas de impostos. Mas é improvável que a substituição de uma alíquota de 35% para 28% produza efeito significativo no desempenho agregado. Os impostos são relevantes, mas a visão de que eles, por si só, determinam o desempenho econômico é equivocada.
As questões vão além do terreno da economia. Divergências em torno de políticas sociais e de política externa são evidentemente profundas. Mas as opções econômicas também são importantes. Os americanos têm a opção de escolher entre um homem com ambições modestas e alguém determinado a dobrar suas apostas nas políticas fiscal e financeira da era pré-crise. Romney, como os Bourbons, não aprendeu nada e não esqueceu nada. Quais poderão ser as consequências de tal repetição? O mundo pode estar prestes a descobrir. (Tradução de Sergio Blum).
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT.

Fogo no Paraná

http://www.youtube.com/watch?v=rkIZfTX3bR8&feature=colike

'Dilma deu empurrão nos juros e bancos entenderam o recado'


Ex-presidente do Banco Central e vice-presidente do conselho de
administração do Itaú BBA, Bracher defende política econômica do
governo
30 de outubro de 2012 | 22h 05
Raquel Landim, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Fernão Carlos Botelho Bracher está a favor da campanha da presidente
Dilma Rousseff para reduzir os juros no País. "Precisava de alguém para dar esse
empurrão. Ela deu esse empurrão com firmeza, mas dentro dos limites do
entendimento", disse ao Estado. Para ele, os bancos estão se comportando como "bons
cidadãos corporativos" e terão que ser "inventivos" para manter o lucro.
Ele alerta, no entanto, para os riscos da utilização do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal como instrumentos para aumentar a competição e forçar a queda de
juros. "É lícito e deve ser feito, mas precisa ser bem acompanhado, porque a experiência
histórica mostra que pode sair caro. Se der prejuízo, vai ser preciso injetar dinheiro."
Ex-presidente do Banco Central na gestão de José Sarney, Bracher defende as
intervenções no câmbio e os aumentos das taxas de importação e diz que as medidas
foram necessárias por conta da crise global. Após sair do governo, ele fundou o BBA,
que foi comprado pelo Itaú e se tornou o braço de investimentos do maior banco
privado do País. Hoje é vice-presidente do conselho de administração do Itaú BBA.
O tripé econômico - metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário -
ainda se mantém?
O tripé tem sido mantido. O que existe é a meta de inflação. Os demais pontos são para
garantir e que a meta será atingida. Desse modo, acredito que o tripé está mantido.
O câmbio deixou de ser flutuante e voltou a ser fixo?
Não há país que tenha um câmbio flutuante e ponto final. Todos os países intervém no
câmbio, quando há um interesse nacional maior em jogo. Por outro lado, o câmbio fixo,
que prevaleceu na conferência de Bretton Woods, quando o Fundo Monetário
Internacional (FMI) foi fundado, mostrou-se inadequado. Foi abandonado na maioria
dos países e deve realmente ser abandonado. A questão é que temos que olhar o
contexto em que estamos hoje. Desde 2008, vivemos uma crise financeira internacional,
que se espalhou pelo mundo, particularmente na Europa. Isso levou países-chave a
terem um comportamento completamente fora dos parâmetros normais. Os Estados
Unidos estão inundando o mercado com dólares, agora com mais um afrouxamento
monetário. Até a Suíça interveio no seu câmbio. Os países estão procurando defender
sua economia, na medida do possível em harmonia com os demais parceiros, mas
tiveram que tomar medidas excepcionais. O real hoje flutua, mas só para cima, não para
baixo. Estava flutuando para baixo por razões absolutamente artificiais por conta do
pandemônio que está lá fora. Foi uma medida excepcional, tomada com cautela.
Para impedir a desvalorização da moeda, o governo adotou uma série de medidas
de controle de capital. Pode atrapalhar o investimento?
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O controle, via de regra, é algo pouco agradável. O melhor é não haver controle, mas
regras prefixadas a serem obedecidas. Só que estava ocorrendo uma avalanche de
recursos. Hoje o País tem quase US$ 380 bilhões de reserva. É a imagem clara de
alguma coisa tinha que ser feita. Essa brincadeira é cara, porque o BC se financia a uma
taxa no Brasil em reais, troca por dólares e aplica lá fora em uma taxa muito menor.
Logo, é preciso fazer o que é menos daninho. Foi preciso introduzir mecanismos para
reduzir o interesse dos estrangeiros em vir para o Brasil e elevar nossas reservas ou
provocar uma valorização do real que quebra a nossa indústria.
O câmbio e as desonerações são suficientes para ajudar a indústria?
Ninguém sabe qual é o câmbio adequado. É possível medir pelo desempenho das
exportações, mas é difícil saber se vendemos pouco porque a demanda lá fora está fraca.
Também dá para medir pela gritaria do empresariado ou pela entrada de produtos
estrangeiros. Outro dia me ofereceram uma água importada em um restaurante
relativamente simples do Nordeste. Que capacidade extraordinária de competição! Não
dá para precisar qual é o câmbio que a indústria precisa, mas ao redor de R$ 2 colocou a
coisa em ordem.
O governo também elevou tarifas de importação. É protecionismo?
Não. Estamos numa crise extraordinária no mundo, com uma política de salve-se quem
puder. O que o governo Dilma está fazendo é usar os meios disponíveis para compensar
a valorização do câmbio e a necessidade dos outros países de forçarem de qualquer
maneira o aumento da importação. Pelo que eu saiba, tudo foi feito dentro dos acordos
da OMC (Organização Mundial de Comércio). Era melhor que as tarifas de importação
não tivessem subido e que tudo fosse controlado pela taxa de câmbio, mas não é
possível hoje.
Com o câmbio acima de R$ 2 e com a política fiscal mais frouxa, ficou mais difícil
controlar a inflação?
Está mais difícil. Não conseguimos mirar no centro da meta, mas as coisas estão sendo
feitas com um propósito e dentro de um nível de inflação aceitável. Esse pequeno
desvio é aceitável.
Alguns economistas dizem que o BC hoje tem triplo mandato: inflação,
crescimento e câmbio. Qual é a sua opinião?
Não vejo isso. O Banco Central se adiantou em relação aos mercados com todo acerto
quando começou a cortar os juros. Ao considerar também o crescimento, Tombini
(Alexandre Tombini, presidente do BC do Brasil) está se alinhando a outros bancos
centrais como o Federal Reserve, nos Estados Unidos. A principal tarefa do BC é
certamente a manutenção do poder aquisitivo do real, mas dentro de um nível de
atividade aceitável.
Vale a pena aceitar mais inflação para crescer mais?
É difícil responder em tese, mas na prática é isso que ocorre. Certamente uma meta de
inflação de 4,5% não é apertada. Uma inflação considerada aceitável é de 2%, logo,
nossa meta já considera essa acomodação. Isso sem falar nos dois pontos porcentuais de
banda que é permitido no sistema. A meta de inflação brasileira deveria ser até mais
baixa, mas não agora.
Apesar dos juros baixos, a economia brasileira não cresce. Por quê?
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As coisas não acontecem da noite para o dia. O governo está tomando todas as medidas
necessárias para um crescimento de 4% no ano que vem. Mexeu no câmbio, nos juros,
tomou medidas microeconômicas.
Pode ser necessário elevar os juros em 2013?
Se for preciso, será feito. Os juros são um instrumento para ser usado. Mas eu não diria
que a pressão inflacionária já aponta para alta de juros. Não vejo um problema de falta
de oferta no Brasil ou lá fora.
A presidente Dilma já disse que é uma meta baixar os juros e que os efeitos serão
parecidas com a estabilização. Ela vai conseguir?
O efeito é muito positivo e ela vai conseguir. Ou melhor, já conseguiu. Não só ela. Essa
é uma batalha que estamos travando desde o Plano Real em 1995. Apesar das crises
internacionais e outras dificuldades, os governos, com acertos e desacertos, sempre
trabalharam para isso. Mas é como o ovo de Colombo: precisa de alguém para dar o
empurrão. E a presidente Dilma deu o empurrão para a queda dos juros pagos pelo
Tesouro e pela queda dos juros cobrados no sistema bancário. Ela deu esse empurrão
com firmeza, mas dentro do limite de entendimento. E os bancos souberam se
comportar como os americanos chamam - bons cidadãos corporativos.
Alguns economistas dizem que baixar os juros não é só uma questão de vontade.
Não é mesmo só uma questão de vontade, mas é também uma questão de vontade. É
preciso procurar ativamente o que fazer para baixar os juros ou que práticas foram
adotadas que impedem a queda dos juros. Por exemplo: as prestações com 10 vezes sem
juros. O varejo dá essa vantagem, mas é compensada com juros altos em outras
operações. Ou quando os bancos fazem uma política de crédito sem exigência cadastral.
Se emprestam para todo mundo, sem conferir o histórico, o prejuízo vai ser maior, logo
cobram taxas maiores para compensar as perdas. Para fazer essa mudança, a presidente
Dilma valeu-se da colaboração de duas das principais instituições de crédito do País, o
Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. São instituições primorosas, com um
corpo de funcionários magnífico, mas, no passado, quando atenderam os interesses do
Executivo, tiveram que ter um suprimento de caixa do Tesouro. A propósito, em
setembro último, o governo federal fez uma capitalização no Banco do Brasil e na
Caixa. A utilização dessas instituições para redução de juros é lícita e deve ser feita,
mas precisa ser muito bem acompanhada, porque a experiência histórica mostra que
pode sair caro. Dá prejuízo e é preciso injetar dinheiro. Espero que não seja o caso.
Ao reduzir os juros, os bancos estão comprometendo seu lucro?
Eu não ficaria muito preocupado com isso, porque eles tem muita atenção com essa
parte do balanço. As ações dos bancos caíram porque todo o contexto é negativo. Os
bancos agora vão ter que ser inventivos para baixar os juros sem deixar os lucros
caírem. É uma belíssima era para os bancos, que vai permitir a eles se desenvolverem e
nadarem de braçada.
Como o senhor avalia o relacionamento da presidente Dilma com o setor privado?
Ela comprou briga com bancos, operadores de celular, concessionárias de energia,
operadoras de plano de saúde.
Não sei sobre outros setores, mas ela não comprou briga com os bancos. Ela falou e eles
entenderam o recado. É como diz o ditado: manda quem pode, obedece quem tem juízo.
A única ressalva que faço é que é preciso ter atenção com essa questão do BB e da
Caixa.
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A geração que nasceu na década de 90 não sabe o que é inflação descontrolada.
Ainda há algum risco para o Brasil?
A economia trata do comportamento de seres vivos em relação ao dinheiro. E ser vivo é
um inferno. Você imagina um comportamento em determinada situação econômica, mas
o ser vivo reage diferente. Enquanto houver homem e dinheiro, tem perigo de inflação.
Mas o Brasil teve mudanças institucionais importantes em muitos aspectos.


29/10/2012 - 07h38

Sem complacência

A autocomplacência seria a principal característica brasileira, de acordo com Elizabeth Bishop, que viveu anos entre nós, gostava da poesia e da paisagem, mas não era admiradora do caráter nacional. A palavra pode ser traduzida como indulgência com os próprios defeitos ou tendência de tomar os vícios como qualidades.
Desse ponto de vista, a volta do crescimento baixo terá servido de antídoto ao triunfalismo precoce de dois anos atrás. A tentação de cantar vitória antes do tempo é vezo antigo e generalizado, desde as Copas Mundiais como a fatídica de 1950, em que entramos campeões e saímos perdedores, até o "milagre econômico" frustrado de 1970.
No começo do século 20, o barão do Rio Branco afirmava ser indispensável que, em 50 anos, ao menos quatro ou cinco países latino-americanos atingissem o nível dos EUA e das potências europeias. Hoje, 110 anos mais tarde, nossa renda per capita não passa de 20%, um quinto da americana. Na hipótese inverossímil de crescermos sempre a 4% e os EUA apenas a 1% por ano, chegaríamos a 2030 com 30% da renda deles, menos de um terço!
Não é por masoquismo que temos de repetir essas coisas. Somos um povo exuberante, pouco afeito à modéstia dos suíços e precisamos de um choque de sobriedade de vez em quando. A mais recente chamada de volta à realidade é a mudança para pior da percepção mundial e interna sobre o Brasil.
De repente, dois anos de baixo dinamismo mostraram o que já era evidente: que o país, salvo uma ou outra exceção, crescia a taxa inferior à média mundial, dos emergentes e da América Latina.
Em 2012, comparado aos quatro melhores latinos -Chile, Peru, México e Colômbia-, o Brasil ostenta a menor taxa de expansão e a maior de inflação! Nossa taxa de investimento é inferior em cinco pontos à do México e oito do Chile.
Houve até uma inversão no desempenho. Até o colapso dos 1980, o país apresentava desempenho econômico dinâmico, contrastando com medíocre melhoria dos índices sociais. Agora é o contrário: reduzimos a pobreza, atenuamos a desigualdade, atingimos quase o pleno emprego, mas crescemos pouco e poupamos menos ainda, investindo em infraestrutura só um terço do nível 1970 (2% contra 6%).
O pior é que parece haver uma ligação perversa entre fatores sociais e econômicos, a melhoria da renda, do emprego, do consumo se fazendo em prejuízo da poupança, do investimento, do custo de produção e da competitividade.
Há alguma semelhança entre a situação brasileira e a que levou os europeus mediterrâneos à atual crise de competitividade, sobretudo em relação à alta dos custos produtivos sem compensações de produtividade. Nossa vantagem é não termos crise e dispormos de razoável consenso interno de diagnóstico.
O perigo é que a volta do crescimento induzido por medidas pró-consumo reative a ilusão de que será sustentável. Não é: o combate à complacência obriga a afirmar que só vamos conciliar inclusão social com crescimento se formos capazes de aumentar o investimento e reconquistar a competitividade sem artifícios nem protecionismo.
Rubens Ricupero Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), ministro da Amazônia e do Meio Ambiente, ministro da Fazenda (governo Itamar), embaixador em Genebra, Washington e Roma. Escreve quinzenalmente, aos domingos, na versão impressa de "Mercado".

O país de “Chum Chim Chum” não é mais aquele...


                            

                                                                                                                                                                            Milton Pomar (*)
Adoniran Barbosa, o cantor e compositor paulista famoso por “Saudosa Maloca”, “Trem das Onze”, “Tiro ao Álvaro” e tantos outros sucessos, compôs nos anos 1950 a música “Chum Chim Chum”, sobre o chinês dono de pastelaria, louco pra casar e que vendia “pastéis com vento”. Naquela época, a China era um país muito pobre, e os imigrantes chineses na cidade de São Paulo eram conhecidos por trabalhar em pastelarias e tinturarias. Passados quase 60 anos, a música caiu no esquecimento, enquanto a China transformou-se radicalmente, saindo da condição de pobreza extrema para a de segunda maior economia do mundo e maior país exportador.
No período de 1950 a 2012, a China tirou da pobreza mais de 800 milhões de pessoas, e passou da condição de país essencialmente agrário para a de quase equilíbrio entre as populações urbana e rural. Sua população de 1,35 bilhão de habitantes é a maior do mundo, quase 20% da população total, e está concentrada em 85 cidades com mais de quatro milhões de pessoas.
Hoje, a China é o segundo país maior importador mundial, o maior parceiro comercial do Brasil e o maior comprador de nossos produtos agropecuários, com grande destaque para a soja. Que por sinal, é uma planta originária da China, e começou a ser cultivada no Brasil em 1954, no Paraná. As oito mil toneladas de soja produzidas no estado na época, saltaram para 15 milhões de toneladas em 2011, quase duas mil vezes a mais... E a soja plantada no Brasil agora em setembro (safra 2012/13), deverá ser recorde, com mais de 80 milhões de toneladas, superando a produção dos EUA. O Brasil será o maior exportador mundial de soja, e a China a maior compradora, com mais de 30 milhões de toneladas por ano.
O país muito pobre de 1950 é hoje o que possui a maior reserva cambial do mundo, mais de três trilhões de dólares, e é o que detém a maior quantidade de letras do Tesouro norte-americano, um trilhão e 164 bilhões de dólares – ou seja, a China é o maior credor dos Estados Unidos!
China e Brasil: 200 anos
Em 2012, completa 200 anos a primeira imigração chinesa para o Brasil, constituída basicamente por trabalhadores braçais. Agora, os chineses que vem para o Brasil são executivos de grandes multinacionais do país, como a Huawei, Citic, Sinopec, ZTE, XCMG, SANY, JAC, Zoomlion, Fóton, Sinotruk, Chery, Foxxcon, Chongqing Grain etc., interessados nos mercados consumidores local e da América do Sul, e dispostos a investir na construção de fábricas e de redes de distribuição de seus produtos. Junto com essas mega corporações vieram os mega bancos: ICBC (Industrial e Comercial), CDB (Banco de Desenvolvimento) e o Banco da China.
Esse movimento acelerado da China em direção ao Brasil tem uma lógica simples: o país é um dos cinco maiores do mundo em população/mercado consumidor, área e produção agrícola e mineral. E se mantiver um crescimento do PIB próximo dos 4% ao ano, muito em breve o Brasil será também a quinta maior economia, ultrapassando a França. Em outras palavras, o Brasil está no “clube” das cinco maiores potências mundiais, condição que aqui dentro muita gente ainda não se deu conta.
“Corrida do ouro” no Século 21
No início desse século, o comércio Brasil e China era de dois bilhões de dólares. Ano passado, foi de 77 bilhões. Se continuar no mesmo ritmo, chegará a 300 bilhões de dólares em 2015. Além disso, há cada vez mais investimentos chineses no Brasil, em petróleo, indústrias de máquinas pesadas, caminhões, automóveis e motos.
O impacto dessa movimentação chinesa no Brasil, de 2010 para cá, pode ser avaliado pelo que está acontecendo na cidade de Jacareí-SP, onde duas grandes empresas, a Chery e a SANY, construirão suas plantas industriais para produção em larga escala. Vizinha de São José dos Campos, 630 mil habitantes, maior polo aeroespacial do Brasil, a pequena Jacareí (200 mil habitantes) vive hoje uma “corrida do ouro”, com milhares de pessoas em busca de trabalho e de moradia na cidade, e uma grande quantidade de empresas de fora se instalando, para atender as novas demandas. Os preços de tudo aumentaram, e quem possui áreas de terra disponíveis está se sentindo ganhador da loteria. Situações semelhantes vivenciam as cidades de Pouso Alegre-MG, onde está sendo construída a fábrica da XCMG; Atibaia-RJ (Zoomlion); Jundiaí (Foxconn); Camaçari (Fóton) etc., etc.
Desindustrialização do Brasil?
Apesar desse monte de grandes indústrias chinesas virem pro Brasil, há uma grita geral de entidades de setores industriais contra a “desindustrialização”, que segundo elas estaria ocorrendo no Brasil por culpa da China, que vende os seus produtos por um preço muito inferior ao praticado aqui. Esse tem sido o discurso de várias lideranças empresariais e também de alguns professores universitários. Mas a prática, como dizia um antigo líder político chinês, é critério da verdade. E a prática dos industriais (e dos comerciantes) brasileiros tem sido ir à China comprar máquinas e equipamentos –
e outros produtos – a preços mais em conta, para modernizar suas fábricas, e matérias-primas para reduzir os custos de produção. Há as que compram as peças na China e montam no Brasil, como a Houston, do Piauí, maior fabricante de bicicletas (estimativa de 950 mil unidades em 2012) do Nordeste e segunda maior do Brasil. Há ainda empresas que se instalaram na China e passaram a fabricar lá para atender o mercado local, como a Gauss, de Curitiba, a Embraco, de Joinville, a WEG, de Jaraguá do Sul, a Embraer, de São José dos Campos, e algumas outras. Tudo isso somado, resultaria em desindustrialização e em consequente desemprego no Brasil.
Em contrapartida, nos últimos anos aumentou várias vezes o volume de exportações agroindustriais para a China, além das de minérios, celulose e petróleo, o que proporcionou aumento de empregos nesses setores, superávit na balança comercial e elevada geração de divisas para o Brasil.
Guinada de 180 graus
Apesar da crise que a Europa, Estados Unidos e Japão estão passando, a China não deverá diminuir muito o ritmo de crescimento da sua economia. Nos últimos 30 anos, ele se manteve em 9% ao ano, em média, e agora deverá cair para 8% ou até 7%. Menos do que isso a China não deverá permitir, porque ela precisa gerar mais de dez milhões de novos empregos por ano, principalmente para os
jovens recém-formados nas universidades e para os migrantes das áreas rurais. Essas pessoas têm uma expectativa muito alta de conseguir trabalho, e se ficarem desempregadas, poderá haver muita agitação, que causaria instabilidade política – e isso os líderes chineses não querem de jeito nenhum.
Há um complicador: o 12º Plano Quinquenal, conjunto de diretrizes para o desenvolvimento do país, no período de 2011 a 2015, lançado em março do ano passado. Nesse novo Plano, o governo propõe mudança radical em relação ao modelo de crescimento econômico chinês, adotado em 1980 e em vigor até agora. Pretendem que daqui pra frente o mercado interno puxe o crescimento, ao invés do mercado externo. Evidentemente, essa guinada de 180 graus tem suas razões de ser. Há a avaliação que o modelo baseado nas exportações e em indústrias com mão de obra intensiva já deu o que tinha que dar. O preço político da agressividade comercial chinesa ficou muito alto e depender tanto de exportações deixa o país muito vulnerável a crises que ocorram em grandes clientes, como os EUA e a União Europeia. Metade do PIB chinês é resultado do comércio exterior, o que significa que nesse aspecto a China é um país “aberto”, diferentemente do Brasil, no qual menos de 25% do PIB resulta das suas compras e vendas no mercado internacional.
Ainda vai demorar alguns anos para essa mudança gigantesca se concretizar, mas ela será boa para o Brasil, porque a China precisará importar 1 trilhão e 200 bilhões de dólares a mais por ano, para atingir a meta do 12º Plano, do consumo doméstico atingir 55% do PIB. Esse aumento das importações da China deverá ser acompanhado de redução do ritmo frenético de exportações, o que na prática significa que diminuirá a pressão dos produtos baratos chineses no Brasil e em países tradicionais mercados para as empresas brasileiras. Como a China compra do Brasil menos de 2% de tudo o que importa do mundo, é realmente possível que essas mudanças resultem em um salto muito grande do valor das exportações brasileiras para lá.
Trocas de comando impactantes para o Brasil
Agora em outubro ocorrerá o anúncio das mudanças de poder na China, do presidente, primeiro-ministro, demais ministros e governadores de províncias, com o poder sendo transferido dos que comandaram o país nos últimos dez anos, para os dirigentes que realizarão essa tarefa a partir de 2013. Por mera coincidência, dia 4 de novembro os Estados Unidos elegerão o seu novo presidente.
Ou seja, dentro de mais alguns dias, terão ocorrido trocas de comando nas duas maiores economias do mundo, países que são os maiores importadores e exportadores do mundo, e do Brasil em particular, e também os maiores investidores na economia brasileira. Essas duas características decisivas explicam porque é tão importante acompanhar a evolução dos acontecimentos políticos e eleitorais da China e dos EUA.  Eles influenciam diretamente o câmbio; os empregos na indústria, mineração e agropecuária; os preços das mercadorias (portanto a inflação); as taxas de juros – enfim, o crescimento da economia brasileira.
Para evitar que diminua seu poder político e econômico na América do Sul, os EUA investirão mais na região, principalmente no Brasil, Chile e Argentina, países prioritários para a China (mais a Venezuela, com a qual os EUA têm relação difícil, porque precisam comprar petróleo dela, mas não aceitam o governo Chávez). A disputa comercial entre os dois gigantes na América do Sul poderá beneficiar o Brasil, que precisa de centenas de bilhões de dólares para construir a infraestrutura de transportes (portos fluviais e marítimos, ferrovias, dutos, aeroportos regionais) necessária, navios e locomotivas. Obra decisiva para o desenvolvimento brasileiro, que poderá contar com apoio financeiro da China, é a construção de ferrovia ligando os estados do Centro-Oeste ao Oceano Pacífico, a portos marítimos no Chile e no Peru. Essa obra não foi feita até hoje porque ela contraria interesses econômicos dos EUA, através dessa saída para o Pacífico o Brasil ficará mais competitivo do que os norte-americanos no mercado asiático.
A peça que falta nessa imensa engrenagem é a atuação estratégica do governo brasileiro, para obter o máximo de recursos e concessões dos dois países, através de ações coordenadas dos ministérios de Relações Exteriores, Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC), Agricultura, Turismo, Transportes e  Ciência, Tecnologia e Inovação, e das entidades empresariais e de trabalhadores, que estão articuladas no Conselho de Desenvolvimento. Se houver essa coordenação, o Brasil poderá se posicionar como protagonista na disputa de interesses, que será intensificada a partir do início do ano que vem, com os novos governos na China e nos EUA, quaisquer que sejam eles.

Milton Pomar é geógrafo. 

Prejuízos causados por Sandy podem superar furacão Katrina

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1178169-prejuizos-causados-por-sandy-podem-superar-furacao-katrina.shtml

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Frei Betto: 'É mudando o mundo que a gente se transforma'


30/10/2012

Uma disjuntiva atormenta, não raro, aqueles que buscam superar o capitalismo, em época de incertezas e após o fracasso do socialismo estatista. Onde concentrar energias, para a construção do “outro mundo possível”? Na mudança pessoal das atitudes, que pode contagiar pelo exemplo? Ou transformando as estruturas que, por multiplicarem a lógica do lucro máximo, produzem permanentemente desigualdade, alienação e depredação da natureza?

Talvez a pergunta (e a angústia despertada por ela) sejam desnecessárias e até contraproducentes, pensa alguém com décadas de ativismo junto aos movimentos sociais. Carlos Alberto Libânio Christo, o “Frei Betto” considera que ambas respostas, se absolutas, podem conduzir a um labirinto. A crença na mudança apenas “a partir das estruturas”, desenhou o fracasso da União Soviética e das experiências que seguiram seu projeto. Mas esquecer as grandes reformas, e focar apenas no indivíduo, produz ilusões como a da igreja católica – de cujos colégios, muito bem intencionados, “continuam saindo políticos corruptos”…

Frei Betto tem uma alternativa a estas duas escolhas apartadas. Ele quer ver as mudanças de atitude pessoal convertidas em esforços pela transformação mais ampla do mundo. Uma como complemento da outra, nunca enquanto oposição. Para demonstrar que é possível, recorre a alguns exemplos.

Que tal uma reforma agrária? O Brasil é, junto com a Argentina, um dos dois países das Américas que nunca rompeu com o latifúndio. Ao permitir que milhões de produtores praticassem a diversidade, tendo acesso à terra, esta transformação não estimularia práticas sustentáveis e orgânicas, opostas às do grande agronegócio?
Se nos desencantamos tanto com a colonização das instituições pelo poder econômico, por que não imaginar uma grande reforma política – profunda o suficiente para proibir os grupos privados de financiar campanhas eleitorais, e “comprar” parlamentares e governantes? Diante de uma mídia que age como partido político, sonega informações aos cidadãos e ataca, na prática, a liberdade de expressão, a saída não seria uma redistribuição das concessões públicas de TV e rádio, e programas de incentivo à produção de conteúdos na blogosfera?
Frei Betto lança, em suma, um desafio. E se a mesma criatividade capaz de produzir atitudes pessoais transformadoras for mobilizada para desenhar políticas públicas de sentido oposto às atuais? E se nossas visões de mundo – que valorizam a igualdade, a colaboração, novas relações entre ser humano e natureza – puderem ser traduzidas, também, em grandes mudanças estruturais?
Ligado à Teologia da Libertação, escritor e assessor de movimentos sociais, Frei Betto já tinha uma longa história de luta política quando se tornou assessor especial do presidente Lula e coordenador de mobilização social do programa Fome Zero, em 2003 e 2004. Preso pelos militares entre 1969 e 1973, recebeu em 1982 o Prêmio Jabuti pelo livro Batismo de Sangue, em que descreve a participação dos frades dominicanos na resistência à ditadura. A entrevista publicada a seguir é o resultado de um diálogo com a jornalista Júlia Magalhães, no âmbito da pesquisa sobre a participação política no Brasil que o instituto Ideafix realizou para o IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade).

Qual é sua percepção sobre a participação política do cidadão brasileiro?

Diria que, no geral, o brasileiro se interessa pouco por política e acaba entrando no engodo dos políticos, que procuram passar o sentimento de nojo pela política. Quem tem nojo da política é governado por quem não tem. Tudo o que os maus políticos querem é que a gente tenha bastante nojo, para que fiquem à vontade nas suas maracutaias.
Contudo, me surpreendeu a mobilização através das redes sociais no 7 de setembro [de 2011]. Até então, só evangélicos, gays e os que são a favor da liberação da maconha ocupavam as ruas. Foi muito positivo ver em várias cidades do Brasil a manifestação contra a corrupção, pela transparência dos votos dos deputados e senadores, pela reforma política, pela reforma agrária, pela auditoria da dívida externa.

Temos infelizmente uma democracia meramente delegativa: vamos às urnas a cada dois anos delegar a nossa representação a um vereador, deputado, presidente, mas temos muito pouco grau de participação. Estamos ainda longe de uma democracia verdadeiramente representativa, principalmente dos setores populares, e mais longe ainda de uma democracia participativa em que sociedade política e sociedade civil dialoguem de igual para igual.

Como o cidadão pode participar de forma mais efetiva?

Haveria dois canais prioritários: primeiro as escolas, que são unidades políticas, mas não têm consciência disso. Elas acabam deixando seus alunos vulneráveis à mídia, principalmente à tevê e à internet, em termos de formação política. O segundo seria a própria mídia, se ela tivesse interesse em formar cidadãos. Mas a mídia tem interesse em formar consumistas, porque é movida pela publicidade. A cidadania tem um espírito crítico, e o espírito crítico é um antídoto ao consumismo. A consciência cidadã da nação brasileira melhoraria muito se o ministério da Educação, os diretores e professores, os donos de escolas tivessem consciência de que a escola deve formar prioritariamente cidadãos, não consumistas e não mão de obra qualificada para o mercado de trabalho.

Você citou questões importantes. Quais os grandes temas que mobilizam a sociedade brasileira, hoje, a seu ver?

Infelizmente os temas que mobilizam a sociedade brasileira não são os que interessariam. Gostaria que a sociedade brasileira se mobilizasse pela reforma agrária, pela reforma política, por reformas de estrutura que o Brasil deseja desde que me entendo por gente. A estrutura fundiária do Brasil nunca foi mexida. Somos, com a Argentina, os dois únicos países das três Américas que nunca passaram por uma reforma agrária. As pessoas se mobilizam pela liberalização da maconha, por fatores evangélicos etc – tudo bem, é um direito delas. Mas infelizmente não se mobilizam por uma reforma política que acabe de fato com a impunidade e a imunidade dos políticos. Não adianta só sairmos nas ruas e gritar “abaixo a corrupção”. Qualquer pressão nesse sentido é positiva, mas insuficiente: a corrupção só vai acabar no momento em que houver mecanismos institucionais capazes de coibir e punir os corruptos e os corruptores. Falta essa consciência na sociedade brasileira.
Existe um discurso bastante presente na atualidade, que é de descrença nas instituições e busca por transformação através dos indivíduos. Qual é sua opinião a respeito?

A Igreja investiu durante séculos nessa utopia de que, mudando as pessoas, mudaríamos o mundo. Basta ver os colégios católicos, dos quais saíram notórios políticos corruptos. O método inverso foi tentado pelo socialismo soviético e não deu certo. Portanto, as estruturas e as pessoas mudam umas às outras.

A questão não é o que vem primeiro, o ovo ou a galinha: são as duas coisas. As pessoas só mudam mudando o mundo. Explico: não adianta querer que seu filho não jogue a caixa de chicletes na rua, se você joga um maço de cigarros, porque a criança é mimetista. Não adianta querer que os políticos não sejam corruptos se eles sabem que não há punição para a corrupção. Então precisamos criar um projeto de sociedade na qual desvios como a corrupção e o nepotismo sejam rigorosamente punidos – e mudar, ao mesmo tempo, os padrões do sentido da vida humana.

Hoje a vida humana está reduzida à busca do prazer, no sentido hedonista da riqueza, do poder, e não das virtudes subjetivas. Isso está levando a uma desumanização que é setorizada pelo crescimento do consumo de drogas. No fundo, o que o drogado está dizendo é: “quero ser feliz e sei que a felicidade não está fora de mim. Mas, como não tenho um sentido de vida que me provoque um ânimo, um entusiasmo, busco na química esse efeito”.

Como é possível mudar isso, você vê um caminho?

Volto a dizer: através da escola e da mídia. Mas, para isso, seria preciso ter um Estado que regulasse a mídia, ignorando essa falácia de que regular mídia é censura. Na verdade, censura é quando um determinado canal de televisão convoca um grupo de formadores de opinião para um debate e determina a exclusão de Frei Betto – porque ele é progressista, de esquerda, solidário a Cuba. Isso é censura, democracia da boca para fora. Na hora de debater o 11 de setembro, a crise econômica, a guerra da Líbia nos grandes veículos de comunicação, você não vê opiniões divergentes.

Um fato recente demonstra bem o que estou dizendo: enquanto os juros subiam, o Banco Central era autônomo. Agora que os juros caem, o Banco Central perde autonomia. Na verdade, a queda dos juros não interessa ao setor financeiro, então eles inventam essa falácia de que é perda de autonomia do Banco Central.

Esse é um discurso sobre liberdade bastante presente. Queria que você falasse mais sobre isso.

Por exemplo, você lê uma coisa no jornal e fica indignada: que liberdade de expressão tem para contestar? É liberdade deles, para eles. A população tem muito pouco canal de manifestação. A democracia existe para uma minoria que tem poder aquisitivo. Que liberdade tem uma faxineira cuja família mora no Nordeste de visitar essa família? Que garantia tem de que o filho dela vai chegar à universidade?
Estamos falando em liberdade para uma minoria, esses 8 milhões de brasileiros que pagam impostos – mas somos quase 200 milhões! Liberdade, hoje, no Brasil, é ir ao mercado escolher sua marca de cerveja. Não se pode escolher entre diferentes modelos de sociedade. Sequer é permissível que democracia e capitalismo não sejam considerados sinônimos.

O consumo é um grande tema, hoje?

Sim, porque estamos cada vez mais reduzidos a um consumismo exacerbado que esgarça as relações humanas, que substitui os valores humanos por objetos. Ou seja: sou, perante você, tanto mais valorizado quanto mais bens eu consumo, ou tanto menos quanto menos bens eu possuo. São as mercadorias que eu porto que me agregam mais ou menos valor social. Isso é um processo de reificação do ser humano, de desumanização brutal. Temos que lutar contra isso.

E de que forma esse apelo ao consumo se reflete na política?

O apelo ao consumo cria condicionamentos, cria consciência. Como os políticos são financiados por grandes empresas, são incapazes de proibir, no Congresso Nacional, que no Brasil uma criança possa ser ator ou atriz de peças publicitárias; ou que a publicidade de alimentos notoriamente nocivos seja veiculada nos meios de comunicação. Os políticos estão com o rabo preso com essas grandes empresas que financiam suas campanhas, e aí o silêncio é conivência.

Qual sua opinião a respeito da discussão sobre o controle social das mídias no Brasil?

A mídia radiofônica e televisiva pertence à União – embora seja gerida como se pertencesse a determinadas famílias. E as concessões, que têm prazo determinado, são renovadas automaticamente. Então é preciso, sim, um grande controle social sobre a mídia.

Para um médico que faz uma safadeza, como o Roger Abdelmassih, que abusava de pacientes mulheres, existe um conselho de medicina que pune. Isso não existe na mídia. Se uma revista arrasa com você, você vai levar anos tentando processá-la, e dificilmente terá recursos para obrigá-la a reconhecer que mentiu a seu respeito. Um jornalista que notoriamente falseia notícias, degrada a imagem de pessoas do bem, dificilmente será punido; não conheço um único caso. Agora, conheço o caso de um veículo que recorrentemente emite uma imagem execrável de pessoas de bem, como a revista Veja.

A criação de um conselho para fazer o controle social das mídias, por exemplo, seria uma forma de participação política da sociedade?

Claro. Deve ser formado por pessoas que sejam independentes dos veículos de comunicação e entendam de formação de opinião, de mídia. E essas pessoas existem. Qual é o sentido de um programa como o Big Brother? A meu ver, é um programa perverso, jamais deixaria um filho, com menos de 16 anos, assistir àquele programa. Ele sequer tem um momento em que se discute um poema do Drummond, da Adélia Prado, nada. É absolutamente permissivo, pornográfico, um programa de animalização do ser humano – e no entanto tem a maior audiência da tevê brasileira.

Como você vê o jovem nesse contexto?

Os jovens acabam convencidos de que essas figuras consumistas de Big Brother etc. são seus ídolos. Alguns são vulneráveis a esse apelo pelo poder, riqueza e beleza; e sofrem muito porque esse apelo é para um em cada 10 mil. Os demais sofrem uma grande frustração, que gera depois depressão e consumo de drogas, porque não conseguem realizar os anseios embutidos na mídia.

E a questão das redes sociais?

As redes são o que há de mais democrático para veicular informação e mobilização, embora também veiculem violência, pedofilia, pornografia. Dois governos foram derrubados graças às redes sociais, o da Tunísia e o do Egito. A internet é um veículo que convoca, mas é muito aleatória, por isso acho que deveria haver um controle, um sistema pelo qual se pudesse evitar convocação de violência, vandalismo.

É o momento das escolas introduzirem a educação para a internet nos seus currículos. Não tem educação para a leitura, saber o que é um clássico? Então, tem que ter educação para a internet, para a televisão, para o olhar. Estamos em uma era imagética, e, no entanto, na escola a educação literária é mais forte que a imagética. É preciso despertar na garotada esse espírito crítico diante da telinha, seja da tevê, seja do computador; senão eles vão sofrer com um fluxo muito grande de informações e deformações, não conseguem estabelecer a síntese cognitiva, e acabam sendo vítimas inconscientes do próprio veículo que utilizam. Ficam sem referências.

O sociólogo polonês Zygmund Bauman diz que segurança sem liberdade é escravidão, e liberdade sem segurança é caos. Você concorda com isso?

Concordo, o problema é que estamos cada vez mais em busca de segurança. Nossa liberdade hoje é muito restrita, as pessoas têm medo da rua, do público, estão cada vez mais engaioladas em prisões de luxo. Estamos abrindo mão de nossa liberdade em nome da segurança – e isso é grave.
Nesse contexto de transformações, quais as mais significativas da sociedade brasileira nos últimos anos?
Em primeiro lugar o governo Lula, porque tirou 30 milhões de pessoas da miséria, acabou com a dívida externa, tornou o país soberano e independente, principalmente frente aos Estados Unidos e ao bloco ocidental. Estabeleceu programas sociais com recursos consideráveis, o que governos anteriores não tinham feito, e o sistema de crédito. O que mudou a face do país e permitiu que o Brasil tenha passado, até agora, pela crise financeira desencadeada a partir de de 2008, foi justamente o fato de o governo Lula ter estabelecido um sistema de crédito e de políticas sociais que veio a aquecer o mercado interno, que é muito robusto no Brasil. Foi o que vi de mais significativo no Brasil nos últimos anos.

E com relação ao exercício da cidadania?

Cresceu a consciência de cidadania, dos diretos do consumidor, dos direitos humanos, mas ainda estamos muito distantes de vencer preconceitos, discriminações. Talvez esses acirramentos – espancamento de homossexuais, crimes previstos na Lei Maria da Penha –, tudo isso seja sintoma de que estamos avançando, porque antes essas coisas aconteciam mas ninguém falava, e agora elas são notícia, passíveis de ação policial. Então creio que vem crescendo, sim, a consciência de que temos direito à cidadania, à pluralidade cultural, à diversidade religiosa, e não devemos fazer do divergente o diferente. Não devemos cair no fundamentalismo de uma postura que quer se impor a outra, mas praticar tolerância.

Em relação ao mercado de trabalho: as pessoas trabalham cada vez mais, às vezes doze, catorze horas. Como isso interfere na construção de uma sociedade?

Interfere na construção das relações familiares, porque os pais não dão atenção suficiente a seus filhos, não é reservado tempo para lazer, para atividades culturais. Até porque os grandes aglomerados urbanos de classe média-baixa não têm acesso a equipamentos sociais que lhes permitam curtir o esporte, a cultura, a arte. Você vai pela periferia são prédios e prédios, casas e casas, casebres e casebres, raramente vê um campo de futebol, um teatro, cinema então nem pensar. Praticamente o lazer do brasileiro é ver telenovela ou ir ao culto, à igreja, onde ele entra em contato com o transcendente, o mágico. Isso tem uma força muito grande no universo popular porque o ajuda a emergir das dificuldades e sofrimentos. Só uma pequena minoria tem acesso a uma ociosidade criativa.

Como vê a relação entre política e religião?

A política é a forma de organizar nossa convivência social e a religião é a forma de imprimir à nossa resistência um sentido transcendente. São coisas que se complementam em nossas vidas, mas nem sempre é fácil estabelecer as distinções para fazer a sadia conexão. Há muito fundamentalismo de um lado e de outro: aqueles que querem fazer da sua religião uma proposta política e aqueles que querem fazer da política uma verdadeira religião, com partidos que têm papas, cardeais, bispos, crenças, dogmas intocáveis.

Que desafios a relação entre política e religião nos coloca, levando em conta a diversidade de religiões e crenças?

O desafio é desenvolver uma cultura de tolerância religiosa – mas estamos longe disso. Algumas confissões religiosas têm tamanho domínio da mídia que inoculam o horror ao espiritismo, às tradições afro-brasileiras, como a mídia americana cria horror ao islamismo. Hoje, uma pessoa que se diz muçulmana é vista como potencialmente terrorista, tanto que, após 2001, cresceu enormemente o número de muçulmanos agredidos com muita violência, nos Estados Unidos. O simples fato de alguém parecer um muçulmano já é fator de suspeita, de preconceito.

O Brasil é um país enorme, com uma diversidade gigantesca. O que seria uma nova política que representasse todos esses grupos e realidades?

Para o Brasil ser um país melhor, o ponto número um é fazer uma reforma agrária. Para além de 100 quilômetros dos grandes centros urbanos, ainda se encontra muita miséria, absoluto abandono de educação e saúde. Só vamos vencer esse contraste e evitar a inchação das cidades, como vem ocorrendo, no dia que houver reforma agrária. Ela é uma exigência de modernização do capitalismo brasileiro – não estou nem falando de socialismo.

Enquanto o Brasil não mexer na sua estrutura social, a desigualdade vai permanecer. Você pode até fazer essas políticas, como o Lula e a Dilma estão fazendo, de atenuar os grandes problemas. Atenuar, não resolver. Por exemplo, se o Bolsa Família acabar hoje, essas famílias que dependem da União vão voltar para a miséria, porque o Bolsa Família não conseguiu realizar aquilo que o Fome Zero se propunha fazer, que era tornar as famílias produtoras da própria renda. O próprio governo que criou o Fome Zero acabou com ele, transformou um programa que era emancipatório em um programa compensatório, como o Bolsa Família. Então você tem melhorias que não são estruturalmente asseguradas.

Você imagina novas formas de fazer política?

Quero uma reforma política que mude a estrutura do país: o financiamento público de campanha, fim do caixa dois, punição severa a quem praticar isso; fim dos lobbies do grande capital, de bancos, indústrias; Ficha Limpa rigorosa – isso seria uma reforma política. Também a proporcionalidade de representação da população de cada estado: é um absurdo um estado como o Amapá eleger o mesmo número de senadores de um estado como São Paulo. É preciso limpar a estrutura política brasileira, tem muito resquício da ditadura. Estabelecer a fidelidade partidária, acabar com o voto secreto – elejo um deputado e não sei como ele votou no processo da deputada corrupta que foi filmada prostituindo-se politicamente. Política tem que ser transparente e é preciso que haja uma lei garantindo isso – o que só vai acontecer com pressão popular.

Existem hoje mecanismos de “transparência” que disponibilizam as contas governamentais, mas a população muitas vezes não sabe nem fazer a leitura daquilo.
E mesmo fazendo a leitura, você jamais desconfiaria que no ministério dos Transportes houve desvio de 628 milhões de reais, porque o que está lá parece tudo certinho, depois é que a investigação mostra que não. É preciso aprofundar o sistema de transparência no país, como também a Comissão de Ética da República, que não pune ninguém, é sempre conivente e leniente com os corruptos.

Que valores caracterizariam esse novo modelo?

Primeiro, você jamais permitir que alguém com ficha suja ou processo na justiça seja candidato. Segundo, que, em sendo candidato, faça como foi aprovado agora na Espanha: seja obrigado a abrir sua contabilidade, seu patrimônio. Terceiro, que todas suas atitudes sejam públicas, nada secreto. Não sou especialista, mas como cidadão creio que é preciso uma reforma política que acabe com a impunidade e a imunidade desses políticos.

Você consegue identificar pessoas que possam refletir esses anseios?

Claro. Fábio Comparato, Dom Paulo Evaristo Arns, Ricardo Kotscho, Washington Novaes, Samuel Pinheiro Guimarães, Raduan Nassar, Chico Buarque, enfim, tem milhares de pessoas honestas, transparentes, corajosas. Uma Adélia Prado, Fernanda Montenegro, gostaria que elas fossem chamadas a opinar numa instância da República. O Brasil está cheio de pessoas íntegras, honestas, acima de qualquer suspeita.

Como você vê a vida e a coabitação das futuras gerações neste pequeno planeta?

A curto prazo, minha visão é pessimista. Acho que a crise financeira vai se agravar, os miseráveis vão invadir cada vez mais o espaço dos ricos, dos que estão bem de vida – porque não há muro, não há polícia, não há lei que detenha o fluxo do mundo do pobre para o mundo do rico. É uma questão de sobrevivência, e quando se trata de sobrevivência a legalidade vem abaixo. Vão crescer os grupos de direita, os governos despóticos, os preconceitos, os fundamentalismos de ambos os lados. Isso tudo vai se agravar daqui para 2020.

Não sei o que vai ser do futuro, mas talvez seja necessário passar por esse inferno para cair a ficha de que precisamos criar um novo modelo de sociedade. Uma sociedade baseada em outros parâmetros, e não no preconceito, na imposição, na guerra, no belicismo, no consumismo. Antigamente um rádio durava uma geração inteira, hoje um aparelho de última geração se torna anacrônico em dois anos, superado. O computador, então, nem se fala.

Estamos reciclando objetos, mas também estamos reciclando pessoas e valores. Hoje as relações pessoais estão sendo mercantilizadas. Isso já ocorria nas relações de trabalho, mas agora se transfere para a vida social. O outro passa a ser encarado como alguém que, de alguma maneira, deve corresponder aos meus interesses, sem que se criem vínculos de alteridade, parceria e solidariedade.

Uma sociedade baseada em outros parâmetros implicaria outro sistema de produção?

Claro, de produção e sobretudo de distribuição, para evitar que a excessiva riqueza seja acumulada nas mãos de poucos. Na minha opinião isso é um acinte, e não um direito. Precisaríamos promover a distribuição de renda, acabar com o direito de herança, pelo menos na proporção atual; no caso de herança acima de determinado patamar, 80% deveriam ir para o Estado, como o governo francês determinou em setembro de 2012 [75%].

Aplicar mais em educação e saúde. As pessoas pagam impostos excessivos, mas não têm um mínimo de direitos sociais, como acontece na Suécia, na Finlândia, na Alemanha – nesses países você paga muito imposto mas está seguro de que, precisando, vai ter retorno. Precisamos de mudanças profundas de institucionalização e de mentalidade.

(Fonte: Entrevista a Júlia Magalhães - Outras Palavras)

Consumismo ou investimento: qual a melhor estratégia?


DEBATE ABERTO

A diferença de comportamento do Brasil e da China quanto à conduta perante a crise financeira internacional ilustra bem as distintas estratégias a respeito de modelos de crescimento e desenvolvimento econômicos. O Brasil parece ter engatinhado ao longo das últimas décadas, enquanto a China alcançou níveis até então inimagináveis de crescimento de seu PIB.

 
 
A diferença de comportamento do Brasil e da China quanto à conduta perante a crise financeira internacional ilustra bem as distintas estratégias a respeito de modelos de crescimento e desenvolvimento econômicos. Desnecessário ressaltar que nem todas as estratégias são possíveis, em especial na comparação entre países tão distintos. De qualquer forma, o Brasil parece ter engatinhado ao longo das últimas décadas, enquanto a China alcançou níveis até então inimagináveis de crescimento de seu PIB.

Se tomarmos o início dos anos 1980 como base de comparação, a economia chinesa cresceu a uma taxa média anual de 10%. Assim, caso seu PIB fosse igual a hipotéticos $100 em 1980, hoje seria equivalente a $2.100. Ou seja, o valor do produto foi multiplicado por 21 ao longo dos 32 anos. Já a economia brasileira conheceu um crescimento médio anual em torno de 3%. Portanto, caso seu PIB fosse também igual aos mesmos hipotéticos $100 lá em 1980, hoje seria equivalente a $257 - um crescimento de apenas 2,5 vezes ao longo do mesmo período. Essa simulação nos informa que a economia chinesa cresceu mais de 8 vezes do que a economia a economia brasileira.

Esse diferencial de taxa de crescimento está na base da explicação das distintas posições relativas ocupadas pelos 2 países na lista de países por ordem de magnitude PIB. Em 1982, por exemplo, o Brasil era a oitava economia e a China aparecia como a décima-primeira do mundo. Hoje, a China é a segunda economia (atrás apenas dos Estados Unidos), enquanto o Brasil ocupa a sexta posição.

Crescimento do PIB e seus componentes
No entanto, para além da simples taxa de crescimento do PIB de um país, é importante que se verifiquem outros atributos. E não vamos aqui nem introduzir a crítica a respeito da metodologia de cálculo do Produto Interno e nem as necessárias ponderações para os elementos de dese nvolvimento humano, desigualdade entre setores da sociedade, concentração de renda e sustentabilidade sócio-ambiental do modelo. Trata-se tão somente de analisar quais são os chamados “componentes” do PIB que estão sendo os mais dinâmicos e responsáveis pelo crescimento atingido.

Uma primeira maneira de efetuar tal análise é verificar se o estímulo à atividade econômica está se realizando mais pelo lado do consumo de bens e serviços ou pelo aumento dos níveis de investimento do país. Outro recorte possível é comparar o crescimento geral da economia entre os diferentes segmentos da atividade, segundo mercadorias importadas ou produzidas internamente. Também é interessante verificar o que ocorre de acordo com a tradicional divisão de setores: i) primário (agricultura e recursos minerais); ii) secundário (indústria); e iii) terciário (comércio e serviços).

No caso específico desse artigo, a intenção é verificar as difere nças entre a opção de puxar o crescimento pelo lado do estímulo ao consumo, em sua comparação com o incentivo às atividades vinculadas ao aumento do investimento. E aqui também sob essa perspectiva, nota-se uma grande diferença entre os modelos adotados pelo Brasil e pela China. Ao longo dos últimos anos, a China tem apresentado uma elevada participação do investimento no total do PIB. Assim, a chamada “taxa de investimento” do gigante asiático tem apresentado a impressionante média de 48%. O caso brasileiro é bastante distinto: nossa participação do total de investimento no Produto revela uma média histórica recente de apenas 18%.

Os limites do modelo lastreado no consumismo
Ora, essa discrepância entre as duas medidas é a expressão de duas estratégias diferentes para orientar o crescimento e o desenvolvimento econômicos. A sustentação de algum modelo de crescimento no tempo exige algumas pré-condições básic as. E vejam que nem se trata de algo mais sofisticado, do tipo incluir um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável. Não, imagine apenas um padrão de crescimento que se mantenha por um determinado período, em um arranjo econômico minimamente equilibrado. Desse ponto de vista, a opção por um modelo baseado essencialmente no consumo não se apresenta como estratégia viável ou coerente a longo prazo. Isso porque essa alternativa (a prioridade ao consumo) implica a dependência de manter e elevar a participação dos produtos importados no total dos bens consumidos. Essa tendência se deve ao fato de que o conjunto de bens de capital e infra-estrutura existente em um país sofre permanente processo de depreciação e necessita contínua substituição, acompanhada de um aumento da capacidade instalada em novos patamares tecnológicos.

Caso não se mantenha um ritmo adequado (que varia segundo a formação social e o momento histórico considerados) dos investimentos, o desequilíbrio em favor de um viés consumista termina por comprometer o modelo logo ali na frente. De que adianta estimular o consumo frenético de automóveis se a indústria automobilística não investe em parques mais modernos, com tecnologia de ponta? Ou se o país não oferece uma infra-estrutura urbana ou de rodovias compatível? Ou se o conjunto do sistema educacional e de ciência & tecnologia não pesquisa alternativas de modelos de transporte que representem a substituição dessa opção que já se apresenta como inviável nos dias de hoje?

Saindo de um foco setorial e pensando no conjunto da economia, a incapacidade de oferecer investimentos em infra-estrutura implica o risco de o país bater nos chamados “gargalos” de transportes, comunicações, energia. Isso sem mencionar os problemas derivados das deficiências nas áreas sociais, como saúde, educação, previdência social e ciência e tecnologia. O estímulo foca do no exagero do consumismo concentra os recursos financeiros, monetários e creditícios apenas na ponta do modelo: a compra final de bens e serviços. Com isso, as necessidades de elevar a capacidade de investimento para trás (na escala produtiva) e para frente (no tempo) ficam comprometidas. Dessa forma, em algum momento o conjunto dos atores econômicos sentirá a carência de infra-estrutura, com problemas de risco de “apagão”, aumento de custos por atraso tecnológico e perda de competitividade por eficiência nas redes de suporte à atividade produtiva.

Dificuldades em sair do consumismo e avançar no investimento
Ora, mas então, se é reconhecida essa necessidade de harmonizar o investimento com o consumo, por que os países não conseguem lograr uma situação de equilíbrio e segurança nesse quesito? Justamente pelo fato de que a economia não é uma ciência exata e que seus elementos fundadores são determinados na luta pol ítica e na disputa de interesses dos agentes econômicos. Os analistas liberais mais fundamentalistas ainda acreditam que tudo isso deve ser deixado à livre acomodação das forças de oferta e demanda – a velha crença nos super-poderes do mercado. Já os liberais mais pragmáticos, em especial nos momentos de crise, acreditam ser mais inteligente chamar o Estado a dar sua contribuição como agente regulador e regulamentador nesse quesito, de maneira a assegurar que a infra-estrutura necessária seja efetivamente viabilizada. Mas de toda a maneira, o fato é que os recursos de investimento precisam aparecer, eles devem estar disponíveis para se concretizar na ampliação da capacidade produtiva e econômica do país.

No caso brasileiro, vira e mexe surge a polêmica a respeito da nossa suposta baixa capacidade de poupança. E essa constatação vem associada à idéia de que haveria uma precedência cronológica da poupança em relação ao investimento. O ponto é que para uma parcela importante dos economistas, não faz sentido raciocinar para o fenômeno macro-econômico da maneira como pensamos para o comportamento dos indivíduos ou das famílias. O senso comum e os comentaristas das colunas “suas finanças” dos grandes meios de comunicação insistem na tecla de que é necessário poupar antes para que esse recurso se transforme em investimento. Mas para a escala de um país, as variáveis operam segundo outra lógica e obedecem a outra dinâmica. O importante é tomar a decisão de investir, pois a partir desse momento a complexidade de relações entre a economia e a sociedade termina por criar as condições para drenar recursos para o investimento agregado.

A dificuldade tupiniquim nesse quesito sempre esteve mais associada ao estímulo ao financismo e à carência crônica de necessidades básicas por parte da maioria da população. Dessa forma, os recursos disponíveis para aumentar o nível de in ve stimento eram drenados para a atividade parasita do circuito financeiro, em busca da remuneração elevada no curto prazo. E esse modelo era assegurado pelo próprio governo, por meio da política monetária de juros oficiais estratosféricos. Na outra ponta, a profunda desigualdade de renda e o nível de sobrevivência a que historicamente esteve submetida a grande maioria de nosso povo não contribuíam para uma mentalidade poupadora no plano individual ou familiar. Finalmente, as décadas de convivência com elevadas taxas de inflação e as experiências negativas com os planos de estabilização econômica anteriores ao Plano Real colaboraram também para a baixa credibilidade dos mecanismos de poupança de longo prazo.

A importância de se elevar a taxa de investimento
A intenção não é que se adote o modelo chinês como referência. Inclusive porque ele apresenta um conjunto de problemas, a exemplo da manutenção de uma taxa de inv estimento em relação ao PIB muito elevada, talvez até mesmo em excesso. Sim, pois por mais contraditório que possa parecer, essa condição não é a melhor para um país no longo prazo. Para a China, num primeiro momento, foi importante manter taxas de investimento do PIB em torno de 50%. Foi o instrumento encontrado para conseguir recuperar o “atraso” em relação às grandes potências e dar o grande salto à frente – transitar do modelo baseado na agricultura e avançar rumo à industrialização. Porém, a continuidade desse tipo de repartição entre investimento e consumo pode criar um fenômeno associado à baixa utilização da capacidade instalada. Naquele país, como investimento em infra-estrutura ainda é capitaneado pelo Estado, esse problema não adquire as repercussões de um modelo em que os parques de transportes, comunicações e energia sejam operados ou de propriedade do setor privado. No caso, uma eventual baixa na taxa de retorno esp erado, po de significar redução na oferta de infra-estrutura. E isso sinaliza uma porta de entrada para uma conjuntura de recessão.

Assim, toda a ciência e a arte estão em encontrar pontos mais adequados para a taxa de investimento em relação ao PIB. No nosso caso, com certeza algo bem acima da média histórica dos 18%, sem precisar chegar no exagero chinês dos 50%. Mas de qualquer, a contribuição do Estado é fundamental para se alcançar esse elevação tão necessária, por meio das políticas públicas e do estímulo às atividades umbilicalmente ligadas ao investimento. Esperar tão somente pelo “espírito animal” do empresariado não tem se revelado como estratégia eficiente para alcançar essa meta.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Mulheres trabalham mais durante a vida, porém recebem aposentadoria menor




Nos últimos anos de trabalho, depois de mais de 30 como empregada doméstica em Petrópolis, Jurema contava nos dedos o tempo que faltava para a sua aposentadoria. Mas o tão sonhado descanso nunca chegou: foi diagnosticada com leucemia e morreu alguns meses antes de completar a idade necessária para descansar.
Ela nunca conseguiu aproveitar os benefícios das décadas de contribuição para a previdência social. Apesar da realidade das mulheres ter melhorado muito nos últimos anos, os avanços não foram suficientes para que casos como este não se repitam.
Enfrentando longas jornadas de trabalho que se estendem até depois do expediente no cuidado com os filhos e a casa, as mulheres brasileiras ainda são quem menos usufruem dos resultados oriundos do seu trabalho. Ou seja: elas trabalham mais, vivem mais, porém ainda recebem valores menores de aposentadoria.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, juntando as horas gastas com o trabalho formal e dentro de casa, as mulheres chegam a trabalhar mais de 58 horas por semana, treze a mais que os homens. Em 2005, a atividade doméstica foi incorporada na Emenda Constitucional 47, que criou um regime de inclusão na previdência para as donas-de-casa, caracterizando o serviço doméstico como trabalho.
Dupla jornada prejudica aperfeiçoamento
Mesmo assim, a maioria das aposentadorias das mulheres ainda se concentra nos benefícios de baixo valor e são, em média, 35% inferiores ao valor das masculinas.
"A dupla jornada é um dos grandes empecilhos para a superação da desigualdade de gêneros. Enquanto não houver uma divisão igualitária das tarefas domésticas, as mulheres não conseguirão receber remuneração mais alta ou alcançar postos de trabalho melhores, pois grande parte do tempo que poderiam estar usando para se aperfeiçoar está no trabalho de casa", afirma Ana Carolina Querino, oficial de Projetos de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça no Mundo da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
O alto índice de desemprego aliado a informalidade também contribui para que os benefícios da aposentadoria sejam menores. Uma em cada cinco mulheres trabalha como empregada doméstica, por exemplo. Porém, destas trabalhadoras, apenas 28% contribui para a previdência, ou seja, está empregada de maneira formal.
O nível de desemprego entre as mulheres também é muito alto e só metade delas faz parte da População Economicamente Ativa (PEA) do país, informa Ana. "Isso, por si só, é uma perda para o país, pois deixamos de ganhar com esta mão-de-obra. Mas, também pode ser prejudicial para as mulheres, já que deixam de contribuir para obter os benefícios mais tarde, além de se manterem quase que a margem do mercado", analisa.
A divisão das tarefas domésticas é apontada pela OIT como essencial na luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres. Os motivos para a desigualdade no recebimento da previdência são muitos e refletem um quadro de injustiça de gêneros em todo o país. É o que aponta a professora Hildete Pereira de Melo, em seu artigo "Mercado de Trabalho e Previdência Social - um olhar feminista".
"A participação feminina é mais elevada entre os desprotegidos (pela previdência) do que a verificada para os homens, provavelmente isto reflete sua entrada e saída do mercado de trabalho devido às funções de maternidade e a difícil conciliação entre família e mercado", analisa o texto.
Segundo informa Hildete no estudo, o fato das mulheres receberem pensões menores também contribui na perpetuação da pobreza no país, já que grande parte das famílias de baixa renda é chefiada por mulheres, além delas mesmas serem maioria no contingente pobre da população.
Envelhecimento sobrecarrega previdência e as mulheres
O envelhecimento da população brasileira, que se acelerou nas últimas décadas, aponta o aumento no desenvolvimento social do país. Mas também coloca novos desafios para a sociedade. A contribuição previdenciária é um deles, já que com mais pessoas idosas e menos pessoas em idade produtiva, a conta entre contribuintes e beneficiários "não fecha".
Em entrevista para o Jornal do Brasil, o economista João Pedro Azevedo, do Banco Mundial, já havia alertado sobre os problemas que podem surgir nesta nova realidade. "O único jeito desta conta fechar é se ficarmos mais competitivos ou aumentarmos fortemente nossa produtividade", afirmou.
E com o envelhecimento da população, novamente as mulheres correm o risco de ficarem ainda mais sobrecarregadas. De acordo com o estudo "Envelhecimento da população: quem se encarrega do cuidado?", da OIT, a dupla jornada feminina pode piorar, já que são elas quem cuidam dos idosos, na maioria dos casos, principalmente os maridos.
Além disso, elas vivem, em média, 7,5 anos mais que os homens. Com a chegada da idade, problemas de saúde ficam mais constantes e, recebendo pensões menores, a situação destas mulheres pode ficar ainda pior. "A demanda por cuidado por parte das pessoas idosas está aumentando. As mulheres estão mais sujeitas, por viverem mais, à discapacidade funcional, demandando maiores cuidados", afirma o estudo.
Fonte: Jornal do Brasil.

Filósofo aponta individualismo excessivo como forma de degradação do país


Na palestra de encerramento do segundo ciclo de debates do Fórum Senado Brasil 2012, na quinta-feira (25), o filósofo Auterives Maciel Júnior apontou o individualismo exacerbado como uma das principais formas de degradação do país.
– Estamos deixando morrer o espírito mestiço, heterogêneo que fez a nação. O Brasil pode se tornar um canteiro de seres individualistas – afirmou o professor da PUC-Rio, em palestra intitulada “Construção e degradação do Brasil: quando o interesse se sobrepõe ao desejo”.
Auterives Maciel explicou que os termos construção e degradação não devem ser pensados como termos opostos que se referem à ascensão e depois decadência do Brasil, mas sim como práticas que coexistem na sociedade. Segundo ele, o país se divide em dois, um potente e empenhado em construir e outro que cria obstáculos ao desejo coletivo.
Referindo-se às práticas que levam à degradação do país, o filósofo destacou que na sociedade brasileira atual existe um jogo de interesses permeando as relações pessoais. Em sua análise, os indivíduos estão priorizando o capital e o mercado, em detrimento das relações afetivas.
Auterives ressaltou a necessidade de os brasileiros resgatarem o lado afetivo herdado dos índios e negros e alertou para o perigo do individualismo se sobrepor à solidariedade.
– Talvez a gente tenha se esquecido da nossa origem. Talvez a gente tenha se esquecido desse lado nativo que sempre fez a diferença do Brasil no mundo e talvez o Brasil venha a se transformar em um país de gângsteres e bandidos que só se interessam pelo mercado – disse.
Corrupção
Auterives lamentou a presença da corrupção – outra forma de degradação do país – em diversos estímulos que o indivíduo recebe desde a infância. A prática, ressaltou, não está presente somente nos altos níveis de poder, mas também nas relações de todos os cidadãos, igualmente atores nas práticas de construção e degradação.
– Entendo que as relações interpessoais refletem as autoridades que são eleitas como ideais da nação – destacou.
Indagado sobre o que fazer para mudar a situação, o filósofo afirmou que é preciso convocar as pessoas a fazer uma reflexão crítica pensando no outro e apontou o afeto como sentimento essencial entre os seres humanos.
– Se a gente for capaz de despertar no outro afeto e ideias que sejam benéficas talvez a gente melhore o nosso modo de viver – disse.
Fonte: Soraya Mendanha - Agência Senado.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Proposta em debate quer reduzir jornada de 44 horas para 40 horas por semana

http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,governo-aceita-corte-na-jornada-de-trabalho,132612,0.htm

O lamento de um dinossauro


Mario Chimanovitch

Hoje, tratam o velho como um estorvo. Jornalistas 'das antigas' são desprezados. Para os jovens, tudo está na internet, e lá não há velho chato. Estou sobrando
Como velho jornalista da velha escola, aquela que nos ensinava na unha e nos cascudos de chefias que acatávamos sem chiar, gratos por podermos conviver com nomes cujo simples som nos intimidava, observo que em algum momento algo muito importante se rompeu -e ninguém lhe deu a menor importância.

Hoje, por todo lado, apregoa-se que só o novo é bom e todos disputam a honra de serem mais novos do que os demais.

Ser velho, nestes tempos estranhos, é ser um estorvo, ser inútil, um dinossauro improvável, movimentando-se num universo de frágeis louças. Eu sou um dinossauro e vivo trombando o grande rabo da minha longa história contra as prateleiras deste mundo asséptico. Acho que estou sobrando.

Muito se fala, nos discursos eleitoreiros, das bondades que cada campanha sugere a seu candidato, para agradar a nós, os mais velhos. Cada vez que vejo um almofadinha desses abraçando a senhorinha sofrida e prometendo-lhe mundos e fundos, a ira me sobe à cabeça e por pouco não arremesso a bengala que me ampara de encontro ao televisor.
Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que todo mundo quer é tirar a nós, os velhos, do caminho e dos cofres da previdência. Somos aquelas criaturas que parecem servir, apenas, para confrontar cada jovem pimpão com sua própria finitude e com o fato de que a única alternativa disponível à morte, por enquanto, é mesmo sobreviver, como der. E é aqui que a coisa complica.

Provavelmente nunca na história se desprezou tanto a experiência e a memória dos mais velhos como nas últimas décadas. Se você, como eu, é um jornalista "das antigas", vale menos que um PC 386, daqueles que um dia pareceram uma enorme inovação e hoje não passam de lixo eletrônico descartável e, como tal, ambientalmente incorreto.

Eu me sinto ambientalmente incorreto quando tento mostrar o muito que a memória de duas guerras cobertas, alguns prêmios de imprensa e reportagens memoráveis, inutilmente, me ensinou.

Desempregado desde 2007, sobrevivendo de cada vez mais raros bicos, sinto que cheguei aos meus limites. A autoestima se esfacela e posso entender por que tantos não resistiram e acabaram sucumbindo ao álcool, às drogas ou, tanto pior, à ideia da própria morte.

Tolo e romântico que sempre fui, imaginava que essa vivência toda, mais tarde, me permitiria ajudar os mais novos a melhorarem o mundo imperfeito que é o campo de colheita dos bons jornalistas. Ledo engano, porém.

Tudo o que a história pode ensinar a um jovem, ao que parece, pode ser encontrado nos meandros da nebulosa da internet. Com a vantagem de que lá não haverá nenhum velho chato para dizer que noutros tempos, no meu tempo, algo era assim ou assado por causa disto ou daquilo.

A informação brotará do tablet, cristalina, fria e desinfetada pelo distanciamento tecnológico. O dedicado repórter, com o ímpeto de seus jovens anos, vai poder navegar pelos escaninhos da memória que me resta, sem precisar me aturar e a minha própria história.

Acho que vou ter de procurar emprego de empacotador de caixa de supermercado. E se um dia algum candidato se aproximar de mim, entre um pé de alface e uma caixa de ovos, agradecerei cada migalha que os governos me oferecerem como dádiva. Ao menos assim, talvez, eu tenha alguma utilidade.

MARIO CHIMANOVITCH, 67, é jornalista há 44 anos. Repórter investigativo, cobriu conflitos no Oriente Médio, na África e na Amazônia.

A destruição causada pelo furacão Sandy em Cuba


Por Marco Antonio L.
Do Opera Mundi
Em Santiago, a segunda província do país, com mais de um milhão de habitantes, mais de 46.200 casas foram afetadas
O presidente de Cuba, Raúl Castro, pediu neste sábado (28/10) "esforço total" para que o país se recupere dos  prejuízos causados pelo furacão "Sandy" e convocou seu gabinete para elaborar um plano de reconstrução. A Venezuela enviou hoje 611 toneladas de ajuda humanitária para o país e também para o Haiti, atingido pelo furacão.

Efe (26/10/2012)

Moradores de Caimanera, na província de Guantánamo, retiram árvores derrubadas pela passagem do furacão "Sandy" na ilha

"Vamos fazer o máximo esforço em todos os sentidos, montar um inventário, delinear um plano e fazer com que ele seja cumprido",  disse Raúl durante uma  reunião do Conselho de Ministros sábado. O presidente enviou uma mensagem "de ânimo" aos afetados do leste da ilha e anunciou que visitaria a província de Santiago, que sofreu os maiores estragos.

Segundo o reporte deste sábado, o presidente cubano pediu "alternativas imediatas" à pane elétrica nas regiões afetadas, para que a população esteja informada, e advertiu que se deve dar "vitalidade" aos serviços "sem esperar a perfeição".
O presidente também convocou todos os organismos do país para se esforçar a fim de "recuperar o que foi danificado" e insistiu em "ganhar experiências da situação atual para futuros eventos meteorológicos". O governo da ilha ainda não divulgou as estimativas finais dos prejuízos  causados pelo "Sandy", no entanto, dados preliminares indicam que em Santiago  de Cuba as perdas são de milhões de dólares.
A Defesa Civil considera que esse número vai aumentar quando for dado  por concluído o inventário em setores como o açúcar, turismo e construção. Em Santiago, a segunda província do país, com mais de um milhão de habitantes,  mais de 46.200 casas foram afetadas, das quais 14.200 ficaram totalmente  destruídas.
Os danos estendem-se a outras províncias do leste de Cuba, como Holguín e Guantánamo. O furacão "Sandy" atingiu o sudeste de Cuba na madrugada de quinta-feira  e saiu pela costa noroeste cinco horas depois, tornando-se num dos mais devastadores a passar pelo país nos últimos anos, após ter deixado um rasto  de 11 mortos e graves prejuízos materiais.

domingo, 28 de outubro de 2012

Por que Haddad será eleito




DEBATE ABERTO

Tempos novos pedem homens novos. Estas eleições são as primeiras que se disputam sob a vigência da Ficha Limpa. E, ao contrário do que muitos temiam, o julgamento da Ação 470, pelo STF, em nada influiu sobre o comportamento dos eleitores que estão aprendendo, sim, a votar de acordo com os seus interesses e os de suas comunidades.

Data: 27/10/2012
A menos que haja um terremoto de oito pontos na escala Richter, ou os céus derramem de novo o dilúvio – e desta vez só sobre São Paulo - Fernando Haddad deverá ser eleito hoje prefeito da maior cidade do Hemisfério Sul.

O ex-ministro da Educação não é ainda uma figura carismática da política, mas sendo homem jovem, não lhe foi difícil comunicar-se com a população. Homem de boa formação, soube dialogar com os auditórios de classe média e, não sendo de postura arrogante, tampouco teve dificuldades em conversar com os que sofrem na periferia. Além disso, a candidatura de seu adversário, fora outras dificuldades, arrastava o fardo da administração Kassab. Os paulistanos queriam mudança.

A cidade de São Paulo é, em si mesma, realidade política própria – pela densa população, pela identidade cultural, e pela economia que, há quase cem anos, é a mais importante da federação. Os poderes de fato da grande cidade raciocinam com pragmatismo e, em certo momento da campanha do primeiro turno, perceberam que não deviam ver o candidato do PT como ameaça aos seus interesses. Contra os seus interesses, sim, seria a eventual vitória de Russomano, comparável a uma caixa preta indevassável.

É certo que esses poderes não decidem, por eles mesmos, uma eleição desse porte, mas ao reduzirem seu apoio a Serra – que já iniciara a corrida com os pés amarrados a uma rejeição pesada – favoreceram, de alguma maneira o candidato do PT. Essa postura se deve à circunstância de que, nas duas vezes em que o Partido dos Trabalhadores administrou a cidade – com Luísa Erundina e com Marta Suplicy – seu desempenho foi excelente. Com todos os problemas crônicos da cidade, que se explicam no mau planejamento do passado e a conseqüente expansão urbana desordenada, e a manifestação aguda dessas dificuldades - sobretudo com as enchentes, apagões e violência -, o PT agiu com zelo e prudência quando governou a capital.

Essa prudência e esse zelo contrastam com os últimos oito anos de governo dos tucanos, que transformaram São Paulo em uma cidade inabitável, conforme denunciam os mais conhecidos e respeitáveis intelectuais brasileiros, que redigiram e assinaram o manifesto em favor de Haddad - que pode ser lido nesta Carta Maior. Como se sabe, e o Manifesto destaca, o programa de governo de Haddad nasceu dos encontros com a população e com ela foi discutido exaustivamente. Seu propósito é o de devolver São Paulo ao humanismo e ao sentimento de solidariedade de todos para com todos os seus habitantes.

Esse passado a ser corrigido, somado às condições conjunturais da política, deu impulso à candidatura proposta por Lula. Houve também o convencimento político de Marta e de Erundina, de que não podiam fazer da presença do tempo de televisão de Maluf a razão para entregar a Serra a prefeitura. As duas engoliram em seco o que lhes pareceu demasia, e ajudaram a campanha, exatamente ali onde seus conselhos são mais ouvidos: na periferia.

Tempos novos pedem homens novos. Estas eleições são as primeiras que se disputam sob a vigência da Ficha Limpa. E, ao contrário do que muitos temiam, o julgamento da Ação 470, pelo STF, em nada influiu sobre o comportamento dos eleitores. Em todos os lugares, em que ganhou e perdeu e em que ganhará ou perderá hoje, o PT esteve e está sujeito ao seu desempenho próprio na circunscrição eleitoral em questão. Os eleitores, ao contrário do que, de um lado e do outro, podem pensar candidatos e partidos, está, sim, aprendendo a votar de acordo com os seus interesses e os interesses da comunidade.

Por tudo isso, pela sua gestão como Ministro da Educação, em que atuou decididamente para levar os pobres à Universidade, e mais o prestígio de Lula e Dilma, o que não é pouco, Haddad deve ganhar, e com folga, as eleições de hoje em São Paulo.