Por Antonio Delfim Netto
Nada indica melhor as incertezas do mundo e o desespero por uma boa
notícia do que as esperanças levantadas por um fato aleatório: um
superávit comercial da China de US$ 18 bilhões, acompanhado por um
aumento de 11% das suas importações de julho de 2013 sobre o seu
homólogo de 2012.
Depois de meses de dúvidas sobre a economia chinesa, seu
desequilíbrio interno e as dificuldades de seu sistema bancário, uma
observação - apenas uma - antecipou o dia quando a noite ainda nasce.
Como por milagre produziu a "volta do apetite de risco" dos mercados
internacionais. No Brasil, vitimado por um pessimismo devastador, a
Bovespa reagiu: subiu 3,12% e - vejam que efeito misterioso tem uma
observação aleatória chinesa - até a ação da OGX ON subiu 9,25% (para R$
0,59!).
Diante de tão forte demonstração da qualidade das "expectativas
racionais" dos mercados financeiros e de sua volatilidade, não é
possível deixar de perguntar de onde vem o radical desânimo que se
abateu sobre o empresariado nacional. É verdade que fatos são fatos e
não podem deixar de sê-lo. Estamos crescendo pouco, temos uma inflação
desconfortável e um déficit em conta corrente que merece atenção. São
menos resultados da conjuntura externa, ou de "erros" de política
econômica inconsequente, e mais efeitos indesejados de uma política
consciente de redução das desigualdades.
Não há a menor dúvida que poderia ser melhor se, por exemplo, não
tivéssemos usado as empresas estatais como instrumentos de controle da
inflação. O controle de preços dos combustíveis tem efeitos deletérios:
1) produz uma alocação defeituosa dos fatores de produção, que reduz a
produtividade de todo o sistema econômico; 2) destrói o setor de etanol
que atendendo a um forte apelo e estímulo do governo, investiu na sua
produção; 3) aumenta o congestionamento urbano e a poluição; 4)
prejudica a própria Petrobras (e seus acionistas) que tem usos
alternativos mais eficientes para seus recursos; e, por último, e mais
importante 5) destrói a crença do setor privado na coerência e na
seriedade do governo. Não há nada mais destruidor da confiança do setor
privado nas autoridades do que promessas de longo prazo quebradas por
ações oportunísticas no curto prazo.
O atual pessimismo, entretanto, não encontra correspondência nos
dados da conjuntura social e econômica. Com relação à política fiscal, é
claro que ela continua expansiva, mas a relação dívida bruta/Produto
Interno Bruto é ligeiramente menor do que 60% e os déficits fiscais dos
últimos anos têm ficado abaixo de 3% do PIB. A situação não é
confortável, mas está longe de representar uma tragédia.
Com relação à taxa de inflação, parece que o Banco Central deixou de
aceitar passivamente a dominância fiscal. Instituiu seu próprio
indicador de "déficit estrutural" para balizar a taxa de juros e dá
claros sinais de que, se não for ajudado por uma política fiscal
adequada, vai elevá-la até onde achar necessário. A observação de julho
(IPCA de 0,03%) confirmou o que o governo sempre disse: nunca houve
qualquer ameaça de perda de controle da taxa de inflação acumulada em 12
meses. Ela retornou ao teto da "banda" e, mais importante, houve uma
redução do índice de difusão.
Aqui, também, o apocalipse não está na esquina, apesar de a situação
ser constrangedora. Somos um dos cinco países (excluídos a Argentina e a
Venezuela) dos acompanhados pela revista "The Economist" que apresentam
taxa de inflação nos últimos 12 meses acima de 6%.
Os recentes ajustes na política cambial mostram que as autoridades
acordaram para o problema criado pelo estímulo espetacular ao aumento
dos salários nominais desde 2003 (muito acima da produtividade do
trabalho) combinado com uma desastrosa política de valorização cambial
promovida pela maior taxa de juro real do universo. Até muito
recentemente a taxa de câmbio real do Brasil foi a mais valorizada do
mundo. Colhemos os seus efeitos na acumulação de um déficit em conta
corrente de mais de US$ 250 bilhões entre 2009 e 2013! É o resultado não
intencional da política equivocada de valorizar o câmbio no combate à
inflação, que destruiu o nosso sofisticado setor industrial.
Mas há boas notícias. Pelos recentes pronunciamentos do ministro da
Fazenda, Guido Mantega, é visível que o governo está mudando. Absorveu:
1) a desagradável ideia que empréstimo interno do Tesouro não é recurso
novo e que não há mais espaço para ação fiscal. O que lhe resta é
cooptar o setor privado com leilões bem projetados para a realização dos
investimentos em infraestrutura; 2) que não há mais condição de usar
expedientes imaginosos na luta contra a inflação. Ela é o resultado
indesejado da sua própria ação; e 3) que uma política realista de câmbio
é um dos caminhos para a indispensável reconstrução industrial. É
visível a melhora na interlocução entre o governo e o setor privado de
infraestrutura.
Não é possível deixar de reconhecer, por outro lado, que todo aquele
passivo teve como compensação um substancial ativo: a construção de uma
sociedade mais civilizada e mais igualitária. É tempo, portanto, de
dissipar as desconfianças e as incertezas implícitas na relação
conflituosa entre o governo e o setor privado, que hoje é o principal
ingrediente do sistemático adiamento dos investimentos. O governo deu o
primeiro passo. É a vez do setor privado.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
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