quinta-feira, 27 de junho de 2013
Manifestantes exigem a democratização da mídia, regulando o atual oligopólio dominado pela "Globo"
Por Conceição Lemes
“O primeiro ato de protesto contra o aumento da tarifa de ônibus, metrô e trem na cidade de São Paulo aconteceu em 6 de junho. Convocado pelo ‘Movimento Passe Livre’ (MPL), reuniu 5 mil pessoas.
O segundo
ato, no dia seguinte, juntou, também, 5 mil. O terceiro, 12 mil. O
quarto, em 13 de junho, quando houve violenta repressão policial, 20
mil.
Ao quinto
ato compareceram mais de 200 mil. Ao sexto, mais de 50 mil. No sétimo,
em 20 de junho, para comemorar a redução da tarifa, 100 mil. No mesmo
dia, ocorreram manifestações em mais de 120 cidades brasileiras, com
grande variedade de pautas. Dirigidas, inicialmente, a seus prefeitos e
governadores, passaram a ter como alvo principal o governo federal.
“O crescimento muito forte do movimento seria impossível sem a ação monopolística dos meios de comunicação”, alerta o sociólogo Emir Sader. “O governo
está pagando caro por não ter democratizado os meios de comunicação. É
um bumerangue que está voltando para as mãos do próprio governo.”
Emir Sader é
professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde
coordena o Laboratório de Políticas Públicas. É também
secretário-executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais.
Nesta entrevista ao portal “Viomundo”,
ele analisa as mobilizações que ocorreram nas duas últimas semanas, a
atitude do prefeito Fernando Haddad (PT) e o que a esquerda deve fazer
agora.
Viomundo – Por que as manifestações cresceram tanto? Qual a sua avaliação do movimento?
Emir Sader
— As mobilizações tiveram potencial de crescimento muito forte, porque
pegaram duas fragilidades especiais do governo. A falta de políticas
destinadas aos jovens, que dialoguem com eles: cultura, aborto, descriminalização de drogas, internet. E a ausência de iniciativas para democratizar os meios de comunicação.
Os jovens se
mobilizaram por uma proposta justa contra o aumento de tarifa de
transporte público. Porém, ela acabou catalisando quantidade enorme de
outras demandas de diferentes tipos. O movimento passou a ser, então,
uma disputa entre a extrema-direita e extrema-esquerda.
Obtida a
primeira vitória, no dia 19, o movimento se esvaziou, porque o objetivo
imediato foi alcançado. Porém, a partir da última quinta-feira 20, mudou
o caráter das coisas. O potencial totalitário, que estava em segundo
plano devido à reivindicação inicial, aflorou.
Tanto que a
manifestação da quinta-feira passada não teve caráter de festividade,
embora fosse a proposta do Passe Livre. Foi um ato sem objetivo
imediato. E, aí, pôde exteriorizar-se mais claramente a agressão contra a
participação do PT, da CUT, já que o objetivo central tinha
desaparecido do horizonte. Também, as cenas de vandalismo se
multiplicaram, a ponto de a direção do “Movimento Passe Livre” dizer
que, por ora, não vai convocar outra manifestação.
Viomundo – Por que mudou o caráter?
Emir Sader
— Essas mobilizações sem objetivo imediato, ingenuamente ou não, se
prestam a ser laranjas dos vândalos, que, por sua vez, desatam um
processo repressivo como resposta. Dão a impressão de que estão buscando
um cadáver, algum heroísmo, para poder multiplicar o movimento. Acho
que, aí, já prevalece mais a ideia da provocação.
A própria imprensa, que até a última quinta-feira estava falando euforicamente “de um Brasil que está na ruas”,
começou a passar a ideia de que o País estava sem controle. Foi como
que apelando à repressão, querendo que o governo se aventurasse a uma
repressão maior, que o desgastaria, desgastaria a sua autoridade e
geraria mais uso da força.
Viomundo – Esgotou-se uma etapa?
Emir Sader
– Penso que sim, porque terminou a natureza reivindicatória, que foi
vitoriosa e ficou sem objetivos imediatos, se prestando muito a desatar
uma onda de violência, que, aqui no Rio de Janeiro, está sendo
explorada. É preciso ver o que vem em seguida.
Viomundo
– Nas manifestações de quinta-feira, não apenas bandeiras de partidos
políticos, mas também do MST e do movimento negro foram queimadas,
destruídas. O que acha disso?
Emir Sader — A mídia conseguiu inculcar a ideia da raiva dos partidos políticos, particularmente do PT. A gente pode perguntar: por que a raiva do PT e não do PMDB e dos tucanos?
Aí, tem um
instrumento de classe. É a bronca com os partidos, os governos, a
política e o PT, que, claro, é o que encarna mais diretamente isso.
Mas tem outro elemento que os opositores do governo estão tentando tornar dominante: desqualificar a ideia de que o Brasil melhorou e melhorou para melhor.
Até a
oposição aceitava isso e começava a discutir, que precisava fazer mais.
Eles partiam desse pressuposto. Agora, eles estão com uma ideia de
tabula rasa. É “contra tudo o que está aí”, personificado no PT, e essa ideia de que “o Brasil acordou”.
Esse é o selo da direita, que agora deu mais um passo adiante. Não é a
ideia de que precisa fazer mais, fazer melhor. É a desqualificação da
política, do governo, do PT e tudo mais. Essa propaganda tem um
substrato que desemboca na violência, porque é a representante disso que
está aí.
Viomundo
–Em que medida a falta de iniciativas do governo para democratizar a
mídia e a não regulamentação dos meios de comunicação contribuiu para
isso?
Emir Sader
– Esse movimento seria impossível sem a ação monopolística dos meios de
comunicação. No começo, eles até desqualificavam o movimento. Depois,
perceberam que poderia ser um elemento de desgaste do governo federal e
passaram a apoiar desproporcionalmente, a multiplicar sem importância.
Acho que o
governo está pagando um preço caro por não ter democratizado os meios de
comunicação. É um bumerangue que está voltando para as mãos do próprio
governo.
Até agora,
aparentemente, iria surfar nas eleições de 2014, e não queria briga
nenhuma. Mas a Dilma já começou a perceber que o seu modelo econômico e
social está sendo afetado pela desestabilização promovida pela mídia e a
sua popularidade também.
Claro que
houve, ainda, a intervenção desastrosa do prefeito de São Paulo, que
poderia ter cortado isso logo no começo. Ele tem uma responsabilidade
grave nessa história toda.
Viomundo – O Fernando Haddad foi titubeante?
Emir Sader
— Eu nem diria titubeante. Diria que estava com uma atitude equivocada.
Primeiro, ele condenou as ações de vandalismo, fazendo parecer que a
violência era isso, não era a violência também da PM. Segundo, ele
fechou as portas para a negociação, dizendo que não receberia
representantes do movimento enquanto houvesse violência. Disse, também,
que não voltaria atrás no aumento. Ou seja, ele tinha a mesma postura do
Alckmin: não negociar e denunciar a violência dos manifestantes.
Viomundo — Essa postura do prefeito contribuiu para que o movimento crescesse?
Emir Sader
— A violência sempre multiplica os movimentos. Além disso, ele fechou
as portas para a negociação, ajudando ainda mais a disseminar o
movimento. Ele tem responsabilidade de ter facilitado o alastramento das
mobilizações.
Viomundo
– O governo Dilma se afastou dos movimentos sociais. Se isso não
tivesse ocorrido, a evolução das manifestações não teria sido outra?
Emir Sader – Mais do que o governo Lula?
Viomundo — Acho que sim. Os próprios movimentos sociais queixam-se disso.
Emir Sader
— Não dá para ficar culpando só o governo. Ele faz as suas políticas
sociais, elas são mais ou menos populares. Agora, os movimentos sociais,
que deveriam mobilizar os beneficiários dessas políticas, perderam a
capacidade de mobilização.
Na
quinta-feira (20), o MST e a CUT disseram que iriam à manifestação. Em
São Paulo e no Rio de Janeiro, o comparecimento deles foi muito pequeno,
mostrando flagrante incapacidade de mobilização.
Eu não acho
que, substancialmente, o governo da Dilma se afastou mais do que o
governo Lula. Uma coisa é o diálogo. O Lula chamava mais, conversava
mais com os movimentos sociais… Você não tem quem realmente defenda os
trabalhadores no seio do governo.
Viomundo
– Nos últimos dias, muitos leitores postaram comentários preocupados
com a possibilidade de um golpe no Brasil. O que acha disso?
Emir Sader
— Todos os comentários que eu vejo sobre o assunto são fantasmas da
esquerda. Pânico da esquerda. Não se tem notícia vinda das Forças
Armadas nesse sentido. Quem sabe o que é golpe conhece isto. Não há
clima para golpe.
Tudo bem,
não se pode baixar a guarda. Mas também não se deve alimentar o fantasma
do golpe. O objetivo da direita é desgastar a Dilma para tentar chegar
ao segundo turno em 2014. O passo seguinte são as pesquisas eleitorais
para mostrar o desgaste da Dilma. Esse é o caminho. Aí, vale tudo.
Viomundo – Nessa situação, o que a esquerda deve fazer?
Emir Sader – Primeiro, ir para as ruas com suas próprias manifestações, para disputar o espaço político.
Segundo,
disputar a interpretação, a narração do que está acontecendo hoje no
Brasil. Nós sabemos que, quando há um avanço histórico da esquerda, há
uma contra-revolução ou uma reação correspondente da direita.
É o que está
acontecendo hoje. Mídia e oposição manipulam, usam os jovens como massa
de manobra, disseminando a ideia de que o Brasil é uma merda, de que
tudo o que é feito aqui é uma merda.
Nós temos
que tentar impedir que se consolide essa visão muito retrógrada do País.
Nós temos que favorecer a nossa interpretação do que está acontecendo e
mostrar o que, de fato, já foi feito.
Terceiro,
disputar nacionalmente com a oposição a nossa agenda. Isso significa
batalhar pela democratização dos meios de comunicação e financiamento
público das campanhas eleitorais, entre outras coisas.
Esses são os três desafios que a esquerda tem de enfrentar.”
FONTE: reportagem de Conceição Lemes no portal “Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/politica/emir-sader.html). [Imagem do Google acrescentada por este blog ‘democracia&política].
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