domingo, 17 de fevereiro de 2013

Saiu da planilha e subiu no palanque


Entre o lucro das energéticas e o peso da conta para famílias e empresas há um cabo de guerra. O governo quer estimular a economia; a oposição pensa em 2014
Por: Maurício Thuswohl

Publicado em 17/01/2013
Erradicar a pobreza extrema e tornar mais moderna e competitiva a indústria brasileira. Desde que assumiu o cargo, a presidenta Dilma Rousseff situou essas duas metas entre as principais de seu governo e as tem buscado por meio do aprofundamento de políticas herdadas do governo anterior, com iniciativas como o programa Brasil Sem Miséria e o Plano Brasil Maior.
No Palácio do Planalto, a missão de reduzir os elevados custos de produção de energia elétrica no país para baixar o valor da tarifa final cobrada dos consumidores residenciais e das empresas é considerada fundamental para ajudar no combate à pobreza e, principalmente, incentivar o aumento da competitividade das empresas nacionais. 
O consumo de energia tem peso importante na produção industrial. A diminuição da tarifa seria um dos primeiros movimentos efetivos e generalizados rumo a uma desoneração de fato – e não transitória, como a redução pontual de impostos ou de contribuições à Previdência – dos setores produtivos. Ao tentar dar esse passo, no entanto, Dilma enfrenta forte resistência política em setores que não admitem a redução dos lucros das empresas concessionárias que operam no sistema elétrico brasileiro.
As transformações para o sistema nacional de geração e transmissão de energia elétrica pretendidas pelo governo foram reunidas na Medida Provisória 579, anunciada em setembro por Dilma e pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. A proposta prevê uma redução média de 20,2% no preço final – 28% para os consumidores industriais e 16,2% nas contas de luz residenciais – a partir de 5 de fevereiro.
A MP 579 prevê também a antecipação da renovação, por um período de 30 anos, das concessões para as empresas que atuam no sistema elétrico nacional e têm contratos que expiram até 2017. Para estimular as geradoras e/ou transmissoras a aderir às mudanças, o governo se comprometeu a eliminar ou reduzir encargos que incidem sobre a produção de energia elétrica. Serão extintas a Reserva Global de Reversão (RGR) e a Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC) e será reduzida a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Todos esses encargos são atualmente repassados pelas empresas às contas de luz.

Tarifa injusta

O peso do custo da energia no bolso do consumidor brasileiro é inquestionável (leia destaque na página 18). Na indústria, o cenário se repete. Levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) – entidade que, assim como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), apoia a MP 579 – constata que a tarifa de energia paga pelo setor no Brasil (R$ 329 por megawatt/hora) é 134% superior à média dos outros países do grupo conhecido como Bric: Rússia, Índia e China. O estudo da Firjan revela também que as despesas da indústria brasileira com energia elétrica são maiores que as observadas em países como Alemanha, Japão, França e Estados Unidos, entre outros.
Para Daniel Passos, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a proposta de redução tarifária trazida pela MP 579 cumprirá o papel de corrigir uma injustiça com o consumidor brasileiro: “A geração de energia elétrica no Brasil tem como fonte a energia hídrica, que tem um custo de geração e manutenção muito baixo. Ainda assim, o modelo brasileiro desde a metade dos anos 1990 tem feito com que a tarifa final desse serviço alcance um dos maiores patamares do mundo”.
Segundo o Dieese, a conta de luz paga no Brasil não só tem um padrão médio de preço elevado como também é extremamente desigual: “A tarifa final paga pelo consumidor, residencial ou industrial, leva em conta o custo específico de cada concessionária de energia. Não há uma tarifa-padrão para o país, ou seja, não existe um mecanismo de equalização. Isso faz com que a população das regiões onde é mais difícil receber a energia acabe pagando uma tarifa mais elevada”.
Os indicadores de preços ao consumidor mostram que as tarifas de energia elétrica mais elevadas ocorrem atualmente no Maranhão e no Piauí, exatamente os estados mais pobres do país. Ao mesmo tempo, as mais baixas são praticadas em Brasília e na capital de São Paulo. “Além de ser cara, a tarifa de energia elétrica no Brasil tem um viés regressivo, pois é mais cara exatamente para quem deveria pagar menos, tendo em vista que são embutidos os custos da transmissão dessa energia em cada área de concessão”, diz Passos.Governadores SP-PR-MG

Alckmin (SP), Richa (PR) e Anastasia (MG): governadores dos estados que produzem 25% da energia do país não apoiaram as medidas para reduzir custos
O economista do Dieese aponta, porém, efeitos indesejados no pacote elétrico em razão da forma como foi proposto: “O governo pegou de surpresa algumas empresas que não planejaram essa antecipação. Isso pode trazer problemas à manutenção do nível de investimentos e fazer com que algumas tenham dificuldade de participar dos próximos leilões de expansão do setor”.
Outro ponto negativo é que a tarifa para a realização da operação e manutenção nas linhas de transmissão que estão sendo renovadas é em alguns casos muito baixa, conforme observa o economista. “No entender do Dieese, é insuficiente para a prestação da operação e da manutenção de forma adequada e com a qualidade que o sistema requer. O caminho não precisa ser esse. A redução das tarifas é importante, mas as coisas têm de ser conjugadas para que os efeitos indesejados não sejam maiores que o benefício pretendido.”

PSDB rejeita mudanças

Para alcançar a redução desejada nas contas de luz, o governo contava com a adesão de todas as principais empresas do setor, mas não foi isso o que aconteceu. Três grandes empresas estaduais – Companhia Energética de São Paulo (Cesp), Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e Companhia Paranaense de Energia (Copel) – não aceitaram a antecipação da renovação dos contratos de concessão de suas maiores usinas hidrelétricas.
As três são subordinadas a governos comandados pelo PSDB, principal partido de oposição ao governo federal, e juntas respondem por cerca de 25% da energia elétrica gerada no país. Sem elas, o índice médio de redução nas contas de luz pretendido pelo governo federal não será alcançado em fevereiro, a não ser que sejam adotadas medidas adicionais para desonerar os custos do sistema.
Com a recusa em renovar o contrato de seis importantes usinas, Cesp e Cemig são as ausências mais sentidas pelo governo. As usinas Jaguara (424 MW), São Simão (1.710 MW) e Miranda (408 MW), operadas pela empresa mineira, têm uma importante capacidade somada de geração de energia, assim como as três da empresa paulista que não aderiram ao pacote: Ilha Solteira (3.444 MW), Três Irmãos (807,5 MW) e Jupiá (1.551 MW).
Segundo o secretário de Energia de São Paulo e presidente da Cesp, José Aníbal, a empresa não aceitou a antecipação da renovação da concessão de suas usinas porque acredita ter direito a indenizações que somam R$ 7,2 bilhões, enquanto o governo acena com o pagamento de somente R$ 1,8 milhão: “Se a proposta do governo não mudar, a assembleia geral da Cesp já decidiu que não participará do processo. Não podemos aceitar essa defasagem que caberia ao Tesouro de São Paulo assumir”.
Já a Cemig decidiu em assembleia de acionistas não antecipar a renovação dos contratos das três usinas, mas concordou integralmente com as novas regras propostas pelo governo para o sistema de transmissão, assim como para suas outras 18 usinas de geração de energia elétrica. Quatro usinas da Copel, com capacidade menos expressiva, também não renovaram a concessão. Todas as outras grandes empresas do setor elétrico nacional, com destaque para a Eletrobrás, responsável por 35,5% da geração de energia do país, aderiram às mudanças propostas pelo governo.

Renda menor, peso maior

Interesses opostos
Comunidade recebe energia pelo programa Luz para Todos: governo trabalha pelo acesso ao serviço, e o setor privado, pelas tarifas (Euzivaldo Queiroz/ACRÍTICA)
Na maior cidade do país, a energia elétrica corresponde a 2,62% do orçamento das famílias, segundo cálculo do Dieese. Mas “o peso varia conforme o poder aquisitivo”, observa a economista Cornélia Nogueira Porto, coordenadora do Índice do Custo de Vida (ICV), calculado mensalmente em São Paulo. O instituto divide as famílias em três estratos. “Uma queda de 20% na tarifa não afeta muito o estrato 3, mas afeta bastante o 1.”
No estrato 1, que concentra as de menor poder aquisitivo, esse peso é hoje de 4,16%, recuando para 3,25% no segundo e para 1,97% no terceiro. No caso de uma redução de 20%, o peso da energia cairia 0,83 ponto no orçamento dos mais pobres e 0,39 ponto no estrato 3.
O comportamento da inflação e dos preços de energia nos últimos anos também mostra que a conta aumentou mais para quem ganhou menos. De 2000 a 2012, por exemplo, o ICV variou 130%, enquanto o custo da eletricidade subiu 97%. Para quem ganha menos (estrato 1), essa relação foi bem diferente: 132% no índice geral e 109% na energia.
Segundo o IBGE, a participação da energia elétrica residencial na composição do IPCA foi de 3,29% em novembro, chegando a 4% em Goiânia e a 3% na região metropolitana de São Paulo, 3,81% no Rio de Janeiro, 3,46% em Belo Horizonte e 2,68% no Distrito Federal. Tem se mantido nesse nível. Cinco anos atrás, por exemplo, o peso era de 3,46%.
A energia é um insumo importante também para a indústria. Levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) revela que a tarifa de energia paga pelo setor no Brasil é de R$ 329 por mwh em média, mas há variação de até 63% entre os estados. “Mais importante, porém, do que observar as disparidades regionais, é avaliar a competitividade da tarifa de energia frente à dos demais países do mundo, em especial a dos principais concorrentes brasileiros”, diz a entidade.

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