quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Investimentos externos diretos e interesses nacionais



              *José Álvaro Cardoso
          *Thomaz Ferreira Jensen
                                                                *Adhemar Mineiro
                                                                                                                                                     
         Segundo estimativa recente do Banco Central, o déficit em transações correntes totalizará US$ 53 bilhões em 2012, praticamente o mesmo patamar verificado no ano passado. Não se confirma, portanto, a deterioração deste indicador, prevista no início deste ano, quando se estimava uma entrada de investimento externo direto (IED) no montante de US$ 50 bilhões. Segundo o BC a redução do valor projetado para o déficit externo deve-se à queda do fluxo de remessa de lucros e dividendos ao exterior que, segundo o BC, em suas previsões no início deste ano, poderia chegar a US$ 39,6 bilhões neste ano. A projeção atual caiu para US$ 24 bilhões. Em decorrência da variação do câmbio e da desaceleração do nível de atividade, a remessa de lucros ao exterior diminuiu 45% entre janeiro e agosto deste ano, em comparação ao mesmo período de 2011, de US$ 25,6 bilhões para US$ 14,2 neste ano. Por outro lado, a projeção do BC é que neste ano o fluxo de IED alcance US$ 60 bilhões. Será o sexto ano consecutivo que o fluxo de IED financiará o déficit em transações correntes do Brasil.
     Dada a escassez de opções de investimentos em função da crise mundial, continua firme, portanto, o apetite do capital estrangeiro por investir no Brasil. Muitos analistas da economia brasileira acham ótimo o fenômeno e elogiam a capacidade de o Brasil atrair os investimentos externos diretos, apesar da grave crise mundial, que aguçou o medo do risco dos investidores, em todo o globo. O fato é que estes capitais para investimento direto, basicamente, vêm ao Brasil para adquirir o controle de empresas nacionais. Somente no primeiro semestre deste ano as corporações estrangeiras adquiriram 167 empresas de capital nacional, maior liquidação de empresas privadas brasileiras num único semestre de toda a história do país. A maior parte das empresas nacionais foi comprada por transnacionais com sede nos EUA, França, Inglaterra e Alemanha. Pesquisas mostram que, desde 2004, passaram a ser controladas de fora do país 1.167 empresas que antes eram nacionais, sendo 86,5% destas (1.009 empresas) desnacionalizadas após 2006, ano em que o Governo Federal passou a facilitar o ingresso no país do investimento estrangeiro direto. Ou seja, o outro lado da atração de investimento externo direto é a desnacionalização da produção no país.
     Com este processo de desnacionalização da economia se aprofundando, cada vez mais os centros de decisão econômica das empresas estarão localizados nos países centrais do capitalismo, que foram pioneiros na industrialização e no desenvolvimento – e patenteamento – de novas tecnologias. As grandes corporações transnacionais tomam suas decisões de investimento levando em conta os seus interesses estratégicos – que na maioria das vezes estão profundamente imbricados com os interesses estratégicos dos Estados Nacionais onde estão sediadas as empresas – e não os deste ou daquele país onde mantêm filiais. Empresas estrangeiras podem até ser o carro chefe da economia de país, mas neste caso, o desenvolvimento ficará à mercê das decisões destas transnacionais, em suas matrizes, e portanto fora do controle de estratégias nacionais de desenvolvimento. Além disso, um país com economia inserida de forma dependente no sistema mundial corre o risco de desindustrialização, dependendo de como as empresas transnacionais que nele atuam definirem a organização de suas cadeias de produção e seus fornecedores. A distribuição das plantas industriais dos grandes grupos capitalistas segue as suas lógicas globais, que não levam em conta os interesses de países específicos. Nos países centrais e nos demais BRICs são comuns políticas em benefício das empresas de capital nacional, especialmente nas áreas mais estratégicas da economia, e no caso da China, existe o controle do planejamento do Estado exercido pela operação direta de suas empresas e, através de acordos, com as transnacionais que lá investem. Estes países têm também uma política definida de compras governamentais que privilegia as empresas nacionais (corretamente adotadas no Plano Brasil Maior, que estabelece preferência por produtos nacionais nas compras governamentais dos setores de medicamentos, fármacos, biofármacos, retroescavadeiras e motoniveladoras, pelo que os EUA, que adotam programas como o “Buy America”, ou seja, de incentivo à compra de produtos produzidos nos EUA, nos acusam de protecionismo).
As empresas estrangeiras que adquirem empresas brasileiras são, regra geral, megacorporações transnacionais, com seus centros de pesquisa localizados em geral nos países onde ficam as suas sedes. Se deixar ao sabor das estratégias dessas empresas, a aquisição de empresas nos países periféricos não significa transferência de tecnologia. Longe disso, significa continuar dependente de importação de tecnologia, forma clássica pela qual as transnacionais remetem divisas ao exterior. Mais do que isso, com a venda de empresas nacionais, centro de pesquisas podem ser fechados, seguindo uma estratégia global desses grandes capitais, com evidentes efeitos sobre a educação e os investimentos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, “exportando” dessa forma os melhores empregos, aqueles que requerem mais capacitação e uso do conhecimento.
*Técnicos do DIEESE.

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