quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O capitalismo feliz


Opinião - 
Valor Econômico - 28/11/2012
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José Luís Fiori
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A história do desenvolvimento capitalista dos séculos XIX e XX registra a existência de alguns países com altos níveis de desenvolvimento, riqueza e qualidade de vida, e com baixa propensão nacional expansiva ou imperialista. Como é o caso das ex-colônias britânicas, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, e dos países nórdicos, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia.

Todos apresentam taxas de crescimento alta, constante e convergente, desde 1870, só inferior à da Argentina, até a Primeira Guerra Mundial. Hoje são economias industrializadas, especializadas e sofisticadas. A Noruega tem a 3ª maior renda per capita, e o maior índice IDH (0,943), do mundo; a Austrália tem a 5ª renda per capita, e o 2º melhor IDH do mundo (0, 929); e quase todos têm uma renda média per capita entre US$ 50 mil e US$ 60 mil anuais. A Noruega é considerada hoje o país mais rico do mundo, em "reservas per capita", e foi considerada pela ONU, em 2009, como "o melhor país do mundo para se viver". A Dinamarca já foi classificada, entre 2006 e 2008, como "o lugar mais feliz do mundo", e o segundo país mais pacífico da terra, depois da Nova Zelândia, e ao lado da Noruega.

Canadá, Austrália e Nova Zelândia foram colônias de povoamento da Inglaterra, durante o século XIX, e depois se transformaram em domínios da coroa Britânica, até depois da Segunda Guerra Mundial. Mas até hoje são nações ou reinos independentes que fazem parte do Commonwealth e mantêm o monarca inglês como seu chefe de Estado. Como colônias e domínios funcionaram sempre como periferia da economia inglesa, mesmo depois de iniciado seu processo de industrialização, mantendo-se - em média - a participação do capital inglês, em até 2/3 da formação bruta de capital desses três países. E todos eles estabeleceram relações análogas com a economia americana, depois do fim da Segunda Guerra Mundial.

Os países nórdicos se tornaram satélites especializados do sistema de produção e do poder europeu

Neste século e meio de história, o Canadá - como caso exemplar - esteve ao lado da Grã Bretanha e dos EUA na Primeira e Segunda Guerras Mundiais, além de participar Guerra dos Boers e da Guerra da Coreia e de ser um dos membros fundadores da OTAN, em 1949. Participou das guerras do Golfo, do Iraque, do Afeganistão e da Líbia, e participa diretamente do sistema de defesa aeroespacial americano. E o mesmo aconteceu, em quase todos os casos, com a Austrália e a Nova Zelândia.

Por outro lado, os países nórdicos foram expansivos, e a Suécia em particular foi um grande império dominante, dentro da Europa, até o Século XVIII. Mas depois de sua derrota para a Rússia, em 1720, e depois da sua submissão dentro da hierarquia de poder europeia, os estados nórdicos se transformaram em pequenos países, com baixa densidade demográfica e alta dotação de recursos naturais, funcionando como pedaços especializados e cada vez mais sofisticados do sistema produtivo europeu.

A Suécia ficou famosa pelo "sucesso" de sua política econômica anticíclica ou "keynesianas", depois da crise de 1929, mas de fato logrou superar os efeitos da crise graças à suas condição de sócia econômica e fornecedora de aço e equipamentos para a máquina de guerra nazista, que também ocupou a Dinamarca e exerceu grande influencia sobre a região, durante toda a Segunda Guerra Mundial.

Depois da guerra, a Dinamarca e a Noruega se tornaram membros da OTAN, e a Dinamarca segue sendo uma passagem estratégica para o controle do mar Báltico. Por sua vez, a Suécia participou das Guerras do Kosovo e do Afeganistão, e foi fornecedora de armamentos para as forças anglo-saxônicas, na Guerra do Iraque. Por último, a Finlândia, que fez parte da Suécia, até 1808, e da Rússia, até 1917, acabou ocupando um lugar fundamental dentro da Guerra Fria, até 1991, e ainda ocupa uma posição estratégica até hoje, no controle da Baia da Finlândia e da própria Rússia.

Por tudo isto, apesar de esses países terem origens e trajetórias diferentes, é possível identificar algumas coisas que eles têm em comum:

1) São pequenos ou têm uma densidade demográfica muito baixa.

2) Têm excelente dotação de recursos alimentares, minerais ou energéticos.

3) Todos ocupam posições decisivas no tabuleiro geopolítico mundial.

4) E todos se especializaram em serviços ou setores industriais de alta tecnologia, e em alguns casos, dentro da industria militar.

Alguns diriam que se trata de um caso típico de "desenvolvimento a convite", mas isto quer dizer tudo e nada ao mesmo tempo. O fundamental é que o sucesso econômico desses países não se explica por si mesmo, porque desde o século XIX, os "domínios" operaram como fronteiras de expansão do "território econômico" inglês, e como bases militares e navais do Império Britânico. E os países nórdicos, depois que foram submetidos, se transformaram em satélites especializados do sistema de produção e do poder expansivo europeu. E hoje, finalmente, todos esses sete países operam como pequenas "dobradiças felizes" da estrutura militar e do poder global dos Estados Unidos.

José Luís Fiori professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". Escreve mensalmente às quartas-feiras.

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