19/08/2013
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03h00
Caía sobre Washington uma chuvinha melancólica no dia em que Nixon
renunciou. Confesso que me emocionei com o adeus daquele homem que tinha
sido o mais poderoso do mundo e perdia tudo por haver abusado do poder
na Guerra do Vietnã e no escândalo de Watergate.
A reação do país aos abusos foi indignada e vigorosa. O Congresso impôs
limites estritos às operações clandestinas no exterior --contra Angola,
por exemplo. No Senado, uma comissão presidida pelo senador Frank
Church, que morreria prematuramente, investigou as sistemáticas
violações de direitos pelas agências de inteligência.
Praticamente tudo o que agora causou espanto nas revelações de Edward
Snowden já tinha vindo à luz nos depoimentos à comissão. Soube-se que a
quase desconhecida National Security Agency (NSA) possuía de longe o
maior orçamento das 16 agências americanas de inteligência. Sua missão
era, já então, monitorar todas as comunicações telegráficas e
telefônicas, decifrando os códigos das embaixadas estrangeiras, cujas
sedes eram violadas por agentes disfarçados de funcionários das empresas
de telecomunicação ou de operários incumbidos de reformas.
Eu era conselheiro de nossa missão nos EUA e lembro que mandamos todas
as informações ao Itamaraty. Quando voltei como embaixador, em 1991,
assumi como hipótese que tudo o que eu dizia ao telefone ou transmitia
ao Brasil, cifrado ou não, poderia ser facilmente interceptado, dada a
superioridade dos meios tecnológicos americanos.
Aproveitei a situação para criticar em linguagem não diplomática o que
me parecia absurdo na política exterior de Washington (em particular, a
campanha de subversão contra o governo legal e eleito de Angola e o
apoio à guerrilha da Unita, de Jonas Savimbi). Nunca acreditei que a lei
aprovada pela comissão do Senado proibindo as escutas e violações
tivesse sido obedecida.
De qualquer modo, a questão se tornou acadêmica ao se adotar o Patriot
Act, legislação antiterrorista de 2001, após os atentados às Torres
Gêmeas. De novo o pêndulo se moveu em favor de privilegiar a segurança
em detrimento da privacidade e dos direitos individuais.
Desta vez foi pior do que 40 anos atrás. O desastroso epílogo da Guerra
do Vietnã e o choque com os métodos criminosos de Watergate haviam
desmoralizado a justificativa das agências de espionagem. A sociedade
americana, quase de forma unânime, condenou o recurso abusivo a
operações clandestinas.
Hoje duvido que a maioria americana, traumatizada duravelmente pela
ameaça do terrorismo islâmico, opte por abrir mão da espionagem
cibernética devido às revelações de Snowden. Assim como não vai querer
renunciar aos "drones" para matar à distância, de modo seguro,
terroristas reais ou supostos.
A tendência inelutável do poder, ensinavam os teóricos do realismo, é
jamais ficar ocioso. Domar o poder por meio de estritos freios legais é a
essência do processo civilizatório. Contudo, como voltamos a ver,
inclusive em prejuízo do Brasil, convém não se fiar nas promessas e
lutar para que a lei internacional possa um dia submeter efetivamente o
arbítrio dos poderosos.
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