Celso Vicenzi – Jornalista
Fora dos estádios, o povo brasileiro tenta
consolidar uma nova atitude, sem aceitar passivamente o espírito
derrotista – “esse país não tem jeito” ou “isso nunca vai
mudar”.
A dimensão dessa luta não permite antecipar o
desfecho, mas dentro de campo o que se viu durante a Copa das
Confederações, e principalmente no antológico olé aplicado aos
espanhóis, é também uma
nova conduta que faz toda a diferença.
O escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues
dizia, antes de o Brasil ser campeão do mundo de futebol pela
primeira vez, que o país tinha "complexo de vira-lata". Depois,
ganhamos cinco mundiais, mas nas últimas Copas e em amistosos
recentes o nosso futebol se acovardou.
Com a equivocada desculpa da falta de
craques, praticava-se, cada vez mais, um futebol retrancado,
medroso. Parecia que alguém havia decretado que não tínhamos
condições de jogar de igual para igual com qualquer seleção do
mundo. O velho mito de país mestiço e inferior parecia invadir
novamente a atormentada alma brasileira.
Se são 11 contra 11, temer o quê? Bastava
exercitar o “óbvio ululante” – para citar outra vez Nelson
Rodrigues – e marcar sob pressão, o que impediria o adversário
de ganhar confiança e “gostar do jogo”, como se diz na gíria
esportiva. Depois, é
retomar a bola, aparecer para o jogo e improvisar quando
necessário – o que a gente sabe fazer muito bem. Foi essa
mudança de comportamento que resultou num olé em cima dos
espanhóis, na final inesquecível dessa Copa das Confederações.
Mas, para além do talento de Neymar e do
oportunismo de Fred, há algo nesse time que é compartilhado
também fora dos estádios, pelo povo: a valorização do trabalho e
do esforço. Se o talento merece reconhecimento, o trabalho em
equipe não pode ser menosprezado. O Brasil não pode ser o país
de alguns iluminados, que não saiba valorizar a potencialidade
de cada brasileiro.
O que mais doía nos torcedores do futebol
pentacampeão não eram as derrotas ou os empates comemorados como
se fossem vitórias. Era, sobretudo, a falta de empenho em campo,
como se bastasse o talento de poucos, em algum momento, para se
transformar na redenção de muitos. E diante de equipes
aguerridas e solidárias, ainda ter que ouvir, de narradores e
comentaristas elitistas, que, em algum momento, o craque iria
fazer a diferença a nosso favor. Já era para ter aprendido que o
craque pode muito, mas não pode tudo.
Brecht merece ser convocado para explicar
melhor: “Quem construiu Tebas, a das sete portas? / Nos livros
vem o nome dos reis, /Mas foram os reis que transportaram as
pedras?” Manipulado pela mídia que só enxerga o jogador de
habilidade excepcional, o Brasil aprendeu a desdenhar dos
Dungas, operários importantes para vitórias, mas atirados à ira
do povo como bois de piranha nas derrotas. Mais que a falta de
craques, foi o estrelismo de alguns, a falta de empenho e a
submissão de outros que explicam muitas derrotas.
O Brasil é e será sempre mais forte se
entender que o trabalho incansável, a perseverança, a
determinação e o espírito de união podem fazer muito mais pelo
país do que meia dúzia de seres humanos instruídos e inspirados
em seus ofícios.
Felipão obteve algo raro: conseguiu que os
milionários atletas dessa nova geração entendessem que é preciso
lutar os 90 minutos, honrar a camisa, confiar no potencial e
praticar um futebol solidário. Perder faz parte, o que o
torcedor não tolera é a aceitação passiva da derrota. Se for
para perder, que seja com dignidade, tentando reverter ou
diminuir o placar até o último minuto.
O técnico da seleção brasileira ainda deu uma
lição a um arrogante jornalista inglês. Diante da tentativa de
diminuir o país em função das manifestações que vêm ocorrendo,
Felipão rebateu de primeira: “Antes de falar mal do meu país,
olhe para o seu. Aos ingleses, eu gostaria de perguntar: o que
aconteceu lá antes dos Jogos Olímpicos?” – numa referência às
manifestações ocorridas em Londres por causa dos gastos com o
evento.
E, mais adiante, reforçou o sentimento que
parece tomar conta do país: “O que estivemos vendo é muito
bonito, gente. É assim que precisamos agir, não só no futebol
como na vida”.
O que não se pode é confundir o orgulho de
ser brasileiro e o direito a se firmar como nação justa e
soberana com o nacionalismo reacionário e político interno,
tantas vezes subserviente aos interesses internacionais.
O que faz o Brasil melhor é isso: atitude.
Dentro e fora de campo.
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