segunda-feira, 13 de maio de 2013

Os governos progressistas sul-americanos são prisioneiros da ausência de autocrítica

J. Carlos de Assis

13/05/2013


Omissão crítica de correligionários e simpatizantes, sob o pretexto de lealdade e fidelidade à causa, trava análise de insuficiências óbvias. Políticas sociais foram e são fundamentais, mas todos descuidaram das políticas para o desenvolvimento. Data: 13/05/2013
O pior inimigo dos governos progressistas da América do Sul, da Argentina à Venezuela, passando por Bolívia e Brasil, é a omissão crítica de correligionários e simpatizantes que, sob o pretexto de lealdade e fidelidade à causa, fecham os olhos para insuficiências políticas óbvias. Todos esses países adotaram fundamentais políticas públicas de caráter social, o que lhes dá indiscutível perfil progressista; mas todos, sem exceção, descuidaram de políticas públicas de desenvolvimento a médio e longo prazo, o que a esquerda tem sido omissa em criticar.

Limitemo-nos ao Brasil e à Venezuela. No caso brasileiro, o descuido com a infraestrutura logística, em geral ignorado pelos amigos “leais” dos governos do PT, abriu uma verdadeira clareira para ser explorada pelos oposicionistas. Um aspecto ainda mais grave é que à insuficiência ao longo de décadas de investimentos no setor segue-se agora uma estratégia movida mais por ideologia do que por cálculo econômico. É que o Governo, estimulado por alguns ideólogos liberais do empresariado, como Jorge Gerdau, decidiu apostar em PPP para vencer o atraso.

PPP, ou Parcerias Público-Privadas, é uma boa solução para concessão de obras prontas. Ela é uma variante da privatização, que foi a “solução” para que o Estado transferisse ao setor privado a siderurgia, as telecomunicações, as distribuidoras elétricas, os bancos estaduais, a Vale do Rio Doce e a RFF em condições, como foi fartamente comprovado, de extrema generosidade. Não seria assim tao fácil se o que o Governo vendesse fosse uma autorização para a construção dessas empresas. É isso, porém, que se quer com as PPPs da logística a construir.

Não falo de portos e de certas rodovias de alto fluxo de veículos que precisam apenas de investimentos de conservação e restauração. Falo de rodovias e ferrovias que precisam ser construídas ou duplicadas por exigência do desenvolvimento, e nas quais não se prevê, inicialmente, um fluxo de veículos compatível com preço de pedágio que não represente uma carga pesada demais para a eficiência dos transportes. Trata-se de algo óbvio, mas o Governo não se deu conta de que os 7,5 mil quilômetros de rodovias e ferrovias que pretende ver construídos no esquema PPP, anunciados com uma projeção de bilhões de investimentos, não sairão do papel.

De fato, a primeira licitação de concessões desses empreendimentos ficou deserta, ou seja, não apareceu licitante. O Governo aumentou a taxa de retorno prevista, garantiu formas de financiamento extremamente generosas e se prepara para abrir novos leilões, mas há uma alta probabilidade de não haver interessados de novo. Muita gente acredita que o fato de se oferecer crédito do BNDES excepcionalmente barato (5,5%) é suficiente para atrair empresas para esses empreendimentos esquecendo-se do fato de que crédito, por barato que seja, gera uma obrigação que deve ser paga algum tempo depois da obra concluída.

O setor de construção pesada não se interessará por empreendimentos novos concedidos pela razão simples de que sua prática tradicional é de fazer obras sob contrato e passá-la adiante ao Governo. Vejam as obras do PAC e, especificamente, da Copa: quer melhor negócio do que construir um Maracanã com um sobrepreço mais de 70% acima do orçado sem compromisso de pagamento do financiamento com uma determinada taxa de retorno? Só os ideólogos do neoliberalismo e os ingênuos podem acreditar em PPP para empreendimento novo. Quem viver verá.

A presidenta Dilma terá dificuldades em sua reeleição em razão da virtual falência do sistema de transportes e da estratégia equívoca que elegeu para superar esse gargalo. Se a intenção dela tem sido demonstrar que o caminho escolhido foi no sentido de deixar claro de uma vez por todas que não tem preconceito em trabalhar junto com o setor privado, na Venezuela o caminho trilhado por Chávez e seus seguidores foi exatamente o oposto, no sentido de insistir num modelo de estatização que destruiu as bases produtivas da economia paralelamente aos avanços sociais.

Não creio que a reprodução do show televisivo levado ao ar este ano sobre a degradação de nossa infraestrutura de transportes seja suficiente, no próximo, para derrotar Dilma, exceto se se acrescer a isso outros problemas de infraestrutura: um apagão elétrico prolongado, por exemplo. Mas acredito que Maduro terá grandes dificuldades em sair bem da revogatória marcada para daqui a dois anos, a não ser que consiga resolver os problemas básicos de abastecimento e inflação no pais. É que ele terá pouco tempo para mudar a estrutura produtiva numa base exclusivamente estatizante, e certamente não terá condições políticas para fazê-lo com o concurso da iniciativa privada mesmo que em áreas produtivas não estratégicas. E no caso de não ser confirmado, pelo que sabemos das condições sociais e políticas da Venezuela, será o caos. E provavelmente uma guerra civil tipicamente “bolivariana”.

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