terça-feira, 30 de abril de 2013

Um sequestro estatístico

O que é rural e o que é urbano no Brasil? Um grupo pesquisadores universitários está estudando o assunto e acredita que a população rural brasileira seja pelo menos o dobro da estimada pelo IBGE, de 30 milhões de pessoas. Na raiz do problema está um decreto de 1938 do governo Getúlio Vargas, que define o que é urbano no país.

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É uma figura pouco usual para definir uma questão de ordem no Brasil: o que é rural e o que é urbano? Um grupo coordenado pela professora Tânia Bacelar (UFPE) e mais 15 pesquisadores pretende destravar esse nó, num projeto financiado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário. O IBGE aponta a população rural brasileira com 15,64%, quase 30 milhões de habitantes, segundo o censo de 2010. Os pesquisadores como Tânia Bacelar acham que pode ser o dobro. Na raiz do problema um decreto de 1938, governo Getúlio Vargas, que define como urbano o perímetro definido pelos prefeitos locais. No Brasil cerca de quatro mil cidades têm até 20 mil habitantes. Somos 84,36% de brasileiros urbanos, ou há algo errado nessa história?

O país conta com 5.505 municípios com seus distritos e vilas. O Brasil é o país com o maior número de cidades do mundo. Lembro quando costumava viajar pela Belém-Brasília, em direção ao Tocantins, e passava pelos limites urbanos de municípios localizados nos confins da pátria. A imagem era repetida: uma igreja pequena, uma delegacia e o prédio da prefeitura. Fácil de entender no estado, que na época, a família no poder comandava a administração pública como se fosse uma capitania hereditária. Cada município tem direito ao fundo de participação e de muitas verbas federais. Então, quanto mais, maior a verba.

Empregos desapareceram
Nas décadas de 1960, 1970 e 1980 o Brasil teve um enorme fluxo de migrantes, na maior parte em direção ao sudeste. Foram 27 milhões de pessoas que migraram do rural para o urbano. Os motivos são variados, desde a modernização e industrialização do país, a situação econômica, com falta de empregos na zona rural, o avanço da agricultura mecanizada e da monocultura e os atrativos culturais das metrópoles. Na década de 1990, mais para o final, o fluxo interrompeu e começou a decair. Ou seja, começou a crescer a população de centenas de municípios considerados rurais, e também começou a inverter o fluxo de migrantes, deixando as metrópoles do sudeste e voltando ao estado de origem.

É preciso entender que entre 1985 e 2006 cerca de sete milhões de empregos desapareceram na zona rural. A queda, arredondada, foi de 23 milhões para 16 milhões de empregos. Também no mesmo período as propriedades com até 10 hectares, que são maioria no Brasil, perderam cerca de dois milhões de hectares. E os donos foram expulsos para o urbano. Mesmo assim elas envolvem um número acima de quatro milhões de unidades e, além de garantir 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros, ainda ocupam milhões de pessoas.

Acabar com o modelo
Portanto, a discussão sobre rural ou urbano não é uma questão teórica. Porque por trás disso tem o agronegócio e a agricultura industrial movida pela química, e do outro lado, a agroecologia e a agricultura familiar, que muito mais do que um modo de produção é um modo de vida, de convívio social e um modelo cultural, que ajuda a manter o pouco que resta de ambiente natural em algumas áreas do Brasil, principalmente na região sul. A Universidade de Essex, na Inglaterra, diz que existem cerca de 1,4 milhão de agricultores que seguem os princípios da agroecologia no mundo, os pesquisadores dessa instituição acompanham mais de 200 projetos, corresponde a 30 milhões de hectares. Eles não têm dúvida de dizer que o problema do êxodo rural está no avanço do agronegócio, que desestimula a produção da agricultura familiar e implica na perda da cultura camponesa e dos povos das comunidades tradicionais. No mundo cerca de 1,8 bilhão de pessoas habitam florestas e matas, regiões áridas, encostas íngremes ou terras inadequadas para produção de alimentos.

O ponto central é esse: a quem interessa acabar com a agricultura familiar e camponesa? Se depender das estatísticas, como diz o economista Ignacy Sachs, o Brasil em poucas décadas se tornaria totalmente urbano. Uma discussão que também foi levantada desde a década passada pelo pesquisador José Eli da Veiga. O plano de realizar esse delírio deve ser dos capitalistas de Wall Street e os clones brasileiros com base na experiência estadunidense – aponta a população rural agrícola em apenas 1%. O problema é que o índice da população não agrícola, ou seja, mora na zona rural, mas vive da economia urbana, se mantém em 20%. Uma das discussões que os pesquisadores do projeto bancado pelo MDA deverão definir. Afinal os setores de serviço e industrial das cidades do interior fazem parte do rural. Segundo Tânia Bacelar, a ideia é definir as cidades em faixas demográficas, geográficas e diferenciar nos seis biomas brasileiros definidos – Amazônia, Pantanal, Pampa, Caatinga, Mata Atlântica, Cerrado.

No campo os homens e os velhos
Porém, existem outras perspectivas desse mesmo problema. A população brasileira está envelhecendo rapidamente. Em 2025, o Brasil será o sexto país com maior número de idosos na faixa dos 60 anos – serão cerca de 32 milhões. Uma parte deles vive no campo. A migração, que começou a cair no final da década de 1990, tornou-se seletiva. As mulheres mais jovens são maioria, na verdade, desde a década de 1980 os demógrafos já registraram este aumento. No caso do Rio Grande do Sul migraram 22% mais de mulheres do que de homens. Porto Alegre é a capital que, desde a década de 1950, conta com maior número de mulheres em relação aos homens. 

Dois pesquisadores José Carlos Froehlich e Cassiane da Costa Rauber, do curso de pós-graduação em extensão rural da Universidade de Santa Maria fizeram um trabalho sobre o êxodo seletivo na região central do estado, envolve 28 municípios. Na faixa dos 25 aos 59 anos, 25 municípios apresentaram predomínio de populações masculinas, evidenciando um processo de masculinização acentuado:
“O êxodo seletivo intenso ocorre há mais de uma década e se desenha como tendência futura. A masculinização que se desenvolve silenciosamente pode comprometer o tecido social dos territórios rurais, tão importante para a região. Com a emigração jovem agrava-se o processo de envelhecimento populacional. O celibato entre os rapazes rurais já se desenha na região”, registraram os pesquisadores.

Em Santa Catarina este tema já rendeu um documentário “Celibato no Campo”, de Ilka Goldschmidt e Cassemiro Vitorino. O estado tem para cada grupo de 100 mulheres, 122 homens. Na Europa, conforme um relatório do Parlamento Europeu do início dos anos 2000, o número de agricultores com menos de 35 anos se reduzirá a zero em 2020. O sul da Europa, principalmente Portugal e Espanha, registram os índices mais altos de envelhecimento da população rural. O Japão já tem mais de 30% da população na faixa dos 60 anos.

Quem vai produzir a comida? 
É uma encrenca a mais na época da modernização digital, da globalização, dos mercados onipotentes e da mídia desinformada e totalmente urbana. Além disso, os organismos internacionais, como a FAO, costumam bater na tecla do aumento da produção de alimentos até 2050, deveria crescer de 2,3 bilhões de toneladas para mais de três bilhões, um aumento de 50%. Mas não aborda a questão de quem vai produzir esta comida. Será o agronegócio químico e transgênico, com seus equipamentos cada vez mais sofisticados? Ou vai sobrar espaço para as comunidades familiares, os grupos tradicionais, as cooperativas de assentados – no RS são 327 assentamentos, em 91 municípios e mais de 13 mil famílias-, ou os faxinais do Paraná, um sistema antigo implantado pelos ucranianos no final dos anos 1800 e que ainda tenta sobreviver.

Faxinal é um sistema que mistura a plantação de erva-mate com as araucárias e que se traduz numa produção menor, mas mais diversificada. Em 1997, uma lei estadual definiu o perfil dos faxinais – atualmente são 44, mas em 1994 eram 121, sendo que 19 estão na região de Prudentópolis, numa extensão de 13.870 hectares. Na década de 1970 o Paraná foi o estado que mais contribuiu para a migração no Brasil, saíram 2,5 milhões de pessoas da zona rural, muitas delas em direção ao Centro-oeste, e agora, indo para a Amazônia. Como diz uma moradora de outra área no sul do Brasil, na região do rio Ibirapuitã, município de Alegrete:

“Às vezes as pessoas dizem: que buraco. Mas eu adoro esse buraco.”

O depoimento consta de outro trabalho da Universidade de Santa Maria (extensão rural) sobre o esvaziamento do pampa gaúcho. A moradora mora a 70 km da sede do município, ou seja, a cidade. Os filhos precisam sair de casa para cursar o ensino médio que não tem na região e não há transporte público. A passagem custa R$15. Os jovens querem estudar, querem evoluir, como em qualquer outro lugar do mundo. As atividades na região se concentram na pecuária de corte ou soja. Não é nem o emprego urbano que atrai, porque estas cidades continuam registrando êxodo.

Trabalho em comunidade
É uma situação diferente da agricultura familiar colonial, de tradição europeia. Segundo dados do IBGE de 2006, o RS conta com 378 mil estabelecimentos agrícolas familiares que ocupavam 992 mil pessoas – segundo o censo de 2010, 1,6 milhão de pessoas residem em 515 mil domicílios rurais permanentes. Eles passaram a industrializar os seus produtos, como o caso da agroindústria das famílias Lazzareti e Picolotto, da comunidade linha Savaris, 7 km do município de Constantina, norte do RS. Eles desistiram de plantar milho e depender das cotações de commodities. Resolveram ampliar uma área de cana-de-açúcar com variedades específicas. Passaram a produzir açúcar mascavo, melado, schmier (geleia), além de cachaça e licores em 14 hectares. São sete famílias que dividem tudo e ainda trouxeram os filhos de volta, que trabalhavam na cidade como assalariados.

Ainda são responsáveis pelo controle, recolhimento e entrega de 320 cestas básicas destinadas as famílias carentes do município, através do Programa Fome Zero. O selo “Vita Colônia”, da COOPERAC, a agroindústria da comunidade, é um dos modelos que viabiliza economicamente a agricultura familiar e camponesa e mantém viva a chama de um modelo de vida que teima em não desaparecer. E que pretende entrar nas estatísticas como integrante do desenvolvimento social e econômico desse país.


ONU/PNUD: NO GOVERNO DILMA “BRASIL CONSEGUIRÁ ELIMINAR A POBREZA EXTREMA”

terça-feira, 30 de abril de 2013


Por Pedro Peduzzi, repórter da Agência Brasil
“O representante do ‘Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento’ (PNUD), Jorge Chediek, disse que o Brasil conseguirá cumprir uma das principais promessas da presidenta Dilma Rousseff e tirar toda a população da pobreza extrema. Ele falou depois de conhecer o estudo “Vozes da Nova Classe Média”, divulgado segunda-feira (29) pela “Secretaria de Assuntos Estratégicos” (SAE) da Presidência da República. Segundo ele, as políticas do governo brasileiro para a nova classe média influenciarão a Organização das Nações Unidas (ONU).
Vemos que políticas públicas sociais e econômicas farão com que o Brasil atinja o resultado de 100% de redução da pobreza extrema. E a ONU tem compromisso assumido de combate à pobreza. Pensamos muito nisso, mas [pensamos] pouco no ponto de chegada, que é a classe média. É muito útil o Brasil estar pensando nesse ponto de chegada”, disse o representante do Pnud.
Ministro da SAE e presidente do “Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada” (IPEA), Marcelo Neri, disse que “o fim da miséria é apenas o começo”. Segundo ele, a desigualdade teve “queda espetacular”, após o índice de GINI ter caído de 0,64 para 0,54 nos últimos dez anos. Esse índice, pelo qual zero representa a igualdade total de renda, é um dos mais usados para comparações socioeconômicas entre países.

Em 2012, mesmo com [baixo crescimento do PIB] o chamado “Pibinho”, 35% das pessoas subiram [de nível social], enquanto 14% caíram. Isso mostra que o país vive mais prosperidade e oportunidade, e menos desigualdade”, acrescentou o ministro Marcelo Neri, após apontar a carteira de trabalho como maior símbolo da classe média.
  

Para Jorge Chediek, os números apresentados pelo estudo “são impressionantes”. Ele avalia que a formalização do emprego foi fundamental para os bons resultados. “O que mais melhorou a situação do país foi a criação de empregos. [Também] por isso é muito importante conhecer a classe média”, acrescentou. “A presidenta Dilma Rousseff disse que quer fazer do Brasil um país de classe média. Queremos influenciar a política e ampliá-la para fazer, também do mundo, um mundo de classe média
O estudo “Vozes da Nova Classe Média” mostra a contribuição do empreendedor para a expansão da nova classe média brasileira. Tem como um dos destaques o aumento na formalização dos empregos. Entre as conclusões do estudo, está a de que 40% dos postos de trabalho disponíveis foram gerados a partir de pequenos negócios.
Das 15 milhões de novas vagas abertas entre 2001 e 2011, 6 milhões foram criadas pelos empreendimentos de pequeno porte. Além disso, 95% delas são empregos formais. Ainda de acordo com o estudo, 39% do total de remunerações do país estão relacionadas a pequenos empreendedores – volume que supera os R$ 500 bilhões por ano.”
FONTE: escrito por Pedro Peduzzi, repórter da Agência Brasil (Edição: Beto Coura) (http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-29/brasil-conseguira-eliminar-pobreza-extrema) [Imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].

HORA DE REAGIR


         
 (JB)-Em sua cruzada contra o totalitarismo, Arthur Koestler disse que é possível explicar o racismo e identificar a origem da brutalidade dos torturadores e dos genocidas. Mas é necessário combatê-los, isola-los, impedir que nos agridam e  matem. Em alguns casos, podemos até mesmo curá-los. Mas isso não significa que devamos perdoá-los.
       A aceitação das idéias alheias, que é o sumo das sociedades democráticas, tem limites e eles se encontram na intolerância dos fanáticos e extremistas.
       Na verdade, dois são os vetores da brutalidade: o medo e a loucura. Os grandes assassinos são movidos pela paranóia, e a paranóia oscila entre o ilusório sentimento de absoluta potência e a frustração da impotência. É dessa forma que Adorno, em Mínima Moralia, diz que o fascista é um masoquista, que só a mentira transforma em sádico, em agente da repressão.
       Quem são esses jovens embrutecidos que agrediram um nordestino junto à Estação das Barcas, em Niterói – e foram contidos pelas pessoas que ali se encontravam? São trastes humanos, ainda que sejam trabalhadores e estudantes, tenham família e amigos. O que os faz reunir-se, armar-se, sair às ruas, a fim de agredir e - quando podem – matar outras pessoas?
       Individualmente, apesar de suas artes marciais, seus socos ingleses, seus punhais e correntes de aço, são apenas seres acoelhados, agachados atrás de si mesmos, que só crescem quando se agrupam e se multiplicam, em suas patas, seus punhos, suas armas.
      Eles não nasceram com garras, nem tendo a cruz suástica e outros símbolos  riscados  na pele. Foram crianças iguais às outras, que encontraram pela frente uma sociedade brutalizada pelo egoísmo.
     Não é difícil que tenham sentido no lar o eco de uma civilização corrompida pela competição e destruída, em sua alma, sob o capitalismo sem freios. Às vezes nos esquecemos que só um por cento dos homens controla toda a riqueza do mundo.
      Tampouco nasceram assim os que matam os moradores de rua, movidos pelo mesmo medo e pela mesma idéia de que é preciso manter as cidades “limpas”. Nestes últimos meses, tem aumentado o número de moradores de rua assassinados em todo o país – mas mais intensamente em São Paulo, no Rio, em Belo Horizonte,  em Goiânia.
      De acordo com as estatísticas, 195 deles foram mortos em 2012 e nos primeiros meses deste ano. A imprensa internacional está debitando o massacre à conveniência de “sanear” as maiores cidades, antes do afluxo de visitantes que se esperam para a Jornada Internacional da Juventude e a Copa das Confederações, neste ano, e para a Copa do Mundo, no ano que vem.
      É bom lembrar que a matança  de crianças na Candelária, foi atribuída a uma “caixinha” de comerciantes da região, interessados em varrer as ruas desses bichos “incômodos e sujos”, que são os meninos pobres.   
      Há historiadores e antropólogos que amenizam o mal-estar contemporâneo diante dessa realidade, com a afirmação de que, desde as cavernas, o homem é naturalmente predador. Ocorre que, contra essa perturbadora condição de bichos que somos, prevaleceu o sentimento de solidariedade que nos tornou humanos, e foi possível sobreviver às catástrofes naturais, como os terremotos e as pestes, e às guerras continuadas. Mas, dentro da idéia dialética de que a quantidade altera a qualidade, chegamos a ponto insuportável.   
      Há dois caminhos na luta contra essa nova barbárie. Um é o da fé religiosa, outro o da razão materialista. A fé – um acordo entre o homem primitivo e o mistério da vida, a que ele deu o nome de Deus – tem sido o principal suporte da espécie, sempre e quando ela não se perde no fanatismo.
       A razão se encontra com a fé no exercício do humanismo. Mas há sempre razão na fé, como há  fé na lógica do ateu. As duas posturas são de autodefesa da sociedade humana e se realizam na coerente ação política. Como disse Tomás de Aquino, a filosofia das coisas humanas só se concretiza com a prática da política.
       Há novos pensadores, sobretudo na velha França, que buscam recuperar o humanismo de Marx, o do jovem filósofo dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de 1844, e as suas reflexões sobre a alienação. O trabalho de Marx correspondeu à necessidade de defesa dos trabalhadores contra o liberalismo do século 19, e a desapiedada exploração dos pobres pelas oligarquias burguesas, substitutas do velho feudalismo.
       Retornar a Marx é buscar novas e mais eficazes respostas contra o neoliberalismo de nossos dias. É ainda possível a aliança entre o humanismo cristão e os pensadores agnósticos, fundada em uma constatação fácil, a de que é preciso salvar o homem de si mesmo. É urgente salva-lo do barbarismo reencontrado na estupidez do egoísmo neoliberal. Isso faria do planeta o seguro espaço da vida. O retorno esperado à Teologia da Libertação é uma das vias de acesso à Terra Prometida.
       O filósofo francês Dany-Robert Dufour, em um de seus ensaios, pergunta que homem emergirá do ultraliberalismo de hoje. Não é necessária a pergunta: ele já está aí, no corpo volumoso adquirido nas academias e nutrido de anabolizantes; na cabeça reduzida pelas mensagens de uma cultura castradora, fundada no efêmero e no inútil; na pele usada como o anúncio de cada um, mediante as tatuagens; na ilusão da fama e da eternidade, nas postagens arrogantes no Facebook; no ódio ao outro, celebrado no culto à morte.
       Essa  visão nublada do mundo está contaminando grande parte de nossa juventude, nas escolas e universidades. É preciso que as escolas deixem o tecnicismo que as reduz, e voltem ao módulo ético, para fazer dos homens, homens, e deles afastar os instintos dos predadores.
       É preciso reagir. Os alemães dos anos 20 e 30 não reagiram, quando grupos de nazistas atacavam os judeus e comunistas. Os democratas europeus não reagiram contra as chantagens de Hitler no caso do Sarre, da anexação da Áustria, do ultimato de Munique.  Dezenas de milhões pagaram, com o sofrimento e a vida, essa acovardada tolerância.

Ricos brasileiros têm quarta maior fortuna do mundo em paraísos fiscais

Rodrigo Pinto

Da BBC Brasil em Londres

Ricos brasileiros são os quartos no mundo em remessas a paraísos fiscais

Os super-ricos brasileiros detêm o equivalente a um terço do Produto Interno Bruto, a soma de todas as riquezas produzidas do país em um ano, em contas em paraísos fiscais, livres de tributação. Trata-se da quarta maior quantia do mundo depositada nesta modalidade de conta bancária.

A informação foi revelada este este domingo por um estudo inédito, que pela primeira vez chegou a valores depositados nas chamadas contas offshore, sobre as quais as autoridades tributárias dos países não têm como cobrar impostos.

O documento The Price of Offshore Revisited, escrito por James Henry, ex-economista-chefe da consultoria McKinsey, e encomendado pela Tax Justice Network, mostra que os super-ricos brasileiros somaram até 2010 cerca de US$ 520 bilhões (ou mais de R$ 1 trilhão) em paraísos fiscais.

O estudo cruzou dados do Banco de Compensações Internacionais, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e de governos nacionais para chegar a valores considerados pelo autor.

Em 2010, o Produto Interno Bruto Brasileiro somou cerca de R$ 3,6 trilhões.

'Enorme buraco negro'
O relatório destaca o impacto sobre as economias dos 139 países mais desenvolvidos da movimentação de dinheiro enviado a paraísos fiscais.

Henry estima que desde os anos 1970 até 2010, os cidadãos mais ricos desses 139 países aumentaram de US$ $ 7,3 trilhões para US$ 9,3 trilhões a "riqueza offshore não registrada" para fins de tributação.

A riqueza privada offshore representa "um enorme buraco negro na economia mundial", disse o autor do estudo.

"Instituições como Bank of America, Goldman Sachs, JP Morgan e Citibank vêm ofrecendo este serviço"

John Christensen, diretor Tax Justice Network

Na América Latina, chama a atenção o fato de, além do Brasil, países como México, Argentina e Venezuela aparecerem entre os 20 que mais enviaram recusos a paraísos fiscais.

John Christensen, diretor da Tax Justice Network, organização que combate os paraísos fiscais e que encomendou o estudo, afirmou à BBC Brasil que países exportadores de riquezas minerais seguem um padrão. Segundo ele, elites locais vêm sendo abordadas há décadas por bancos, principalmente norte-americanos, pára enviarem seus recursos ao exterior.

"Instituições como Bank of America, Goldman Sachs, JP Morgan e Citibank vêm oferecendo este serviço. Como o governo americano não compartilha informações tributárias, fica muito difícil para estes países chegar aos donos destas contas e taxar os recuros", afirma.

"Isso aumentou muito nos anos 70, durante as ditaduras", observa.

Quem eniva
Segundo o diretor da Tax Justice Network, além dos acionistas de empresas dos setores exportadores de minerais (mineração e petróleo), os segmentos farmacêutico, de comunicações e de transportes estão entre os que mais remetem recursos para paraísos fiscais.

"As elites fazem muito barulho sobre os impostos cobrados delas, mas não gostam de pagar impostos", afirma Christensen. "No caso do Brasil, quando vejo os ricos brasileiros reclamando de impostos, só posso crer que estejam blefando. Porque eles remetem dinheiro para paraísos fiscais há muito tempo".

Chistensen afirma que no caso de México, Venezuela e Argentina, tratados bilaterais como o Nafta (tratado de livre comércio EUA-México) e a ação dos bancos americanos fizeram os valores escondidos no exterior subirem vertiginosamente desde os anos 70, embora "este seja um fenômeno de mais de meio século".

O diretor da Tax Justice Network destaca ainda que há enormes recursos de países africanos em contas offshore.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

EMBRAPA - OS NOVOS DESAFIOS QUE A NORTEIAM

O engenheiro agrônomo Maurício Antônio Lopes, presidente da EMBRAPA

A EMBRAPA é o maior patrimônio tecnológico brasileiro

“Na véspera de assumir a presidência da EMBRAPA, em outubro, o engenheiro agrônomo Maurício Antônio Lopes telefonou para o senador Delcídio Amaral (PT-MS) para conversar sobre o projeto de lei que previa a abertura de capital da estatal de pesquisa agropecuária. A proposta, de autoria do senador, visava capitalizar a empresa e fortalecê-la na competição com as multinacionais de sementes.
O projeto, que já havia sido rejeitado pela “Comissão de Agricultura e Reforma Agrária” do Senado, em 2009, voltara à tona em meio a acaloradas discussões sobre o papel da empresa, que viu sua participação de mercado cair vertiginosamente nos últimos anos. Lopes não deixou dúvidas sobre sua posição. Disse que era contra esse modelo de capitalização, mas apresentou alternativa, mais restrita, que se encontra em gestação: a criação de uma subsidiária privada, de capital fechado, para comercializar as tecnologias da EMBRAPA e com a liberdade de se tornar sócia em novas empresas.
Em dezembro, Amaral, que confirmou o telefonema, comemorou a aprovação, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, de um substitutivo de autoria do senador Gim Argello (PTB-DF) a seu Projeto de Lei 222/2008. Começava a sair do papel a “Embrapa Tecnologias S.A”. (EMBRAPATEC). Como queria Lopes.
Quer dizer que, ao optar pela subsidiária e abdicar da abertura do capital, o presidente da estatal quer dar de bandeja o mercado brasileiro de sementes de grandes culturas como soja e milho a múltis como Monsanto e Syngenta? E que a Embrapa, cujas pesquisas tornaram viável a ocupação do Brasil central por um agronegócio que se fortalece a cada ano, perdeu de vez esse bonde?
Em entrevista ao jornal Valor”, Maurício Lopes não titubeia ao afirmar que, desse ponto de vista, sim. Mas a questão, para ele, não é essa, porque a EMBRAPA não foi criada para brigar por um lugar nesse bonde. As grandes culturas foram, são e serão importantes, mas a estatal tem outras obrigações e compromissos como empresa pública, e é na janela de "outros bondes" que ela quer estar.
Com o sucesso que obteve no desenvolvimento de variedade adaptadas ao Cerrado, numa época de carência de pesquisas privadas, a EMBRAPA chegou a ter 60% do mercado brasileiro de sementes de soja e 30% do de milho. Hoje, as participações caíram para 9% e 1%, respectivamente, e não há qualquer intenção de recuperar todo o terreno perdido.
Segundo Lopes, é interessante para a estatal manter fatias de 7% a 12% nesses mercados - "até porque não sabemos o que vai acontecer no mundo no futuro" -, mas medir forças com as grandes múltis seria infrutífero e colocaria em risco centenas de outros projetos que, sem a EMBRAPA, não existiriam dada a falta de apelo - ou de retorno financeiro - para as companhias privadas.
"Não é inteligente, seguro ou prudente para um país como o Brasil deixar o setor público completamente fora desse ambiente. Mas não queremos ir ao mercado competir. Há investimentos de alto risco e de longo prazo em jogo", diz. E surpreende, dada sua especialização.
Agrônomo formado na Universidade Federal de Viçosa (MG), Lopes fez mestrado em genética na “Purdue University”, nos EUA, doutorado em genética molecular na “University of Arizona” e pós-doutorado no “Departamento de Agricultura da FAO” em Roma.
Pesquisador da EMBRAPA desde 1989, foi líder do programa de melhoramento de milho da estatal, chefe de pesquisa e desenvolvimento da “Embrapa Milho e Sorgo” e diretor-executivo de pesquisa e desenvolvimento da empresa antes de assumir a presidência.
Ou seja, Lopes fez carreira em uma das frentes de maior concorrência, mais investimentos e melhor remuneração da pesquisa agrícola, mas faz questão de afirmar que não perdeu a noção do todo.
Daí porque seria impensável dirigir todos os esforços da EMBRAPA, com seu orçamento total da ordem de R$ 2 bilhões por ano e os entraves burocráticos que limitam sua agilidade, para bater de frente com grupos como Monsanto, que só em pesquisas investe mais de US$ 1 bilhão.
Para as grandes culturas, Lopes defende que a saída da EMBRAPA é mesmo a cooperação com a iniciativa privada, sem abrir mão do controle das tecnologias que desenvolve. E a postura se estende também a produtos de escala menor. Ao todo, dos cerca de 980 projetos tocados pela estatal atualmente, 350 são financiados com recursos de fora do orçamento definido pelo governo.
"A inovação só acontece quando as novidades são incorporadas e chegam no campo. Em um mercado que vem mudando com rapidez, com forte concentração, as parcerias podem facilitar esse processo. Temos muitos negócios, que são complexos. Só em melhoramento, são 64″.
Com a criação da EMBRAPATEC, a estatal ganhará espaço para a comercialização de seus produtos e fortalecerá sua atuação exterior, arranhada depois que o braço internacional criado para isso foi desativado por não cumprir, em alguns negócios, todos os trâmites burocráticos previstos, levantando suspeitas. Lopes ainda não era o presidente da empresa, mas minimiza o fato.
Mais importante que isso, porém, são os "bondes" nos quais a EMBRAPA, que comemora em Brasília nesta semana seus 40 anos, quer estar: automação, alimentos nutracêuticos e sustentabilidade, três grandes temas que influenciam cada vez mais os rumos de produção e comercialização de produtos do agronegócio.
"A mão de obra está cada vez mais escassa e esse será um grande problema para a agricultura. Lidar bem com isso dependerá de políticas públicas e ciência. O trabalho no campo tem que ser menos penoso, até para facilitar a sucessão nas propriedades, uma vez que muitos filhos de produtores já não querem dar continuidade ao trabalho dos pais".
Entre as pesquisas feitas nessa frente e que tendem a ser aceleradas, estão máquinas e equipamentos e novas ferramentas voltadas à agricultura de precisão, que reduz desperdícios e eleva produtividades.
O binômio “políticas públicas e ciência” volta a ser citado por Lopes no caso dos alimentos nutracêuticos, aqueles capazes de proporcionar benefícios extras à saúde. "No futuro, se não mudar o paradigma da cura para o da prevenção, os sistema de saúde não vão aguentar. Por isso, a agricultura será fundamental".
Com um detalhe. Ainda que seja perfeitamente possível desenvolver novas variedades de soja ou milho com características nutracêuticas, culturas de menor escala como as hortaliças e frutas terão grande peso nesse mercado, e muitas delas não interessam aos grupos privados.
E, claro, há a sustentabilidade da produção, já responsável por mudanças importantes. "Será preciso 'descarbonizar' o setor, cuja emissão é grande. Temos as emissões entéricas dos bovinos, dejetos e grande uso de nitrogênio. Sem falar dos desafios com as mudanças climáticas". Segundo Lopes, há 400 pesquisadores da EMBRAPA envolvidos em trabalhos sobre diferentes pontos ligados às mudanças climáticas. Com elas, prevê, haverá nova dinâmica de migração da produção, "e é hora de abrir novos caminhos".
Para ele, são novos caminhos que serão percorridos independentemente das futuras mudanças na administração da empresa, que dependem do partido que ocupa o Planalto ou mesmo da linha política predominante em um mesmo partido ou governo. "Uma das palavras que mais uso é 'processo'. A lógica das organizações é muito verticalizada, e o pior dos mundos é quanto as personalidades superam os processos".
FONTE: publicado no jornal “Valor” e transcrito no site “DefesaNet”   (http://www.defesanet.com.br/tecnologia/noticia/10587/EMBRAPA---Os-novos-desafios-que-a-norteiam).

O trabalho mediado pelas inovações tecnológicas. Impactos e desafios. Entrevista com Mário Sergio Salerno

29.04.13 - Mundo
IHU - Unisinos
Instituto Humanitas Unisinos
Adital
Segunda, 29 de abril de 2013
"Com o trabalho mediado pelas inovações tecnológicas existe um grau de abstração um pouco diferente, pois tem uma mediação diferente, já que às vezes você não está vendo o que está acontecendo, mas você recebe informações pela tela de um computador”, constata o coordenador do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP.


Embora a indústria tenha passado por inúmeras revoluções técnicas, sobretudo após o taylorismo-fordismo no início do século passado, as novas tecnologias reorganizaram de forma significativa o trabalho na contemporaneidade. Para o professor Mário Sergio Salerno da Universidade de São Paulo – USP, a intermediação do trabalho pelo computador reorganiza-o profundamente nas linhas de produção. "O trabalho mediado pelo computador em uma indústria química, se o processo funciona normalmente, o empregado não vai fazer nenhuma intervenção física. Aparentemente ele não está fazendo nada, mas na verdade ele está o tempo todo verificando o estado do processo”, explica Salerno, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. "O melhor operador automatizado é o que menos esforço faz, pois ele antecipa o problema. Então, o conceito do que é um bom operador, como será a formação e a remuneração dele muda”, complementa.
Mário Sergio Salerno (foto) é professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, onde coordena o Laboratório de Gestão da Inovação. É coordenador do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP. Também é organizador de diversos livros sobre o tema e autor da obra Projeto de organizações integradas e flexíveis: Processos, grupos e gestão democrática via espaços de comunicação-negociação (São Paulo: Atlas, 1999).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A revolução tecnológica impactou profundamente a produção. É possível identificar as grandes mudanças em curso resultantes dessa revolução produtiva no mundo do trabalho?
Mário Sergio Salerno – Esse impacto teve várias pontes. Dá para identificar uma tecnologia stricto sensu, que é a hegemonia capitalizada pelas tecnologias de informação e comunicação, ou seja, a computadorização dos meios de produção e a quimificação da indústria. Há processos e produtos mais baseados em química do que em metalurgia. Um exemplo pode ser o para-choque ou o revestimento dos carros. Se entrarmos em um carro dos anos 1960/1970, as partes internas eram todas metálicas e, hoje, elas têm muitos plásticos, com processos muitos diferentes e, normalmente, poupadores de mão de obra. Fora da mudança tecnológica stricto sensu, existe um conjunto importante de mudanças organizacionais dentro da empresa, entre empresas e de logística que acabam impactando a forma como as pessoas trabalham.
Exemplos
Para exemplificar vamos pensar no contêiner. Você pega uma série de sacos de café na fábrica ou na fazenda, coloca no caminhão, vai para o porto, onde se tem terminal de contêineres. Um guindaste pega-o e coloca dentro do navio. Antes do contêiner você precisava carregar saco a saco ao caminhão, chegar ao porto e descarregar em determinado local, colocar no guindaste e, em alguns casos, estivadores levavam saco a saco para o navio. Quando a carga chegava ao destino, tinha que repetir o mesmo processo. Já nos contêineres, que em alguns caso mal podem ocupar o espaço, porque nem sempre ele está repleto até o teto e sobra espaço dentro do navio, não ocupam tão bem os espaços como o carregamento a granel, mas o tempo logístico total é muito menor, o número de pessoas que trabalha nesse processo também é menor, porém com atividades diferentes, menos de estiva e muito mais atividades de manipulação de massas.
Se formos pensar em edição de texto, como são feitos os jornais e as revistas, são exemplos muitos simples. Antigamente os redatores datilografavam a matéria, iam a um editor especial onde tinham os tipógrafos ou linotipistas, em que colocavam em ordem as letras do texto, que gerava a chapa da impressão, aí então se imprimia. Hoje o jornalista senta ao computador, existe um editor de texto que já vai corrigindo uma parte dos erros de digitação; o envio para a impressão é por sistema informatizado. Há alguns lugares que nem tem máquina de impressão; vai tudo via internet.
Hoje se fazem livros e tudo é enviado diretamente pelo autor para a gráfica. O processo muda radicalmente, e isso vale para piloto de avião, para torneiro mecânico. Vamos pegar o Lula, por exemplo, cuja profissão é torneiro mecânico. Torneiro mecânico é uma profissão difícil até hoje. Ele precisa conhecer os processos de fabricação, saber ler os desenhos técnicos, conhecer materiais. Então, ela pega a peça e planeja a execução do seu trabalho. É por isso que os torneiros de um tempo para cá precisam de uma formação escolar. Esse é o topo dos torneiros, o ferramenteiro, o profissional, que é diferente do torneiro operacional que aperta o botão e tira a peça do outro lado. Esse torneiro ferramenteiro vai planejar e executar isso manualmente. Ela precisa ter habilidade manual. Isso é muito difícil, porque você pode até planejar, mas precisa da habilidade manual que não é tão trivial.
Hoje, você planeja a atividade (ou programa essa atividade) em computador, o que não é muito difícil de fazer, e manda a máquina executar. Isso significa que a sua relação com o meio de trabalho muda a passa a ser mais abstrata, porque no modo operacional você vai executando e pode ir mudando o planejamento. Mas, quando você programa, isso vai até o fim. A abstração é maior, a sua relação com o produto que está sendo feito é diferente.
IHU On-Line – O chão de fábrica brasileiro assimilou os princípios de organização do trabalho toyotista ou ainda majoritariamente prevalece o taylorismo-fordismo?
Mário Sergio Salerno – Essa é um discussão de três meses e eu precisaria entender o que você chama de toyotismo e taylorismo. Existem análises no Brasil que alguns setores industriais sequer entraram no taylorismo-fordismo. Tem de tudo. Primeiro, o taylorismo-fordismo não entra em todos os setores produtivos, o que grosso modo se chama de toyotismo muito menos. O que dá para dizer é que existe uma heterogeneidade muito grande nos locais de trabalho; têm experiências muito avançadas de trabalho em equipe autônoma, sem chefe, em que operários trabalham em turnos contínuos, 24 horas por dia, onde os superiores trabalham em turno administrativo. Assim, a maior parte das horas operacionais só tem operário na fábrica e são experiências muito exitosas, que são antitaylorismo e antitoyotismo. O toyotismo é uma extensão dos princípios clássicos do taylorismo, mas isso são coisas do século XIX.
Tendência
A tendência para a indústria de ponta é ela trabalhar com esquemas mais flexíveis, menos hierárquicos, no qual o trabalhador tem muito mais liberdade para tomar decisões e muito mais responsabilidade nas decisões que toma, o que é o contrário do taylorismo e do fordismo, que são muito regrados. Pensamos muito em produção de alto volume, produção de automóvel, mas essa é uma pequena parte dos processos produtivos, embora seja muito importante porque tem um peso enorme no PIB. Do ponto de vista das pessoas que trabalham, mesmo na indústria automobilística, está havendo uma redução dos níveis hierárquicos, do número de cargos dentro de um mesmo nível hierárquico e isso tem a ver com a necessidade de flexibilidade e eficiência da indústria moderna. Essa talvez seja a mudança mais importante que está em curso em termos organizacionais.
IHU On-Line – O crescente recurso do "trabalho em equipe” no chão de fábrica tem sido adotado com o discurso de uma maior autonomia aos trabalhadores. De fato, isso tem ocorrido, ou se trata de uma estratégia para alavancar a produtividade?
Mário Sergio Salerno – Essas são duas coisas que não são antagônicas. É possível uma maior autonomia e maior produtividade. Todos os casos que eu conheço de maior autonomia estão ligados à eficiência, pois nenhuma empresa vai introduzir um sistema que diminua a produtividade. Não tem nenhuma pesquisa no Brasil que consiga dizer que o trabalho em equipe esteja aumentando ou diminuindo, se é majoritário ou se os grupos têm mais autonomia ou não. O que existem são inúmeros estudos de caso onde se pode dizer: em tal caso os trabalhadores têm mais autonomia, em tal caso têm menos. Minha percepção é que estão aumentando os casos em que os trabalhadores têm autonomia decisória, ou seja, no trabalho que ele faz. Às vezes as pessoas confundem e pensam em decisões em geral, mas os operários continuam operários e os gerentes financeiros continuam gerentes financeiros.
Nos sistemas muito automatizados onde há variação de produção, a autonomia é muito funcional para a empresa, pois os grupos de trabalho antecipam problemas. A autonomia versus produtividade, e que está bem escrito em literatura de pesquisa, indica que há uma tendência para o trabalho mais autônomo, em que a pessoa controla mais o seu tempo, tem uma carga de responsabilidade maior e é cobrada por isso, a "faca de dois gumes”.
IHU On-Line – Como remunerar esse tipo de atividade que envolve a tomada de decisões e autonomia?
Mário Sergio Salerno – Todo o trabalho tem um grau de subjetividade inserida, mesmo da pessoa que trabalha na linha de montagem. Existe um mundo de trabalho não fabril e não operário onde esse tipo de coisa existe há séculos. O mundo operário, numa acepção historicamente ampla, nas atividades mais diretas, quem trabalha no comércio, banco, etc., por muito tempo reduziu os salários dos trabalhadores por motivos de economia. Depois houve as lutas sindicais para reduzir abusos, houve muita regulamentação das atividades, trabalho igual, salário igual. Quando a lógica do trabalho passa a ser menos pelo movimento que ele faz e mais pelo raciocínio, fica muito difícil comparar uma atividade com outra.
Mediação
Por exemplo, no trabalho mediado pelo computador em uma indústria química, se o processo funciona normalmente, o empregado não vai fazer nenhuma intervenção física. Aparentemente ele não está fazendo nada, mas na verdade ele está o tempo todo verificando o estado do processo. O padrão operador é se antecipar e não deixar que haja alteração na temperatura, que uma chapa não grude na outra, fazendo correções antes que o problema aconteça. O melhor operador automatizado é o que menos esforço faz, pois ele antecipa o problema. Então, o conceito do que é um bom operador, como será a formação e a remuneração dele muda.
Quando o empregador contrata, ele contrata o potencial das pessoas e não necessariamente o que eles vão fazer. Quando eu contrato um advogado eu não estou pensando que ele vai escrever 300 mandados de segurança em um mês ou mais 50 petições. Eu não pago por isso, eu pago pelo potencial de trabalho por meio de um contrato. Esse tipo de coisa está chegando ao trabalho direto e a tendência é que essa remuneração seja pelo aumento do potencial dele, conforme vai aumentando a experiência e o potencial dele vai subindo no seu grau de remuneração. O trabalhador que faz mais cursos vai subindo no grau de remuneração, mesmo que aparentemente não use aquilo, mas ele tem o potencial de usar se for necessário. É como o corpo de bombeiros: você é treinado para várias situações, mas o ideal é que você nunca precise utilizar.
IHU On-Line – Fala-se muito que com as inovações tecnológicas falta mão de obra qualificada no mercado de trabalho brasileiro. Qual é o real tamanho do problema?
Mário Sergio Salerno – Não sei e ninguém sabe. O Brasil está crescendo em uma condição de pleno emprego, então falta qualquer tipo de mão de obra qualificada. Nós temos um problema no atacado escolar e temos um ponto importante porque o Brasil forma poucos engenheiros atualmente. Tem aumentando o número de engenheiros, mas ainda é pouco. Tem muita análise impressionista de que está aumentando, mas se você faz uma análise comparativamente com países no mesmo nível de industrialização, vemos que temos menos engenheiros, uma escolaridade mais baixa. Existe relação, embora não seja muito direta, entre formação escolar e trabalho, com as novas tecnologias, principalmente as mediadas por computador.
Com o trabalho mediado pelas inovações tecnológicas existe um grau de abstração um pouco diferente, pois tem uma mediação diferente, já que às vezes você não está vendo o que está acontecendo, mas você recebe informações pela tela de um computador. Então a pessoa tem que interpretar o que está acontecendo a partir de dados sintéticos e tomar uma decisão. É diferente de estar lá olhando, pois no tipo de raciocínio que se usa para construir uma abstração do que está acontecendo estão presentes etapas da formação escolar que ajudam. Por exemplo, quando aparece na tela do computador um gráfico do conteúdo de processo e mostra que aquelas peças em fabricação estão com o diâmetro crescendo, eu vou tomar uma decisão antes que a peça cresça e saia do padrão.
Um operário que fez ensino médio e estudou física deve ter feito experiências de velocidade, quando ele trabalha com gráfico, seja da física ou da química. A pessoa que estuda matemática tem muito mais facilidade de trabalhar com abstrações do que uma pessoa que não estuda matemática. Então, tem um tipo de formação que não é tão instrumental, de decorar fórmula, mas de lógica de pensamento, que é dada pelo ensino formal. Isso tem uma relação importante com o trabalhar com novas tecnologias. Independentemente disso, se o sujeito vai trabalhar como robô ou não, ele como cidadão tem direito a uma boa formação. Nesse contexto, eu entendo que há uma relação funcional, sim. O trabalhador melhor escolarizado, em geral, tende a ter um desempenho melhor no trabalho.
IHU On-Line – A indústria brasileira tem produzido tecnologia ou é meramente importadora da tecnologia de fora?
Mário Sergio Salerno – Tem de tudo. A maior parte das cadeias produtivas brasileiras está dominada por empresas multinacionais nos ramos automobilístico, da química e eletrônica. Isso veio do Juscelino, que optou por fazer uma internacionalização para produzir aqui para o mercado interno. Poucos países fizeram esse tipo de política. Desde lá que a governança das cadeias e das redes produtivas está dominada por empresas multinacionais. Tais empresas, como é esperado, têm seu centro decisório fora do Brasil. Há exceções de praxe como a Embraer, por exemplo. O centro decisório é composto pela diretoria e são levadas em conta as decisões financeiras e a estratégia de produto, o que está ligado ao centro de estratégia de pesquisa e engenharia.
Por outro lado, existem as empresas brasileiras e, nesse universo, há um conjunto de organizações que estão investindo mais em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Assim, existe um problema na estrutura de que se inova pouco. Tem um apoio do Estado muito significativo. Depois de 2004 a Finep aumentou o investimento em várias vezes.
IHU On-Line – Quais são as exigências do mercado de trabalho para o trabalhador do século XXI?
Mário Sergio Salerno – Escolaridade, trabalho em equipe com outras pessoas de formação diferente e autonomia para tomar decisões e assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas.
[Nota: A imagem acima que ilustra a entrevista é de http://bit.ly/12FtxQ6]

Violam-se direitos do povo se Congresso não regular Judiciário



Propor uma emenda constitucional para alterar objetivos e limitar prerrogativas do Supremo é legítimo e democrático. É o equivalente de qualquer outra emenda constitucional: todas alteram a Constituição vigente no sentido de uma nova ordem. Data: 27/04/2013
O Congresso Nacional tem todas as prerrogativas constitucionais, funcionais e democráticas necessárias para criar leis que estabeleçam objetivos e prerrogativas específicas para o Poder Judiciário, aí incluído o Supremo Tribunal Federal. O STF, por sua vez, é um corpo burocrático do Estado, não eleito democraticamente, que pode, sim, estabelecer suas regras internas de funcionamento, porém dentro dos parâmetros estabelecidos na Constituição pelo Congresso enquanto poder constituinte. Se violar esses parâmetros, ministro do STF pode ser cassado pelo Senado.

Propor uma emenda constitucional para alterar objetivos e limitar prerrogativas do Supremo é, portanto, absolutamente legítimo e democrático. É o equivalente de qualquer outra emenda constitucional: todas alteram a Constituição vigente no sentido de uma nova ordem. Como essa alteração fere direitos corporativos, aqueles que se sentem atingidos vão apelar de todas as formas para evitar sua aprovação, aí incluída a balela demagógica de que se trata de uma iniciativa contra a democracia.

De fato, alguns ministros do STF vêem na proposta de emenda um atentado à democracia. Ao contrário, trata-se de impedir o poder absoluto do STF. Isso, sim, é que é uma violação da democracia já que confrontaria princípios constitucionais basilares. Diz a Constituição: “Art. 1o. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Isso deixa claro que, constitucionalmente, o poder político máximo é o Congresso eleito, não o Judiciário burocrático.

Somos um país que, à margem de superar um regime autoritário, tivemos a experiência de alterar profundamente as bases de funcionamento do Executivo e do Legislativo com a instalação da democracia. E esses poderes às vezes cortaram na própria carne no combate à corrupção. O Judiciário não passou por nenhuma reforma relevante, embora tendo sido a grande âncora do autoritarismo. Em muitos aspectos, continuamos a ter a Justiça da ditadura. Quando se postulou legitimamente o princípio do controle externo do Judiciário, a reação contrária se traduziu numa verdadeira avalanche corporativa, que se refletiu num Conselho Superior de Justiça que não passa de um órgão interno presidido estranhamente pelo próprio presidente do STF.

Talvez algumas das propostas da PEC em discussão extrapolem os limites de definição de prerrogativas do Judiciário, o que está constitucionalmente ao alcance do Congresso, para invadir normas internas de funcionamento, que é prerrogativa indiscutível do Judiciário. Contudo, a decisão sobre essa distinção deverá aparecer na própria tramitação. O que é vergonhoso é a iniciativa de parlamentares que querem a intervenção do STF na tramitação de matéria no Congresso. É a confissão de incompetência para resolver questões complexas dentro do próprio Parlamento, invocando um poder externo para compensar a situação de minoria parlamentar.

Note-se que o STF está violando, sim, prerrogativas não só do Congresso mas do povo com suas sucessivas cassações de mandatos por supostos crimes eleitorais só julgados muito tempo depois das eleições. Entendo que eleger corruptos condenados seria um absurdo, algo que justifica plenamente a Lei da Ficha Limpa. Mas acho um absurdo deixar que supostos corruptos sejam candidatos, tendo em vista o retardamento, por incompetência ou má fé, do julgamento das ações que os incriminam, para, depois de eleitos, entrarem no jogo do poder junto ao Judiciário a fim de ter uma sentença favorável. Isso é fonte de corrupção do Judiciário, e uma forma de violar o direito de escolha do povo manifesto nas urnas.

Já essa outra interferência no trabalho do Congresso, em relação à PEC que tenta suspender a tramitação do projeto que limita recursos oficiais e tempo de televisão subsidiado para novos partidos, é simplesmente absurda. O princípio de isonomia se aplica à liberdade de organização partidária, não à regra de distribuição de recursos e de tempo de TV, que obedece necessariamente a um princípio discricionário. Do contrario, os recursos e o tempo de TV teriam de ser divididos em partes iguais para tantos partidos quanto os que aparecessem na vida política brasileira. Note-se que, em países como a Alemanha, a discriminação se aplica não a recursos, mas ao próprio direito de representação: partido com menos de 5% dos votos não têm direito a representação no Parlamento. Acaso não seria democrático?

50 verdades sobre as sanções econômicas dos Estados Unidos contra Cuba

29.04.13 - Cuba
Salim Lamrani
Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidad Paris Sorbonne-Paris IV. Professor nas Universidades Paris-Sorbonne-Paris IV e Paris-Est Marne-la-Vallée. Jornalista, especialista sobre relaciones entre Cuba e Estados Unidos. Opera Mundi
Adital
O estado de sítio econômico mais extenso da história voltou a atrair holofotes após a visita de Beyoncé à ilha
Por Salim Lamrani
Opera Mundi
A visita da estrela estadunidense da música Beyoncé e de seu marido Jay-z à Havana voltou a levantar polêmica sobre a manutenção das sanções contra Cuba, em vigor há mais de meio século. Eis aqui alguns dados sobre o mais extenso estado de sítio econômico da história.
1) A administração republicada de Dwight D. Eisenhower impôs as primeiras sanções econômicas contra Cuba em 1960, oficialmente por causa do processo de nacionalizações que o governo revolucionário de Fidel Castro empreendeu.
2) Em1962, o governo democrata de John F. Kennedy aplicou sanções econômicas totais contra a ilha.
3) O impacto foi terrível. Os Estados Unidos sempre constituíram o mercado natural de Cuba. Em 1959, 73% das exportações eram feitas para o vizinho do norte e 70% das importações precediam deste território.
4) Agora, Cuba não pode exportar nem importar nada dos Estados Unidos. Desde 2000, depois das pressões do lobby agrícola estadunidense que buscava novos mercados para seus excedentes, a cidade de Havana está autorizada a importar algumas matérias-primas alimentícias, com condições draconianas.
5) A retórica diplomática para justificar o endurecimento deste estado de sítio econômico evoluiu com o tempo. Entre 1969 e 1990, os Estados Unidos evocaram o primeiro caso de expropriações de suas empresas para justificar sua política hostil contra Havana. Em seguida, Washington evocou sucessivamente a aliança com a União Soviética, o apoio às guerrilhas latino-americanas na luta contra as ditaduras militares e a intervenção cubana na África para ajudar as antigas colônias portuguesas a conseguir sua independência e a defendê-la.
6) Em 1991, depois do desmoronamento do bloco soviético, em vez de normalizar as relações com Cuba, os Estados Unidos decidiram reforçar as sanções invocando a necessidade de reestabelecer a democracia e o respeito aos direitos humanos.
7) Em 1992, sob a administração de Bush pai, o Congresso dos Estados Unidos adotou a lei Torricelli, que recrudesce as sanções contra a população cubana e lhes dá um caráter extraterritorial, isto é, contrário à legislação internacional.
8) O direito internacional proíbe toda lei nacional de ser extraterritorial, isto é, de ser aplicada além das fronteiras do país. Assim, a lei francesa não pode ser aplicada na Alemanha. A legislação brasileira não pode ser aplicada na Argentina. Não obstante, a lei Torricelli é aplicada em todos os países do mundo.
9) Assim, desde 1992, todo barco estrangeiro – qualquer que seja sua procedência – que entre em um porto cubano, se vê proibido de entrar nos Estados Unidos durante seis meses.
10) As empresas marítimas que operam na região privilegiam o comércio com os Estados Unidos, primeiro mercado mundial. Cuba, que depende essencialmente do transporte marítimo por sua insularidade, tem de pagar um preço muito superior ao do mercado para convencer as transportadoras internacionais a fornecer mercadoria à ilha.

WikiCommons - Fidel Castro durante Assembleia da ONU
11) A lei Torricelli prevê também sanções aos países que brindam assistência a Cuba. Assim, se a França ou o Brasil outorgarem uma ajuda de 100 milhões de dólares à ilha, os Estados Unidos cortam o mesmo montante de sua ajuda a essas nações.
12) Em 1996, a administração Clinton adotou a lei Helms-Burton que é ao mesmo tempo extraterritorial e retroativa, isto é, se aplica sobre feitos ocorridos antes da adoção da legislação, o que é contrário ao direito internacional.
13) O direito internacional proíbe toda legislação de ter caráter retroativo. Por exemplo, na França, desde 1º de janeiro de 2008, está proibido fumar nos restaurantes. Não obstante, um fumador que tivesse consumido um cigarro no dia 31 de dezembro de 2007 durante um jantar não pode ser multado por isso, já que a lei não pode ser retroativa.
14) A lei Helms-Burton sanciona toda empresa estrangeira que se instalou em propriedades nacionalizadas pertencentes a pessoas que, no momento da estatização, dispunham de nacionalidade cubana, violando o direito internacional.
15) A lei Helms-Burton viola também o direito estadunidense que estipula que as demandas judiciais nos tribunais somente são possíveis se a pessoa afetada por um processo de nacionalizações era um cidadão estadunidense quando ocorreu a expropriação e que esta tenha violado o direito internacional público. Veja só, nenhum destes requisitos são cumpridos.
16) A lei Helms-Burton tem como efeito dissuadir numerosos investidores de se instalarem em Cuba por temer represálias por parte da justiça estadunidense e é muito eficaz.
17) Em 2004, a administração de Bush filho criou a Comissão de Assistência a uma Cuba Livre, que impulsionou novas sanções contra Cuba.
18) Esta Comissão limitou muito as viagens. Todos os habitantes dos Estados Unidos podem viajar a seu país de origem quantas vezes quiserem - menos os cubanos. De fato, entre 2004 e 2009, os cubanos dos Estados Unidos só puderam viajar a ilha 14 dias a cada três anos, na melhor das hipóteses, desde que conseguissem uma autorização do Departamento do Tesouro.
19) Para poder viajar era necessário demonstrar que ao menos um membro da família vivia em Cuba. Não obstante, a administração Bush redefiniu o conceito de família, que se aplicou exclusivamente aos cubanos. Assim, os primos, sobrinhos, tios e outros parentes próximos já não formavam parte da família. Somente os avós, país, irmãos, filhos e cônjuges formavam parte da família, de acordo com a nova definição. Por exemplo, um cubano que residisse nos Estados Unidos não poderia visitar sua tia em Cuba, nem mandar uma ajuda econômica para seu primo.
20) Os cubanos que cumpriam todos os requisitos para viajar a seu país de origem, além de terem de limitar sua estadia a duas semanas, não podiam gastar ali mais de 50 dólares diários.
21) Todos os cidadãos ou residentes estadunidenses podiam mandar uma ajuda financeira a sua família, sem limite de valor, menos os cubanos, que não podiam mandar mais de 100 dólares ao mês entre 2004 e 2009.
22) Não obstante, era impossível a um cubano da Flórida mandar dinheiro à sua mãe que vivia em Havana – membro direto da sua família de acordo com a nova definição –, se a mãe militasse no Partido Comunista.
23) Em 2006, a Comissão de Assistência a uma Cuba Livre adotou outra norma que recrudesceu as restrições contra Cuba.
24) Com o objetivo de limitar a cooperação médica cubana com o resto do mundo, os Estados Unidos proibiram a exportação de equipamentos médicos a países terceiros "destinados a serem utilizados em programas de grande escala [com] pacientes estrangeiros” mesmo apesar de a maior parte da tecnologia médica mundial ser de origem estadunidense.
25) Por causa da aplicação extraterritorial das sanções econômicas, uma fabricante de carros japonesa, alemã, coreana, ou outra, que deseje comercializar seus produtos no mercado estadunidense, tem de demonstrar ao Departamento do Tesouro que seus carros não contêm nem um só grama de níquel cubano.
26) Do mesmo modo, um confeiteiro francês que deseje entrar no primeiro mercado do mundo tem de demonstrar à mesma entidade que sua produção não contém um só grama de açúcar cubano.
27) Assim, o caráter extraterritorial das sanções limita fortemente o comércio internacional de Cuba com o resto do mundo.
28) Às vezes, a aplicação destas sanções toma um rumo menos racional. Assim, todo turista estadunidense que consuma um cigarro cubano ou um copo de rum Havana Club durante uma viagem ao exterior, na França, no Brasil ou no Japão, se arrisca a pagar uma multa de um milhão de dólares e a ser condenado a dez anos de prisão.
29) Do mesmo modo, um cubano que resida na França, teoricamente não pode comer um sanduíche do McDonald’s.
30) O Departamento do Tesouro é taxativo a respeito: "Muitos se perguntam com frequência se os cidadãos estadunidenses podem adquirir legalmente produtos cubanos, inclusive tabaco ou bebidas alcoólicas, em um país terceiro para seu consumo pessoal fora dos Estados Unidos. A resposta é não”.
31) As sanções econômicas também têm um impacto dramático no campo da saúde. Com efeito, cerca de 80% das patentes depositadas no setor médico provêm das multinacionais farmacêuticas estadunidenses e de suas subsidiárias e Cuba não pode ter acesso a elas. O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos sublinha que "as restrições impostas pelo embargo têm contribuído para privar Cuba de um acesso vital a medicamentos, novas tecnologias médicas e científicas”.
32) No dia 3 de fevereiro de 2006, uma delegação de dezesseis funcionários cubanos, reunida com um grupo de empresários estadunidenses, foi expulsa do Hotel Sheraton María Isabel da capital mexicana, violando a lei asteca que proíbe todo tipo de discriminação por raça ou origem.
33) Em 2006, a empresa japonesa Nikon se negou a entregar o primeiro prêmio – uma câmera – a Raysel Sosa Rojas, jovem cubano de 13 anos que sofre de uma hemofilia hereditária incurável, que ganhou o XV Concurso Internacional de Desenho Infantil do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A multinacional nipônica explicou que a câmera digital não poderia ser entregue ao jovem cubano porque continha componentes estadunidenses.
34) Em abril de 2007, o banco Bawag, vendido ao fundo financeiro estadunidense, fechou as contas de uma centena de clientes de origem cubana que residiam na república alpina, aplicando assim, de modo extraterritorial, a legislação estadunidense em um país terceiro.
35) Em 2007, o banco Barclays ordenou às suas filiais de Londres que fechassem as contas de duas empresas cubanas: Havana International Bank e Cubanacán, depois de a Ofac (Office of Foreign Assets Control, ou Oficina de Controle de Bens Estrangeiros) do Departamento do Tesouro, efetuar prisões.
36) Em julho de 2007, a companhia aérea espanhola Hola Airlines, que tinha um contrato com o governo cubano para transportar pacientes que padeciam de doenças oculares no marco da Operação Milagre teve de por fim às suas relações com Cuba. Com efeito, quando solicitou ao fabricante estadunidense Boeing que realizasse consertos em um avião, este lhe exigiu como condição que rompesse seu contrato com a ilha caribenha e explicou que a ordem era procedente do governo dos Estados Unidos.
37) No dia 16 de dezembro de 2009, o banco Crédit Suisse recebeu uma multa de 536 milhões de dólares do Departamento do Tesouro por realizar transações financeiras em dólares com Cuba.
38) Em junho de 2012, o banco holandês ING recebeu a maior sanção jamais aplicada desde o início do estado de sítio económico contra Cuba em 1960. A Ofac, do Departamento do Tesouro, sancionou a instituição financeira com uma multa de 619 milhões de dólares por realizar, entre outras, transações em dólares com Cuba, através do sistema financeiro estadunidense.
39) Os turistas estadunidenses podem viajar para a China, principal rival econômica e política dos Estados Unidos, para o Vietnã, país contra o qual Washington esteve mais de quinze anos em guerra, ou para a Coréia do Norte, que possui armamento nuclear e ameaça usá-lo, mas não para Cuba, que, em sua história, jamais agrediu os Estados Unidos.
40) Todo cidadão estadunidense que viole esta proibição se arrisca a uma sanção que pode alcançar 10 anos de prisão e um milhão de dólares de multa.
41) Depois das solicitações de Max Baucus, senador do Estado de Montana, o Departamento do Tesouro admitiu ter realizado, desde 1990, apenas 93 investigações relacionadas ao terrorismo internacional. No mesmo período, efetuou outras 10.683 "para impedir que os estadunidenses exerçam seu direito de viajar a Cuba”.
42) Em um boletim, a Gao (United States Government Accountability Office, ou Oficina de Responsabilidade Governamental dos Estados Unidos) apontou que os serviços aduaneiros (Customs and Border Protection – CBP) de Miami realizaram inspeções "secundárias” sobre 20% dos passageiros procedentes de Cuba em 2007 com a finalidade de comprovar que não importavam tabaco, álcool ou produtos farmacêuticos da ilha. Por outro lado, a média de inspeções foi só de 3% para o restante dos viajantes. Segundo a GAO, este enfoque sobre Cuba "reduz a aptidão dos serviços aduaneiros para levar a cabo sua missão que consiste em impedir que os terroristas, criminosos e outros estrangeiros indesejáveis entrem no país”.
43) Os ex-presidentes James Carter e William Clinton expressaram várias vezes sua oposição à política de Washington. "Não deixei de pedir pública e privadamente a eliminação de todas as restrições financeiras, comerciais e de viagem”, declarou Carter depois de sua segunda estadia em Cuba em março de 2011. Para Clinton, a política de sanções "absurda” tem sido um "fracasso total”.
44) A Câmara de Comércio dos Estados Unidos, que representa o mundo dos negócios e as mais importantes multinacionais do país, também expressou sua oposição à manutenção das sanções econômicas.
45) O jornal The New York Times condenou "um anacronismo da Guerra Fria”.
46) O Washington Post, diário conservador, aparece como o mais virulento quando se trata da política cubana de Washington: "A política dos Estados Unidos em relação a Cuba é um fracasso […]. Nada mudou, exceto que o nosso embargo nos torna mais ridículos e impotentes que nunca”.
47) A maior parte da opinião pública estadunidense também está a favor de uma normatização das relações entre Washington e Havana. Segundo uma pesquisa realizada pela CNN no dia 10 de abril de 2009, 64% dos cidadãos estadunidenses se opõe às sanções econômicas contra Cuba.
48) De acordo com a empresa Orbitz Worldwide, uma das mais importantes agências de viagem da internet, 67% dos habitantes dos Estados Unidos desejam ir de férias para Cuba e 72% acreditam que "o turismo em Cuba teria um impacto positivo na vida cotidiana do povo cubano”.
49) Mais de 70% dos cubanos nasceram sob o estado de sítio econômico.
50) Em 2012, durante a reunião anual da Assembleia Geral das Nações Unidas, 188 países de 192 condenaram pela 21ª vez consecutiva as sanções econômicas contra Cuba.

O golpe da informação

domingo, 28 de abril de 2013

Por Mauro Santayana, em seu blog:
Há 48 anos, quando o Brasil vislumbrava reformas constitucionais necessárias a seu desenvolvimento, os Estados Unidos financiaram e orientaram o golpe militar. E interromperam uma vez mais um projeto nacional proposto em 1930 por Vargas. Os acadêmicos podem construir teses sofisticadas sobre a superioridade dos países nórdicos para explicar o desenvolvimento da Europa e dos norte-americanos e as dificuldades dos demais povos em acompanhá-los, mas a razão é outra. Com superioridade bélica, desde sempre, impuseram-se como conquistadores do espaço e saqueadores dos bens alheios, os quais lhes permitiram o grande desenvolvimento científico e militar nos séculos 19 e 20 e sua supremacia sobre o resto do mundo.
Pode-se ver a origem do golpe de 1964 mais próxima uma década antes. Em 1953, diante da resistência de Getulio, que quis limitar as remessas de lucros e criou a Petrobras e a Eletrobras para nos dar autonomia energética, a ação “diplomática” dos Estados Unidos cercou o governo. Com o aliciamento de alguns jornalistas e dinheiro vivo distribuído aos grandes barões da imprensa da época, construiu a crise política interna. Entre a lei que criou a Petrobras e a morte de Getúlio, em 24 de agosto de 1954, o Brasil viveu período conturbado igual aos três anos entre a renúncia de Jânio e 1964.

A propósito do projeto de Getúlio, seria importante a tradução no Brasil de um livro no qual essa operação é narrada em detalhes:The americanization of Brazil – A study of US cold war diplomacy in the third world, 1945-1954. Um estudo sobre a diplomacia norte-americana para o Terceiro Mundo em tempos de Guerra Fria. O autor, Gerald K. Haines, é identificado pela editora SR Books como historiador sênior a serviço da CIA, o que lhe confere toda a credibilidade.

Haines mostra como os donos dos grandes jornais da época foram “convencidos” a combater o monopólio estatal, até mesmo com textos produzidos na própria embaixada, no Rio. E lembra a visita ao Brasil do secretário de Estado Edward Miller, com a missão de pressionar o governo a abrir a exploração do petróleo às empresas norte-americanas. O presidente da Standard Oil nos Estados Unidos, Eugene Holman, orientou Miller a nos vender a ideia de que só assim o Brasil se desenvolveria. Mas o povo foi às ruas e obrigou o Congresso a impor o monopólio.
A domesticação dos meios de informação do Brasil começara ainda no governo Dutra. Os norte-americanos usaram as excelentes relações entre os intelectuais e jornalistas e o embaixador Jefferson Caffery, nos meses em que o Brasil decidira por aliar-se aos Estados Unidos na luta contra o nazifascismo, em benefício de sua expansão neocolonialista.
A criação da Petrobras levou os ianques ao paroxismo contra Vargas, e os meios de comunicação acompanhavam a histeria norte-americana. A estatal era vista como empresa feita com o amadorismo irresponsável dos ignorantes.
A morte de Vargas não esmoreceu os grupos que tentaram, em 11 de novembro do ano seguinte, impedir a posse de Juscelino. O golpe de Estado foi frustrado pela ação rápida do general Teixeira Lott. Em 1964, a desorganização das forças populares favoreceu a vitória dos norte-americanos, que voltaram a domesticar a imprensa e o Parlamento e manipularam os chefes militares brasileiros.
Os êxitos do governo atual e a nova arregimentação antinacional contra a Petrobras – agora com o pré-sal – devem mobilizar os trabalhadores que não estão dispostos a viver o que já conhecemos. Sabem que a situação internacional tende para a direita, e não podemos repetir apenas que o povo esmagará os golpistas. É necessário não só exercer a vigilância, mas agir, de forma organizada e já, para promover a unidade nacional em defesa do desenvolvimento de nosso país.

RESULTADOS FINANCEIROS E OPERACIONAIS DA PETROBRAS

segunda-feira, 29 de abril de 2013


Resultados: Lucro líquido foi de R$ 7,693 bilhões no 1º trimestre de 2013

“Veja os principais pontos dos resultados financeiros e operacionais do primeiro trimestre do exercício de 2013 da Petrobras, divulgados na sexta-feira (26/04):
O lucro líquido da Petrobras foi de R$ 7 bilhões e 693 milhões no 1º trimestre de 2013. O lucro operacional alcançou R$ 9 bilhões 849 milhões, representando aumento de 72% em relação ao trimestre anterior, devido aos reajustes de preços do diesel e da gasolina, menores custos de importação e redução das despesas operacionais.
O lucro líquido ficou estável em relação ao trimestre anterior, em função do maior resultado operacional ter sido compensado pelos menores ganhos financeiros e maior imposto sobre o lucro.
Na comparação com o 1º trimestre de 2012, o resultado operacional foi 16% inferior, refletindo maiores volumes de importação, o efeito da depreciação cambial (13%) e maiores despesas operacionais. O lucro líquido ficou 17% menor, em função do menor resultado operacional e ausência de benefício fiscal.
A produção total de petróleo e gás natural totalizou 2 milhões 552 mil barris/dia na média do trimestre, ficando 2% inferior ao 4º trimestre de 2012. Conforme esperado, a produção diminuiu devido ao declínio natural dos campos e ao maior número de paradas para manutenção, concentradas no 1º semestre do ano.
Dois sistemas de produção iniciaram operação na Bacia de Santos: FPSO Cidade de São Paulo, no campo de Sapinhoá, no pré-sal, e FPSO Cidade de Itajaí, no campo de Baúna, no pós-sal. O terceiro sistema – FPSO Cidade de Paraty – já se encontra em processo de ancoragem no campo de Lula Nordeste e começará a produzir no final de maio de 2013.
NOVO RECORDE DE PRODUÇÃO DO PRÉ-SAL DE 311 MIL BARRIS POR DIA EM 17 DE ABRIL.
As novas descobertas foram: Sul de Tupi e Florim em áreas da Cessão Onerosa; Sagitário no pré-sal da Bacia de Santos; e Mandarim, no pós-sal do campo de Marlim Sul na Bacia de Campos.
O “Programa de Recuperação da Eficiência Operacional da Bacia de Campos” (PROEF) apresentou ganhos de 34 mil barris por dia na produção de óleo e LGN do 1º trimestre de 2013.
O “Programa de Otimização dos Custos Operacionais” (PROCOP) gerou resultados globais acima do previsto para o trimestre, resultando em economia de R$ 1 bilhão 260 milhões (1/3 da meta para o ano).
A Petrobras bateu recorde de processamento de petróleo em 7 de abril (2 milhões 149 mil barris/dia). No trimestre, houve crescimento do mercado interno (+9%) atendido principalmente pelo aumento da produção de derivados (+10%) em comparação ao mesmo período de 2012.
Realização de dois reajustes de preços do diesel (totalizando 10,7%) e um de gasolina (6,6%).
Os investimentos totalizaram R$ 19 bilhões 769 milhões, sendo 54% nas atividades de Exploração e Produção.”