ENTREVISTA: "Custo Brasil" não é provocado pelo trabalho
Economista afirma que conquistas
trabalhistas aumentam a competitividade
É
comum ouvir de empresários e de alguns economistas sobre o alto custo
de contratar um trabalhador no Brasil, e muitos apontam os benefícios
trabalhistas e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como um entrave
para o desenvolvimento do país.
O
economista José Álvaro Cardoso, do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de Santa Catarina vai no
sentido oposto a esse senso comum e afirma que o custo dos trabalhadores
brasileiros é muito inferior ao dos países desenvolvidos, e mesmo de
outros países em desenvolvimento.
José
Álvaro conversou por e-mail com o Jornal do Unificados e falou sobre o
chamado Custo Brasil, ataques aos direitos trabalhistas e a enorme
margem de lucro das empresas no país.
ENTREVISTA
“O custo do trabalho no Brasil não é elevado na comparação internacional”
Jornal do Unificados – Muito se fala sobre o Custo Brasil. Ele realmente existe?
Cardoso
– Existe. As estradas mal conservadas, a ausência de ferrovias, o custo
excessivo da energia elétrica (que reduziu substancialmente com as
medidas recentes), a má gestão de obras e empresas, a burocracia, a
corrupção, tudo isso (e muito mais) pode ser contabilizado no chamado
custo Brasil.
O
que não podemos aceitar é a tese de que o custo do trabalho no país faz
parte do Custo Brasil. Isto por uma razão simples: o custo do trabalho
no Brasil, pelos dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
são baixos na comparação internacional. São muito mais baixos do que o
dos países industrializados e mais baixos do que vários países em
desenvolvimento (ou emergentes) como o Brasil. Estamos falando do custo
do trabalho como um todo, ou seja, salários e encargos sociais. O custo
do trabalho no Brasil não é elevado na comparação internacional.
Jornal
do Unificados – Muitos empresários afirmam que os benefícios
trabalhistas diminuem a competitividade das indústrias brasileiras. O
que acha dessa afirmação?
Cardoso
– Os benefícios trabalhistas são indicadores civilizatórios numa
sociedade. Eles aumentam a competitividade, porque somente pessoas que
dispõem de um mínimo de direitos e benefícios trabalhistas conseguem
produzir com qualidade. Porque os salários dos alemães são oito ou 10
vezes superiores aos dos brasileiros (salário é um “benefício
trabalhista” direto) e a indústria alemã é muito mais competitiva do que
a brasileira.
O
que tira a competitividade são a política cambial inadequada, ausência
de política industrial, desnacionalização da economia, juros altos,
disponibilidade de dinheiro público subsidiado do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) às transnacionais, e assim
por diante.
Na
indústria de transformação os salários correspondem a perto de 22% do
custo total da empresa. Essa parcela do custo pode ser culpabilizada
pela diminuição da competitividade? Além disso, tem o aspecto do
consumo. Não existe produção sem consumo, e quem consome os produtos
numa sociedade são os trabalhadores, que são a esmagadora maioria.
Portanto, os salários são fundamentais para a própria existência da
sociedade baseada no consumo.
Jornal
do Unificados – Frequentemente surgem propostas de setores da indústria
para alterar as leis trabalhistas. Como você vê essas propostas?
Cardoso
– São propostas que mostram que o empresariado brasileiro atribui o
chamado Custo Brasil aos salários e aos direitos trabalhistas, quando se
sabe que a margem de lucro no Brasil é uma das mais elevadas do mundo.
Recentemente a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou um
documento com 101 sugestões visando elevar a competitividade e a
produtividade da indústria brasileira, através da redução de custos, da
diminuição da burocracia e, principalmente, de mudanças nas leis
trabalhistas.
O
documento, intitulado “Propostas para Modernização Trabalhista”, é
bastante abrangente. Propõe a substituição do legislado pelo negociado e
pede a revogação de Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que,
na visão dos empresários, favorecem aos trabalhadores. Um dos aspectos
centrais do referido documento é a flexibilização e redução dos direitos
trabalhistas, via mudança constitucional ou na legislação
infraconstitucional, através de mudanças na Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT).
Jornal
do Unificados – Nos últimos tempos o governo federal fez algumas
reformas para desonerar a indústria. A diminuição na tarifa energética é
um exemplo. Porém os preços dos produtos permanecem praticamente os
mesmos. Por quê?
Cardoso
– Diferentemente da química, em economia não se consegue “separar os
elementos” que explicam um determinado fenômeno. Preços são resultados
de muitas variáveis. A desoneração da folha dificilmente vai significar
redução de preços.
Não
acredito nisso. Pode até ajudar na geração de empregos, na medida em
que o custo do emprego diminuiu e será coberto com o faturamento.
Agora,a
redução do custo da energia elétrica deve contribuir com a moderação
inflacionária, na medida em que, em alguns segmentos industriais, o
custo da energia elétrica tem um peso muito elevado. De qualquer forma,
como eu disse, o controle da inflação depende de muitas variáveis.
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