domingo, 28 de julho de 2013

Um tiro que pode sair pela culatra


Países como Bangladesh não podem competir com os avançados, a não ser que paguem muito menos a seus trabalhadores
por Paul Krugman, The New York Times — publicado 20/07/2013 08:53
 
Munir Uz Zaman/AFP
Bangladesh
Trabalhadores de vestuário costurar camisetas em uma fábrica em Dhaka, em Bangladesh
Muito, muito, muito tempo atrás eu acreditava que o principal debate político e econômico que aguardava os Estados Unidos seria sobre a globalização, sem perceber que ele giraria em torno de um movimento poderoso para reverter o relógio aqui em casa e trazer de volta a Era Dourada. (Como eu disse certa vez, Sauron reunia suas forças em Mordor.)
De qualquer modo, em 1997, como colunista da Slate, escrevi um ensaio argumentando que o que se consideravam baixos salários e más condições de trabalho pelos padrões ocidentais eram necessários e inevitáveis nos países pobres, provocando uma previsível indignação.
Todas essas questões ficaram desbotadas no passado, mas continuam aí, e o horror da fábrica em Bangladesh trouxe algumas delas de volta à proeminência. E agora há medidas sérias para impor condições de trabalho e segurança mais rígidas aos produtores de roupas no Terceiro Mundo. Qual a minha opinião? A resposta é: sou totalmente a favor – e não, não acho que seja uma contradição com minhas opiniões anteriores.
Continua sendo verdade que, por causa da sua baixa produtividade, países como Bangladesh não podem competir com países avançados, a não ser que paguem muito menos a seus trabalhadores e ofereçam condições de trabalho muito piores. A indústria de confecção bengali tem de consistir no que chamaríamos de oficinas de trabalho escravo, ou simplesmente não existiriam. E Bangladesh precisa das confecções: é basicamente a única coisa que mantém sua economia na superfície.
A esta altura, porém, realmente não há qualquer concorrência entre os produtores de roupas em países pobres e em países ricos. Toda a indústria mudou-se para o Terceiro Mundo. A concorrência relevante é, na verdade, entre os países pobres, entre Bangladesh versus China, em particular. E aqui, as diferenças não são tão dramáticas: a McKinsey estima que a produtividade bengali em confecções seja 77% do nível chinês.
Diante dessa realidade, podemos exigir que Bangladesh ofereça melhores condições de trabalho a seus trabalhadores? Se o fizermos por Bangladesh, e só por Bangladesh, o tiro poderá sair pela culatra: a indústria poderá mudar-se para a China ou o Camboja. Mas, se exigirmos padrões mais elevados para todos, padrões modestamente mais elevados (não estamos falando em devolver o setor aos países avançados), poderemos obter uma melhora na vida dos trabalhadores (e menos mortes terríveis) sem minar as indústrias de exportação de que esses países precisam desesperadamente.
Tenho tido uma estranha reação às notícias recentes sobre política econômica. Estão ocorrendo coisas: o Federal Reserve dos EUA embaralhou suas comunicações, fez sua parte para minar o modesto progresso econômico. A Comissão Europeia está mais ou menos relaxando as exigências de austeridade. O Banco da Inglaterra parece ter emitido orientações de que vai emitir orientações. E assim por diante. Mas, com a possível exceção da “Abenomia”, no Japão, são coisas sem importância.
E isso é decepcionante. Tivemos o que parecia um debate intelectual épico sobre a economia da austeridade, encerrado, na medida em que os debates nunca terminam, com uma vitória surpreendente do lado “antiausteridade”. E quase nada mudou no mundo real. Enquanto isso, a turma do sofrimento inventa motivos dúbios para o arrocho monetário. E o desemprego em massa continua.
Então, como isso termina? Eis uma ideia deprimente: talvez não termine. É verdade, alguma coisa pode acontecer, uma nova tecnologia, uma guerra, ou talvez apenas um acúmulo suficiente de “uso, desgaste e obsolescência”, como disse Keynes. Mas, nesta altura, tenho sérias dúvidas sobre se haverá fatos capazes de forçar uma ação política.
Em primeiro lugar, muitas pessoas acreditavam que o alto desemprego sustentado levaria a uma deflação substancial, talvez acelerada – e que isso levaria os políticos a fazer algo vigoroso. Agora está claro, porém, que a relação entre inflação e desemprego se estabiliza com baixos índices de inflação.
Provavelmente poderemos ter alto desemprego e preços estáveis na Europa e nos EUA durante muito tempo, e todos os sábios insistirão que é tudo estrutural e nada pode ser feito até que o público aceite cortes drásticos na rede de segurança.
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