segunda-feira, 3 de junho de 2013

A longa marcha para a insensatez


Revista Carta Capital - 03/06/2013


A manutenção da moeda sobrevalorizada ao longo de muitos anos é um erro crasso de política econômica que afeta negativamente a política fiscal e a monetária


por Júlio Sérgio Gomes De Almeida e Luiz Gonzaga Belluzzo




Mais uma vez a indústria teve um papel preponderante no mau desempenho da economia brasileira. No primeiro trimestre, a indústria declinou 0,3%, contrastando com o forte crescimento da agropecuária (9,7%) e dos investimentos associados (4,6%, sobretudo veículos pesados).

Nos últimos 12 meses, a indústria em seu conjunto - transformação, construção e extrativa mineral, além dos serviços industriais de utilidade pública -apresentou forte queda. Dentre os sub-setores mencionados, sobressai a debilidade da indústria de transformação, que, em 12 meses até o primeiro trimestre de 2013, recuou 2,1%. Esse comportamento, sem dúvida, responde em alguma medida ao baixo crescimento do comércio internacional e aos desarranjos que afetam as economias do Mercosul, particularmente a Argentina.

Mas não é possível compreender a trajetória industrial brasileira sem mencionar os equívocos de política econômica cometidos ao longo dos últimos 20 anos. A relativa complexidade do fenômeno torna difícil sua compreensão e comunicação no debate público por causa da disseminação de simplificações midiáticas e da partidarização das posições em confronto.

Nos anos 90, um novo ciclo de liquidez internacional ensejou a almejada estabilização do nível geral de preços. As classes conservadoras e conversadoras não aprendem e, ao contrário dos Bourbons, tampouco se lembram de coisa alguma. Diante da pletora de dólares, passaram a salivar com intensidade e patrocinar as visões mais grotescas a respeito das relações entre desenvolvimento econômico, abertura da economia e relações entre política fiscal e monetária.

Aproveitaram a abundância de dólares para matar a inflação, mas permitiram a valorização do câmbio, sob o pretexto de que a liberalização do comércio e dos fluxos financeiros promoveria a alocação eficiente dos recursos. Nessa visão, os ganhos de produtividade decorrentes das mudanças no comportamento empresarial diante do câmbio valorizado seriam suficientes para dinamizar as exportações, atrair investidores externos e deslanchar um forte ciclo de acumulação.

Na vida real, a abertura comercial com câmbio valorizado e juros altos suscitou, porém, o desaparecimento de elos das cadeias produtivas na indústria de transformação, com perda de valor agregado gerado no País, decorrente da elevação dos coeficientes de importação, sem ganhos nas exportações, em cada uma das cadeias de produção. Para juntar ofensa à injúria, essa forma anacrônica de abertura afastou o Brasil do engajamento nas cadeias produtivas globais.

Com essa estratégia, o crescimento da economia brasileira foi pífio. O investimento estrangeiro em nova capacidade deslocou-se para regiões mais atraentes, como a China, onde as políticas cambial e monetária favoreceram as iniciativas de política industrial e construíram o caminho para o rápido crescimento da exportação de manufaturados. Os dados da Organização Mundial do Comércio mostram: a China avançou velozmente na sua participação nas exportações mundiais. Suas vendas externas evoluíram de menos de 2% em 1998 para 10,4% em 2012. A China figura em primeiro lugar no ranking dos grandes exportadores, acima da Alemanha, do Japão e do Estados Unidos.

A partir de 2003, ainda à sombra de uma política monetária excessivamente conservadora, o País executou uma política fiscal prudente com queda das dívidas bruta e líquida como proporção do PIB. A acumulação de reservas construiu defesas para prevenir os efeitos de uma eventual crise de balanço de pagamentos. Isto foi proporcionado por uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável que levou às alturas os preços das commodities.

Nesse ambiente benfazejo, a política econômica do governo Lula não corrigiu os enganos dos anos 90 e manteve a taxa de juros e o câmbio fora do lugar. Criou-se uma situação do tipo "há bens que vêm para o mal", ou seja, o câmbio valorizado era compensado pelos preços generosos dos produtos primários formados num mercado mundial superaquecido.

Nas condições descritas acima, seria desejável buscar uma combinação câmbio-juro real mais estimulante para o avanço das exportações e para o investimento nos setores mais dinâmicos do comércio mundial. Estes seriam passos decisivos para a integração do País nos fluxos de exportação e importação exigidos pela nova configuração da indústria global.

O Brasil encerrou os anos 90 e atravessou a década seguinte com uma regressão da estrutura industrial, ou seja, não acompanhou o avanço e a diferenciação setorial da manufatura global e, ademais, perdeu competitividade e elos nas cadeias que conservou. Contrariamente ao afirmado pela vulgata neoliberal a respeito da globalização, o movimento de relocalização manufatureira foi determinado por duas forças complementares: o movimento competitivo da grande empresa transnacional para ocupar espaços "competitivos" e as políticas nacionais dos Estados soberanos nas áreas receptoras.

A crise de 2008 acirrou a concorrência mundia1 na proporção em que os mercados se contraíam. Isso deixou ainda mais patente a fragilidade da inserção externa da economia brasileira. Não por acaso, as medidas de incentivo tributário perdem eficácia, neutralizadas pelo pecado original da valorização da moeda. Isso, além de comprometer o crescimento, o equilíbrio fiscal e a conta corrente do balanço de paga mentos, coloca pressão sobre a taxa de juro.

Para quem tem um conhecimento elementar dos processos de industrialização e de expansão industrial das economias emergentes, a manutenção do câmbio sobrevalorizado ao longo de muitos anos é um erro crasso de política econômica que afeta negativamente a política fiscal e a monetária.


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