quarta-feira, 15 de maio de 2013

ENTREVISTA: “Custo Brasil” não é provocado pelo trabalho

ENTREVISTA: "Custo Brasil" não é provocado pelo trabalho

Economista afirma que conquistas
trabalhistas aumentam a competitividade
O economista José Álvaro Cardoso
O economista José Álvaro Cardoso
É comum ouvir de empresários e de alguns economistas sobre o alto custo de contratar um trabalhador no Brasil, e muitos apontam os benefícios trabalhistas e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como um entrave para o desenvolvimento do país.
O economista José Álvaro Cardoso, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de Santa Catarina vai no sentido oposto a esse senso comum e afirma que o custo dos trabalhadores brasileiros é muito inferior ao dos países desenvolvidos, e mesmo de outros países em desenvolvimento.
José Álvaro conversou por e-mail com o Jornal do Unificados e falou sobre o chamado Custo Brasil, ataques aos direitos trabalhistas e a enorme margem de lucro das empresas no país.
ENTREVISTA
“O custo do trabalho no Brasil não é elevado na comparação internacional”
Jornal do Unificados – Muito se fala sobre o Custo Brasil. Ele realmente existe?
Cardoso – Existe. As estradas mal conservadas, a ausência de ferrovias, o custo excessivo da energia elétrica (que reduziu substancialmente com as medidas recentes), a má gestão de obras e empresas, a burocracia, a corrupção, tudo isso (e muito mais) pode ser contabilizado no chamado custo Brasil.
O que não podemos aceitar é a tese de que o custo do trabalho no país faz parte do Custo Brasil. Isto por uma razão simples: o custo do trabalho no Brasil, pelos dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) são baixos na comparação internacional. São muito mais baixos do que o dos países industrializados e mais baixos do que vários países em desenvolvimento (ou emergentes) como o Brasil. Estamos falando do custo do trabalho como um todo, ou seja, salários e encargos sociais. O custo do trabalho no Brasil não é elevado na comparação internacional.
Jornal do Unificados – Muitos empresários afirmam que os benefícios trabalhistas diminuem a competitividade das indústrias brasileiras. O que acha dessa afirmação?
Cardoso – Os benefícios trabalhistas são indicadores civilizatórios numa sociedade. Eles aumentam a competitividade, porque somente pessoas que dispõem de um mínimo de direitos e benefícios trabalhistas conseguem produzir com qualidade. Porque os salários dos alemães são oito ou 10 vezes superiores aos dos brasileiros (salário é um “benefício trabalhista” direto) e a indústria alemã é muito mais competitiva do que a brasileira.
O que tira a competitividade são a política cambial inadequada, ausência de política industrial, desnacionalização da economia, juros altos, disponibilidade de dinheiro público subsidiado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) às transnacionais, e assim por diante.
Na indústria de transformação os salários correspondem a perto de 22% do custo total da empresa. Essa parcela do custo pode ser culpabilizada pela diminuição da competitividade? Além disso, tem o aspecto do consumo. Não existe produção sem consumo, e quem consome os produtos numa sociedade são os trabalhadores, que são a esmagadora maioria. Portanto, os salários são fundamentais para a própria existência da sociedade baseada no consumo.
Jornal do Unificados – Frequentemente surgem propostas de setores da indústria para alterar as leis trabalhistas. Como você vê essas propostas?
Cardoso – São propostas que mostram que o empresariado brasileiro atribui o chamado Custo Brasil aos salários e aos direitos trabalhistas, quando se sabe que a margem de lucro no Brasil é uma das mais elevadas do mundo. Recentemente a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou um documento com 101 sugestões visando elevar a competitividade e a produtividade da indústria brasileira, através da redução de custos, da diminuição da burocracia e, principalmente, de mudanças nas leis trabalhistas.
O documento, intitulado “Propostas para Modernização Trabalhista”, é bastante abrangente. Propõe a substituição do legislado pelo negociado e pede a revogação de Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, na visão dos empresários, favorecem aos trabalhadores. Um dos aspectos centrais do referido documento é a flexibilização e redução dos direitos trabalhistas, via mudança constitucional ou na legislação infraconstitucional, através de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Jornal do Unificados – Nos últimos tempos o governo federal fez algumas reformas para desonerar a indústria. A diminuição na tarifa energética é um exemplo. Porém os preços dos produtos permanecem praticamente os mesmos. Por quê?
Cardoso – Diferentemente da química, em economia não se consegue “separar os elementos” que explicam um determinado fenômeno. Preços são resultados de muitas variáveis. A desoneração da folha dificilmente vai significar redução de preços.
Não acredito nisso. Pode até ajudar na geração de empregos, na medida em que o custo do emprego diminuiu e será coberto com o faturamento.
Agora,a redução do custo da energia elétrica deve contribuir com a moderação inflacionária, na medida em que, em alguns segmentos industriais, o custo da energia elétrica tem um peso muito elevado. De qualquer forma, como eu disse, o controle da inflação depende de muitas variáveis.

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