quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O Brasil está na direção certa?


Do Interesse Nacional
Por: Jorge Arbache*
Vivemos num mundo mais complexo
Parece-nos razoável considerar que a crise econômica de 2008/09 teria sido um divisor de águas entre os séculos XX e XXI. Isto porque, de um lado, a crise fez o mundo rever dogmas que pareciam intocáveis nas últimas décadas, em especial aqueles associados ao mercado e às intervenções públicas. De outro lado, a crise levou a nocaute os Estados Unidos e o projeto Europa, acelerou o fim da era japonesa de potência econômica e deu vazão para que os BRICS assumissem crescente protagonismo. De imediato, a crise fez emergir incertezas, volatilidade e riscos e, posteriormente, levou à redução do crescimento mundial. Ao que parece, esse será o ambiente que nos acompanhará, ao menos ao longo desta década.
Grandes transformações têm tido lugar quase que simultaneamente e com implicações difíceis de prever. A crise europeia, por exemplo, tem diferentes desfechos possíveis, que vão desde o colapso do euro à radicalização do projeto de integração com as suas devidas implicações econômicas, políticas e sociais. Qualquer que seja o desfecho, haverá mudanças de porte não apenas para a Europa, mas para todo o mundo, com a certeza de que a crise do endividamento se prolongará ainda por muitos anos.
O emprego de políticas de capitalismo de Estado vem se popularizando mundo afora à medida que a crise econômica e as incertezas se agravam. As políticas da China e o fracasso de orientações econômicas ultraliberais, como algumas perseguidas pelos Estados Unidos até antes da crise financeira, têm encorajado líderes econômicos e políticos a reconsiderarem o uso de instrumentos de proteção dos mercados. Mas, as experiências de intervenção de países emergentes têm coexistido com manifestações de intervencionismo também nos países desenvolvidos, tal como atestam medidas inéditas como quantitative easing e bailouts, com suas profundas repercussões na alocação de recursos e na formação de preços domésticos e internacionais. Essas intervenções são especialmente relevantes devido ao tamanho daquelas economias e ao fato de suas moedas serem reserva de valor internacional, criando e agravando desequilíbrios macroeconômicos internacionais e acentuando as condições já assimétricas de competição.
Encontra-se em esboço uma nova geografia da produção e da inovação. Os Estados Unidos voltaram a dar atenção para a indústria e o setor já é um dos principais responsáveis pelo crescimento do produto e do emprego naquele país. Apoiadas por políticas industriais e monetárias heterodoxas, por novas tecnologias e pelo aumento dos custos do trabalho na China, as exportações industriais americanas vêm aumentando, e seus efeitos já se fazem sentir. Embora os custos do trabalho nos Estados Unidos sejam muito mais elevados que nos países emergentes, o uso de sofisticadas tecnologias e a elevada produtividade do trabalho têm compensado o diferencial de custos e estão contribuindo para recolocar o país no mapa da indústria. Já se observa um crescente movimento de retorno de plantas industriais americanas antes operando em países de baixo custo, o que levou o presidente da GE, Jeffrey Immelt, a declarar recentemente que “outsourcing is quickly becoming mostly outdated as a business model”.
Grandes transformações
De outro lado, países asiáticos, como Índia, Vietnã e Indonésia, e países africanos estão investindo na manufatura de massa, encorajados pelo crescimento dos mercados domésticos e regionais, aumento dos custos do trabalho na China e busca das multinacionais por diversificação geográfica da produção. A China, por sua vez, deverá investir cada vez mais nessas regiões para produzir manufatura de massa ao tempo em que ela faz a sua transição econômica através de um profundo upgrade tecnológico.
Por certo, os chineses têm feito conquistas notáveis em áreas tão diversas como tecnologia espacial, supercomputadores, nanotecnologia, indústria mecânica e medicina. Com avanço científico e tecnológico, as exportações chinesas estão se movendo na cadeia de valor e já competem com os países desenvolvidos – as exportações de bens de capitais deverão ultrapassar as da Alemanha em 2012 e já deixaram as japonesas para trás.
No campo da energia, grandes mudanças já apontam no horizonte. Os Estados Unidos, de maior importador, estão se transformando numa grande potência em hidrocarbonetos. Novas tecnologias estão viabilizando a exploração de gás e óleo de xisto e a Agência Internacional de Energia já prevê que os Estados Unidos ultrapassarão a Arábia Saudita como maior produtor mundial de petróleo, ainda antes de 2020, transformando-se em exportador líquido por volta de 2030. Essa revolução energética já traz e trará impactos ainda maiores para o novo mapa da produção.
O avanço dos BRICS talvez tenha sido a mais significativa novidade deste início de século. O PIB combinado desses países passou de US$ 2,8 trilhões, em 2002, para US$ 13,3 trilhões, em 2011, e a participação na economia global saltou de 8% para 19%. Juntos, eles controlam US$ 4,4 trilhões em reservas internacionais, cerca de 40% do total. Os programas econômicos para mitigarem os efeitos da crise de 2008/09 levaram a que esses países fossem responsáveis por nada menos que 75% do crescimento global dos últimos quatro anos.
As commodities, fonte fundamental de recursos externos de muitos países, tornaram-se alvos de especulação financeira e causa e consequência de volatilidade, expondo e fragilizando os países exportadores, fomentando bolhas especulativas e impactando o câmbio e as taxas de inflação.
A chamada Primavera Árabe e o enfraquecimento político da Europa, do Japão e da Rússia ainda não foram substituídos por uma nova ordem, tornando a governança e a gestão dos problemas mundiais mais difíceis e complexas. Ao mesmo tempo, tem-se tido dificuldades para se chegar a consensos políticos e para a busca de soluções de problemas comuns, como atestam os limitados avanços nos acordos do clima e do comércio. O aumento da pobreza e da desigualdade nos países desenvolvidos, em decorrência da crise, juntamente com a polarização política doméstica, darão vazão a tensões, dificultando a conquista de consensos. Novas fontes de instabilidades políticas estão emergindo, como as que envolvem China e Japão e China e Índia. Um eventual conflito armado entre Israel e Irã poderá ter consequências para a recuperação econômica mundial.
Observam-se grandes transformações também no Brasil e entre as principais estão aquelas associadas à mudança demográfica e ao advento de grupos com crescente influência, tais como a nova classe média e a geração do pós-60 anos. De fato, a rápida e acentuada queda do ritmo de crescimento da população brasileira terá implicações fundamentais no sentido de moldar um futuro diferente do que vivemos – um futuro em que a força de trabalho cresce cada vez mais lentamente e em que a elevação da razão de dependência dará origem a novos desafios econômicos. As mudanças no perfil do eleitor e do consumidor mediano, a inclusão social, o aumento da renda e a ascensão de milhões à classe média influenciarão a política, a economia e a cultura.
Todas essas transformações, juntamente com a globalização, estão alterando os limites e o alcance das intervenções públicas e afetando a autoridade e a capacidade de regulação do Estado na economia. O mundo se tornou um lugar mais complexo e desafiador.
Implicações e desafios para o Brasil
Essas transformações trazem desafios não negligenciáveis para o Brasil. Embora a crise tenha se originado e esteja concentrada nos países avançados, os canais de transmissão do comércio internacional, crédito e fluxo de capitais estão contagiando toda a economia mundial. O Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e outros organismos econômicos multilaterais já estimam que a atividade econômica mundial permanecerá abaixo do nível pré-crise por pelo menos mais dois anos, afetando, assim, as perspectivas do crescimento brasileiro.
A segunda onda da crise revelou a forte interdependência econômica entre os países e a noção de que não é mais possível crescer sozinho por muito tempo. O comércio mundial, fonte fundamental do crescimento de várias economias, vem desacelerando nos últimos trimestres. Esses efeitos já se refletem na tendência de queda dos preços das commodities, em geral, e das metálicas, em particular, o que poderá ter impactos no crescimento das economias dependentes dessas exportações, como o Brasil.
Diante de um quadro geral de desaceleração, países mais dependentes de exportações, como China e Alemanha, terão mais dificuldades em manter suas taxas de crescimento do que países que dependem menos do comércio, como o Brasil. Por outro lado, o Brasil depende bastante dos preços de commodities, muito sensíveis ao ciclo econômico. O mercado interno de consumo, principal fonte de crescimento do Brasil, o que o protege, de certa forma, da crise internacional, já mostra sinais de esgotamento.
Uma fonte adicional de preocupação para o Brasil é o protecionismo, uma das facetas do capitalismo de Estado. O protecionismo amplia as incertezas nos investimentos e na produção e obstrui o comércio, importante fonte de recuperação da economia brasileira e mundial, piorando as condições já fortemente assimétricas de competição. Além disso, tende a fomentar reações mercantilistas e alimentar tensões políticas entre países, como já se observa entre China e Estados Unidos. Nesse ambiente, economias dos países com maior força política e poder para influenciar os mercados e instituições, como Estados Unidos, União Europeia e China, tendem a ser favorecidas.
A nova geografia da produção redesenhará a economia mundial e as consequências para o Brasil serão significativas. De imediato, apontam para um aumento da competição nos mercados. No médio prazo, haverá substanciais mudanças nas cadeias globais de produção, redes mundiais de inovação, comércio internacional, fluxos de capitais e na geração de emprego e renda. Esse complexo processo de transformação aumentará a pressão sobre a economia brasileira.
As prováveis consequências para o Brasil da entrada de países asiáticos na indústria são o aumento dos custos de produção e o acirramento da competição nos mercados de produtos menos elaborados e intensivos em trabalho. Já as prováveis consequências decorrentes do upgrade tecnológico da China e do renascimento da indústria americana serão o aumento da competição nos mercados internacionais, em geral, e no de médio e alto valor agregado, em particular. Se, de um lado, a China abrirá espaço para economias como a brasileira produzirem manufaturas de menor valor agregado, por outro, aumentará a competição nos mercados de bens de mais alto valor agregado, incluindo aeronaves, bens de capitais, produtos químicos e de telecomunicações, setores em que o Brasil já ocupa espaço e ambiciona expandir a sua presença.
O avanço dos Estados Unidos na manufatura já afeta o Brasil. De fato, o saldo comercial bilateral de bens manufaturados passou de historicamente positivo, para o Brasil, para fortemente negativo. A queda do custo da energia nos Estados Unidos em razão do gás e do óleo de xisto também já afetam o Brasil, onde o preço do gás é quatro vezes mais alto, e já provoca a transferência de investimentos industriais para aquele país.
O rápido aumento da taxa de dependência, em uma economia com ainda baixo crescimento da produtividade e da poupança, terá consequências não negligenciáveis para o financiamento das crescentes despesas com a saúde e a previdência social, e para a competitividade e inserção internacional da economia. A elevação dos salários reais, em um contexto de baixo crescimento da produtividade do trabalho, afeta a competitividade internacional, especialmente a dos setores mais intensivos em trabalho e mais expostos à competição global, fazendo com que várias atividades já enfrentem dificuldades para competir com produtos e serviços importados.
A escassez e a elevação dos custos do trabalho já estão se transformando em componentes estruturais da formação de preços. De fato, os salários reais estão menos sensíveis às desacelerações e mais sensíveis às acelerações econômicas, originando três importantes efeitos. O primeiro, é que esse regime tende a elevar a taxa de inflação de equilíbrio. O segundo, é que o mercado de trabalho está se tornando variável crítica para a determinação do crescimento com baixa inflação, com a agravante de que a sua influência deverá aumentar nos próximos anos. O terceiro, é que aumentam os desafios do Banco Central de gerir a política de metas de inflação. As consequências negativas do aquecimento do mercado de trabalho concorrem para elevar os riscos e a exposição da economia a choques externos, limitar a rentabilidade dos investimentos, especialmente na indústria, fomentar a primarização da economia e constranger o crescimento do produto potencial. Se, no curto prazo, o aquecimento do mercado de trabalho beneficia os trabalhadores, em geral, e os menos qualificados, em particular, no médio prazo, é um risco para o crescimento sustentado e para a sedimentação das conquistas sociais dos últimos anos.
Esse ambiente, muito mais complexo, torna o exercício da política econômica ainda mais difícil. Mas, é também um ambiente que oferece oportunidades para a redução do hiato de renda entre o Brasil e os países desenvolvidos.
O Brasil está na direção certa para aproveitar essas oportunidades?
Embora os desafios sejam grandes, as várias oportunidades de crescimento associadas à economia doméstica e internacional poderão ser decisivas para atrair investimentos e reduzir o hiato de renda entre o Brasil e os países industrializados. O aumento da renda familiar, os programas de inclusão social, a legislação que encoraja a formalização de firmas, o maior acesso ao crédito, o alongamento dos prazos dos créditos para aquisição da casa própria, juntamente com a ascensão social de milhões de pessoas, favorecem investimentos em várias áreas.
O desenvolvimento regional acelerado, notadamente do Centro-Oeste e Nordeste, incluindo as áreas rurais e cidades de menor porte, também têm criado novas oportunidades de investimento. A expansão da indústria farmacêutica e automobilística na cidade de Anápolis, no interior de Goiás, é apenas um exemplo de sucesso entre muitos outros. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) promoverá investimentos de mais de R$ 1 trilhão, nos próximos anos, com ênfase em projetos de energia e moradia que, ao lado das PPPs e de concessões em saúde e infraestruturas, reduzirão o custo Brasil e criarão novas oportunidades de negócios.
A criação do Funpresp, o fundo de pensão dos servidores públicos, bem como a ênfase do governo em fortalecer os fundos de pensão abertos, ampliarão as fontes de poupança, elemento crítico para a redução do custo do capital e para o crescimento sustentado. De outro lado, a recente decisão do governo de privilegiar os investimentos, em detrimento do consumo, para proteger a economia dos choques externos, também fortalecerá as perspectivas de crescimento sustentado.
Os grandes eventos esportivos e o amadurecimento de políticas públicas, como as medidas de compras governamentais, regras de conteúdo local, fortalecimento de medidas antidumping e de defesa comercial, fundos setoriais e novos fundos para inovação, extensão do Programa de Sustentação dos Investimentos (PSI) do BNDES, melhoria das condições de financiamento das exportações, criação de novos instrumentos de financiamento de longo prazo e a redução dos impostos incidentes sobre a folha de pagamentos, também contribuirão para melhorar o clima de investimentos e a competitividade da economia.
Muito além das oportunidades do mercado doméstico em expansão, das obras do PAC e das PPPs, o Brasil pode, e deve, aspirar a participar da nova geografia da produção. Isto porque o país tem oportunidades, talvez únicas, para o desenvolvimento tecnológico e industrial por meio da economia do conhecimento e da inovação dos recursos naturais. Áreas como petróleo e gás, agroindústria, biodiversidade, biotecnologia, tecnologias verdes e saúde são grandes fronteiras para o desenvolvimento.
Mas, a exploração do pré-sal é a nossa maior oportunidade de investimentos, de avanço tecnológico, de adensamento e dinamização de cadeias produtivas. Como ainda não se dominam totalmente as tecnologias de exploração e logística do pré-sal, abre-se um gigantesco leque de oportunidades para investimentos. Há grande valor social e justificativa econômica para o fomento dessas atividades, pois tratam-se de atividades novas – atividades de descoberta. Por isso, o governo pode e deve incentivar, e até participar, com o setor privado, nos riscos envolvidos. Essa fronteira de desenvolvimento tem enorme potencial de retornos crescentes, estáticos e dinâmicos, rendimentos crescentes, ganhos de produtividade, externalidades, alto valor agregado e desenvolvimento de capacidades e competências.
Estima-se que serão investidos US$ 354 bilhões no setor de petróleo e gás, entre 2012 e 2015, o que representa 59% das perspectivas de investimentos totais no período. Mas, o verdadeiro ouro negro, que poderá emergir do pré-sal, não é o petróleo, e sim as soluções para os desafios científicos e tecnológicos, logísticos e de equipamentos e materiais requeridos pela cadeia produtiva do setor. Se desenvolvidos pelas universidades e centros de pesquisa e absorvidos pela indústria nacional, esses conhecimentos e competências poderão ter efeitos profundos em vários outros setores industriais, com impactos econômicos e sociais sem precedentes.
Política econômica estratégica
O desafio do Brasil, nessa área, será gerir de forma e ritmo adequados e abrangentes essas oportunidades em favor do crescimento econômico sustentado. É preciso que tais oportunidades sejam vistas pela ótica da política econômica estratégica, devido aos seus efeitos e implicações para o bem-estar e para a inserção internacional do país. Serão necessários, para tanto, grandes esforços de inteligência e coordenação de políticas, políticas de fomento, geração e transferência de tecnologias, capacitação de universidades, centros de pesquisa e indústria nacional, para que tenham participação ativa no pré-sal, e políticas que fomentem o transbordamento dos avanços tecnológicos, industriais e de serviços para outros setores. Também será preciso mobilização em torno de políticas que integrem o governo, indústria, universidade, legisladores e sindicatos.
Se as oportunidades de investimentos são assim tão grandes, por que, então, a economia vem crescendo pouco e a indústria vem perdendo participação no PIB? Em parte, isso se deve ao fato de que algumas daquelas oportunidades ainda estão por acontecer, os custos de produção são elevados e a produtividade cresce pouco. Segundo Souza (2012), entre 2001 e 2011, os custos unitários do conjunto de insumos empregados na indústria de transformação subiram 126%. Para que a competitividade externa fosse preservada, teria sido necessária uma substancial depreciação do real. Mas, em vez disso, a moeda apreciou-se fortemente naquele período.
A redução dos custos em dólar é condição fundamental para que a economia brasileira seja capaz de competir e, assim, aproveitar as oportunidades de crescimento. Para tanto, são necessárias políticas que incluam medidas cambiais de aumento da produtividade e de redução dos custos de produção.
Vencer os obstáculos
Desde meados de 2011, com o objetivo de se reverter o processo de perda de competitividade da economia brasileira, introduziram-se mudanças no mix de política econômica. Por meio da combinação de redução da taxa básica de juros com elevação da taxa de câmbio, promoveu-se, ao mesmo tempo, redução do custo do capital e de outros custos medidos em dólar. Essas mudanças foram acompanhadas por medidas específicas voltadas para a redução dos custos e aumento da competitividade. Várias medidas foram adotadas com este fim, podendo-se destacar a eliminação dos encargos previdenciários sobre a folha de salários, anúncio de redução da tarifa de energia elétrica industrial e a redução dos juros nos empréstimos do BNDES para aquisição de bens de capital.
Essas medidas tiveram o mérito de mostrar a viabilidade das mudanças na política econômica com vistas a reduzir, ao menos no curto prazo, o hiato de competitividade da economia brasileira, tal como refletido na melhoria recente do perfil do comércio de bens manufaturados. Contudo, para prosseguir avançando e se recuperar a competitividade, será necessário vencer obstáculos e, dentre os mais importantes, estão os da produtividade, tecnologia e inovação e infraestrutura.
De fato, uma das características mais marcantes da economia brasileira é a modesta produtividade do trabalho. Os indicadores de produtividade do Brasil são baixos para padrões internacionais e ficam atrás dos demais países do BRICS. O fenômeno do baixo crescimento da produtividade do trabalho é, certamente, multifacetado, mas, entre os principais fatores, estão as deficiências na educação básica, profissional e tecnológica, limitadas infraestruturas – de telecomunicação a logística – e limitado investimento em tecnologia e inovação.
A produtividade da mão de obra requer, acima de tudo, mais e melhor qualificação geral da força de trabalho e de capital humano específico. Entretanto, a alta rotatividade do trabalho, que tanto caracteriza o Brasil, e que se agravou com o aquecimento do mercado de trabalho, desestimula o investimento da empresa e do próprio trabalhador em treinamento.
Muito embora o Brasil tenha feito notável progresso na educação, nos últimos anos, tendo a escolaridade média da população de 15 anos ou mais passado de 6,4 para 7,5 anos, entre 2000 e 2010, ainda há muito a ser feito. Isto porque houve um “efeito maré”, em que muitos países emergentes em estágio comparável de desenvolvimento também elevaram a escolaridade média.
A adoção de novas tecnologias e inovações aumenta a eficiência e a produtividade do trabalho, reduz custos, diferencia produtos, agrega valor, contribui para a conquista de novos mercados e leva as empresas a operarem em mercados menos “commoditizados” e competitivos. Mas, o Brasil tem avançado pouco em desenvolvimento tecnológico. Os investimentos, tanto públicos quanto privados na área de ciência, tecnologia e inovação precisam ser elevados para reduzir o distanciamento dos líderes mundiais. Embora haja sinais de melhorias recentes, o Brasil ainda ocupa posição desconfortável no ranking mundial de inovação. Indicadores da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec/IBGE), de 2008, mostram que as empresas brasileiras investem pouco em inovação, e a maior parte das que investem o fazem através da aquisição de máquinas e equipamentos.
Enquanto os efeitos da produtividade, tecnologia e inovação e infraestrutura não se materializam, será preciso contar com a taxa de câmbio para compensar o atraso e dotar as empresas de capacidade para competir. Na medida em que o país se mostre eficiente em reduzir seus custos sistêmicos e a produtividade cresça a um ritmo superior ao dos concorrentes, a desvalorização cambial deverá ser progressivamente ajustada.
Olhando para além das políticas de curto prazo, um projeto econômico que tenha como objetivo o crescimento sustentado deve contemplar pelo menos dois pilares fundamentais: a elevação das taxas de poupança e de investimento. A elevação da taxa de investimento requerida para a expansão do crescimento e da produtividade, se não acompanhada por elevação da taxa de poupança doméstica, exigirá, inevitavelmente, aumento da taxa de poupança externa, ou seja, do déficit do balanço de pagamentos em conta corrente. O processo por meio do qual aumenta o déficit em conta corrente como proporção do PIB ocorre, via de regra, por meio de apreciação real da taxa de câmbio, que torna os produtos estrangeiros relativamente mais baratos e os nacionais menos competitivos. A forma de evitar, em médio prazo, esta consequência indesejada, é por meio do aumento da taxa de poupança doméstica, inclusive, e, sobretudo, a do setor público. Esta, por sua vez, vai requerer ajustes nos gastos correntes e nas renúncias fiscais, sem abrir mão dos investimentos públicos.
Comentários finais
E muito provável que aumentem os obstáculos para o crescimento do Brasil, nos próximos anos. Isto porque as condições da economia mundial continuarão difíceis, o protecionismo constrangerá os mercados, a taxa de crescimento da China desacelerará, o Brasil já se aproxima do chamado middle income trap, parte da inclusão social já aconteceu e o espaço para se fazer política econômica diminuiu.
Mas, por mais paradoxal que possa parecer, a atual crise econômica mundial e os seus desafios podem favorecer o Brasil ao permitir que o país ganhe mais tempo para introduzir e implementar políticas e reformas que reduzam custos, aumentem a poupança e elevem a produtividade e a competitividade. Porém, é preciso senso de urgência e de oportunidade. E será preciso uma ação combinada do setor público e do setor privado, além de planejamento, coerência, coordenação e muita capacidade de implementação de política.
A despeito da redução do espaço de política econômica, o Estado continuará tendo papel central na organização social e econômica, devendo sua margem de intervenção ser reconsiderada à luz, inclusive, das exigências reveladas pela crise, por falhas de mercado e dificuldades de coordenação dos agentes privados. As intervenções públicas deverão garantir, sobretudo, a segurança jurídica, o fortalecimento das instituições de concorrência, regulação e supervisão, promoção do crescimento, emprego e empreendedorismo e a condução dessas atividades de modo eficiente, transparente e equilibrado, tanto no âmbito social como ambiental.
Por fim, muito além da redução do hiato de renda com os países desenvolvidos, o maior desafio do Brasil, hoje, é consolidar os fantásticos avanços sociais conquistados na última década. É preciso garantir que a história não se repetirá quando, por não terem sido consolidados, avanços sociais se perderam em períodos de desaceleração do crescimento.

*Jorge Arbache - economista; assessor da presidência do BNDES e professor da Universidade de Brasília.

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