sábado, 16 de fevereiro de 2013

“Adeus periferia”. Carta Capital entrevista Emb. Samuel Pinheiro Guimarães


 
 
 
 
 
 


Samuel Pinheiro Guimaraes
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, um dos principais formuladores da política externa do Governo Lula
Pouco conhecido e muito falado, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães deixou a Secretaria de Relações Exteriores do Itamaraty para ocupar, há duas semanas, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Trata-se do homem acusado de tentar doutrinar diplomatas e de ser o representante do anti-imperialismo mais retrógrado nas relações internacionais do governo Lula.
O tempo lhe deu razão ao defender a política Sul-Sul, de favorecimento das relações com a África e os vizinhos sul-americanos. Em entrevista exclusiva à CartaCapital, o embaixador, que aos 70 anos estava às vésperas de se aposentar do serviço público, assume seu nacionalismo e as restrições à globalização, e acusa os governos anteriores de terem se alinhado “em excesso” aos EUA.
Chamado de “guru de Hugo Chávez” pelo próprio Lula, Guimarães recebeu do presidente a incumbência de planejar estratégias para 2022, quando se completam 200 anos de independência. Muito embora, para o autor de Quinhentos Anos de Periferia (Contraponto Editora), o futuro do “país do futuro” já tenha chegado. “Ainda há muito a ser feito, mas o Brasil está deixando a periferia, sem dúvida.”
CC: O senhor chegou a ter um cargo no governo Fernando Henrique Cardoso, do qual foi afastado por fazer restrições públicas à entrada do País na Área de Livre Comércio das Américas (Alca), é assim?
SPG:
Em 1995, fui designado diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais e fiquei no cargo até 2001. Expressei minha opinião sobre o que considerava serem riscos para a economia brasileira se o País viesse a participar da Alca. Em entrevistas, artigos e até no meu -livro Quinhentos Anos…, que é anterior, de 1999, onde há todo um capítulo sobre esse tema. Dois anos depois, acharam que o debate não era oportuno. E eu achei que era.
CC: O tempo mostrou que o senhor estava correto.
SPG:
Sim, teria sido gravíssimo. Hoje não teríamos o Banco do Brasil como banco estatal, nem a Caixa, nem o BNDES, que foi o que permitiu que escapássemos de um impacto maior da crise financeira. Sofremos um impacto na área de exportações, porque os outros países foram se contraindo. Mas internamente não, em grande parte porque o sistema de crédito brasileiro era regulamentado e, se viesse a ser assinada a Alca, seria altamente desregulamentado. Eram as ideias da época. Por outro lado, não teríamos a Petrobras e, portanto, não sei se teríamos o pré-sal.
CC: O senhor tem se envolvido na questão energética. Será uma de suas prioridades na secretaria?
SPG:
Uma das áreas que o presidente indicou foi o desenvolvimento de um projeto para o Brasil em 2022. Isso abrange, naturalmente, energia. Nós gostaríamos, também, que o Brasil tivesse certo nível de renda. Isso significa aumento da produção e aumento dos investimentos, inclusive na área de energia. Outra questão importante é definir uma estratégia de desenvolvimento da Amazônia.
CC: O senhor se considera um nacionalista?
SPG:
Considero que coloco os interesses do Brasil, dos brasileiros, das empresas brasileiras, acima dos interesses das que não são.
CC: A política Sul-Sul foi ideia sua?
SPG:
Não me considero formulador da política externa. O presidente e o ministro Celso Amorim tinham uma ideia muito precisa das prioridades. A primeira era a relação com os vizinhos da América do Sul, depois a África. Só aí já temos praticamente dois terços do Sul. O presidente, quando tomou posse, tinha uma vastíssima experiência internacional que na época não se deram conta, tinha feito mais de uma centena de viagens ao exterior. O primeiro mandatário estrangeiro que recebeu em sua casa foi Helmut Schmidt (chanceler alemão de 1974 a 1982), se não me engano. Quando visitou a Líbia pela primeira vez como presidente, com grande preocupação da imprensa, já tinha ido três vezes antes, conhecia o líder da revolução. Era totalmente experiente no trato das questões internacionais. E Celso Amorim já tinha sido embaixador junto às Nações Unidas, em Genebra, em Londres. Também tinha uma vasta experiência internacional, em temas políticos e econômicos, o que não é muito comum. Talvez, pelo que já escrevi, tenha tido possibilidade de colaborar para que certos temas fossem considerados estratégicos, como a questão da integração sul-americana.
CC: O Brasil está deixando a periferia de que o senhor trata no seu livro?
SPG:
Ainda há muito a ser feito, mas, sem dúvida, está deixando. O número de pessoas abaixo da linha de pobreza caiu, cresceu a chamada classe média. Aumentou o número de pessoas pobres na universidade, através do ProUni, os empregos formais. O salário mínimo subiu acima da inflação. O Brasil é o segundo maior -país subdesenvolvido em termos de ingresso de capitais, depois da China. E os capitais estrangeiros vêm porque é lucrativo, não viriam para perder. Não que muitas coisas não existissem, mas há uma diferença na qualidade e na quantidade muito grande. As exportações se multiplicaram por quatro, o comércio com a África quintuplicou. No entanto, há um silêncio conveniente sobre os sucessos… Pode-se sempre dizer: multiplicou por cinco, mas… É a famosa palavra que hoje se encontra com frequência, “mas”… Como a manchete que vi outro dia: ‘O emprego aumentou, mas a informalidade não diminuiu’. Há sempre um “mas”.
CC: O senhor acha que existe uma má vontade com o governo?
SPG:
Não é má vontade. Hoje em dia, especificamente, há uma questão política, de embate político entre partidos.
CC: A mídia está incluída nisso?
SPG:
Diria que há uma insuficiente cobertura das realizações e uma excessiva cobertura de microeventos. Toma-se um pequeno evento, cria-se uma enorme celeuma, depois ele desaparece. Não é comprovado e desaparece. Mas a população brasileira sabe das realizações do governo. Ninguém tem esses índices de popularidade após seis anos e meio por acaso.
CC: Após a escolha do Rio para as Olimpíadas, começou a haver releituras do livro Brasil, o País do Futuro, de Stefan Zweig, antes visto de forma pejorativa, como se o Brasil nunca fosse para…
SPG:
Sim, a ideia depreciativa de que o Brasil é do presente, nunca do futuro. Talvez Zweig tenha sido um profeta, talvez o futuro já tenha chegado. O futuro está em curso.
CC: O presidente Lula chama o senhor de guru do Hugo Chávez. Como é isso?
SPG:
O presidente Chávez tomou conhecimento do meu livro Quinhentos Anos… e leu, segundo disse, várias vezes. De modo que é uma forma carinhosa de o presidente se manifestar. E um exagero. Chávez não precisa de guru.
CC: Recentemente, o ex-ministro das Relações Exteriores mexicano Jorge Castañeda insinuou em uma entrevista que a ideia de abrigar Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Honduras foi sua.
SPG:
Não tem nada disso. O presidente Zelaya procurou a Embaixada do Brasil. Ele é o presidente eleito, legítimo, que foi deposto por um golpe de força. Então é o presidente que o Brasil reconhece. Os golpistas é que não podem ter embaixador aqui.
CC: O senhor tem fama de ser um professor muito rígido no Instituto Rio Branco. É mesmo?
SPG:
Ao contrário, sou um professor muito leniente. A senhora já encontrou a minha ampulheta? (Foi publicado que Guimarães contava o tempo dos subordinados com uma ampulheta.) Nunca existiu. As pessoas vão inventando coisas.
CC: O senhor foi acusado de doutrinar diplomatas, obrigando-os a lerem livros supostamente esquerdistas.
SPG:
Era uma ideia de reciclagem. Quando o diplomata retornava ao Brasil, antes de voltar a trabalhar, pedia que lessem certos livros. Primeiro, a vida do Barão do Rio Branco: as pessoas devem conhecer o patrono de sua casa. É um livro do Álvaro Lins, considerado a melhor biografia do barão. Depois, um livro sobre a economia do Brasil de 1930 a 1964, do professor Ricardo Bielchowski, com prefácio de Roberto Campos e Celso Furtado, o que mostra sua isenção. Tanto um economista mais à esquerda quanto outro mais à direita acham que é um livro muito bem-feito. E, por último, Brasil, Argentina e Estados Unidos, de Luiz Alberto Moniz Bandeira. No dia em que ler livros for considerado algo ruim, estaremos muito mal.
CC: Como o senhor responde às acusações de ser antiamericano?
SPG:
Não me considero antiamericano, sou sempre a favor do Brasil. Os EUA são o país mais importante do mundo. Em todas as questões, a posição americana é muito importante, fundamental. Meio ambiente, comércio, questões militares, políticas. Mas a visão dos EUA às vezes é diferente da do Brasil, isso não tem nada de mais. Agora, em muitas ocasiões do passado, as pessoas julgaram que era conveniente para o Brasil se alinhar com os EUA de uma forma, na minha opinião, excessiva.
CC: Li que o senhor também detesta a globalização…
SPG:
Ninguém pode detestar um fenômeno, a globalização é um processo histórico. Mas talvez o mundo estivesse mais integrado antes da Primeira Guerra Mundial do que hoje. As pessoas podiam viajar sem passaporte, migrar livremente de um país para outro, não havia nenhuma restrição ao fluxo de capital… Se nós tivéssemos cumprido a política neoliberal que advogava a globalização, estaríamos hoje numa situação dificílima, gravíssima. Se estamos nos recuperando é porque os governos anteriores, ao aplicar as políticas neoliberais, não conseguiram avançar até onde desejavam.
CC: Como o senhor é comunista e se filiou ao PRB, partido do bispo Marcelo Crivella, da Igreja Universal? É um comunismo cristão?
SPG:
É outra desinformação. Fui indicado pelo PRB para o cargo, mas não sou filiado ao partido.
CC: E comunista, é?
SPG:
Acho que isso não se coloca… Não sou filiado a nenhum partido, nem ao PT. Sou um progressista

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