Por Washington Araújo no site Carta Maior
Acostumados a mandar e desmandar nos destinos do mundo, a
declarar quem é do Bem e quem é do Mal, a apequenar a Organização das
Nações Unidas decidindo apenas por seus próprios interesses por todo o
período do pós-Guerra (1945-2013), declarando guerras, sempre fora de
suas fronteiras e de preferências em regiões ricas em ouro negro, o
sempre cobiçado petróleo que move as grandes economias do mundo, a
verdade é que os Estados Unidos da América mostrar ser não mais que
pigmeu moral vestido de gigante defensor da justiça e da liberdade, do
respeito aos direitos humanos e da segurança internacional.
Desvelada
a imensa e muito atuante rede de espionagem patrocinada pela Casa
Branca mundo afora, onde milhões de cidadãos de países historicamente
alinhados a Washington têm sua privacidade acintosamente violada, países
como Brasil, França, Alemanha, Espanha, México, pelo menos o que já é
do conhecimento público nessa última semana de outubro de 2013, tem não
apenas seus cidadãos espionados, mas também seus presidentes,
primeiros-ministros, chanceleres, presidentes de megacorporações e
outras autoridades de outros escalões.
A situação é mais que
grave: é inaceitável, indesculpável, inadmissível, e insustentável. A
teia da espionagem até o momento revelada mostra a desenvoltura com que o
governo estadunidense tem tratado seis países em particular, dos quais
apenas a Venezuela poderia ser considerada “não-alinhada” com
Washington. São os seguintes:
1. Brasil: as mensagens de Dilma
Rousseff foram interceptadas clandestinamente, e também as comunicações
de sua principal empresa estatal, a Petrobras, dona de um dos mais
promissores e valiosos campos de petróleo do mundo, aqui conhecido
apenas como Pré-Sal.
2. México: tiveram emails espionados nada menos que o ex-presidente Felipe Calderón e o atual mandatário mexicano, Paña Nieto.
3.
França: nada menos que 70.300.000 ligações telefônicas foram subtraídas
de sua privacidade, espionadas pela agência norteamericana.
4. Alemanha: nada menos que o celular da chanceler Angela Merckel foi grampeado.
5.
Itália: a prática ilegal atingiu políticos, empresários e militares que
foram espionados por meio de um rastreamento em massa de chamadas
telefônicas e comunicações, sendo que a agência norteamericana contou
com o apoio ostensivo da inteligência inglesa.
6. Venezuela: de
Chavez e Maduro tiveram mensagens espionadas, notadamente às que tratam
de compras militares e de vendas de petróleo.
Outros 29 líderes
mundiais foram monitorados pelo serviço de inteligência dos Estados
Unidos, segundo reportagem divulgada no último dia 23 de outubro pelo
jornal britânico “The Guardian”. Ficamos sabendo pelo jornal, que a
Agência de Segurança Nacional americana (NSA) passou fazer essa
espionagem após receber a relação dos números de telefones de um
funcionário de um outro departamento do governo.
Constrangimentos diplomáticos em sérieNunca
as embaixadas americanas passaram a ter tanto trabalho para justificar o
injustificável. Os embaixadores passaram a ser chamados com maior
frequência a dar explicações. E há o constrangimento implicito e
explícito de mostrar alguma coerência para ações claramente de nações
inimigas sendo emuladas por nações ditas amigas. No caso da França, um
óbice a mais: é um dos cinco países-membros do Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
Paladino dos direitos humanos, os Estados Unidos
sai bastante avariado de uma avalanche de episódios que se tiveram um
início com os vazamentos dos arquivos de Edward Snowden, ex-analista da
CIA e da NSA, atualmente asilado na Rússia, parecem não ter data certa
para terminar.
Não precisamos ter mais que meia dúzia de
neurônios para juntar as peças do tremendo quebra-cabeças em que o
Grande Irmão do Norte se meteu: se nações amigas, se presidentes de
nações amigas, se tantos milhões de cidadãos de nações amigas são assim
monitorados pelo governo estadunidense, como deve ser essas orquestradas
as ações de espionagem contra interesses de países como Rússia e China,
donos de vistosos arsenais nucleares? E como tais ações se intensificam
quando os alvos são países com o perfil do Irã, também persistente em
sua busca por poderio militar nuclear?
Ordem mundial além de defeituosa, está podreSempre
no topo da escala que mensura as maiores economias do planeta, os
Estados Unidos colocam sob suspeição seu poderio financeiro, comercial e
militar. Teria alcançado a posição que ocupa há tantas décadas fazendo
uso de meios espúrios, condenáveis, com o roubo de informações sigilosas
e atinentes à soberania de outras nações ou teria chegado onde chegou
por méritos próprios, com livre empreendedorismo, com observância de
princípios éticos e morais adequados a seus históricos postulados de
adesão a tratados internacionais dos quais é autor e signatário há
tantos anos?
Fica patente com a revelação dos “Documentos Snowden” que a presente Ordem Mundial está apodrecendo a olho nu.
Uma
comunidade, seja tribal, seja internacional, não consegue sobreviver
por muito tempo se sua unidade essencial estiver corrompida, esgarçada. E
essa unidade essencial somente pode existir se houver um mínimo de
confiança mútua entre os pares, entre as parte afetadas e afetáveis por
decisões e resoluções que objetivem assegurar o bem-estar comum e a
segurança coletiva de seus membros.
Vivemos uma época em que há
muito se encontra consagrada a percepção que informação é poder. Poder é
riqueza. Riqueza é desenvolvimento social, econômico e científico.
Quanto
do desenvolvimento social, econômico e científico amealhado pelos
Estados Unidos da América foi alcançado por meios lídimos?
Não
podemos em sã consciência mensurar quanto desse desenvolvimento foi
conquistado através de meios absolutamente ilegítimos, ações criminosas,
acesso ilegal a informações confidenciais que poderiam não apenas
impedir o desenvolvimento de outras nações, mas também desvalorizar seus
principais ativos econômico-financeiros, beneficiando de forma
fradulenta seus próprios conglomerados industriais, comerciais e
científicos, tanto os de natureza civil quanto os de natureza militar.
Para
atenuar o vexame de ser pilhado em flagrante escalada de delitos, a
Casa Branca tem se socorrido do senso comum – “espionamos sim, mas que
país não espiona outro?”
Mas aqui o assunto requer outro tipo de análise.
Assumir
tal premissa é o mesmo que afirmar algo tão estúpido quando “roubamos
sim, mas quem não rouba?” - “sequestramos, torturamos e matamos sim, mas
que nação não faz isso?” Como vemos, fica cada vez mais difícil
explicar o inexplicável. O senso comum ao invés de ajudar, expõe as
vísceras da hipocrisia que permeia as relações internacionais em toda a
sua extensão.
É óbvio que cada país precisa – e certamente
dispõe – de serviços de inteligência, de espionagem e contraespionagem. E
o objetivo que legitima esses serviços é um só: proteger sua soberania
nacional, resguardar seu território, assegurar a inviolabilidade de seus
recursos naturais, econômicos, financeiros, científicos, tecnológicos. E
são necessários por que não vivemos em uma Ordem Mundial de ouro,
antes, uma ordem mundial de chumbo, de barro; Ordem mundial formada por
seres humanos com todas as suas glórias e tragédias... e em constante
ebulição.
Informações privilegiadas e igualmente criminosasO
que não se admite é que toda e qualquer pessoa, do cidadão comum ao
presidente de uma nação amiga, seja alvo de espionagem indiscriminada
(por exemplo, a França, Alemanha, México, Itália, Espanha, Venezuela);
que suas principais empresas, fontes de riqueza perene das nações sejam
monitoradas por meios ilegais e claramente criminosos. (Como, aliás, é
bem o caso da nossa Petrobras!)
Imaginemos o escarceu que
irrompe em New York, Berlim, Londres, Paris ou São Paulo quando se
descobre no mercado de ações o uso de informações privilegiadas a
beneficiar este ou aquele governo nacional, conglomerado empresarial,
ou apenas este ou aquele acionista.
De pronto se busca a fonte
do vazamento da informação e, em se identificando, processos são
instaurados e se é provada a culpá, punições são imediatamente
estabelecidas. E isto se faz apenas para se proteger a lisura das
relações econômico-financeiras e para assegurar a observância de regras
justas e claras a todos os participantes de negócios nas Bolsas de
Valores. Este mesmo raciocínio é absolutamente válido em se tratando de
licitação para compra de caças militares, negócios de vários bilhões de
euros e que visam aumentar (ou modernizar) os meios de defesa militar de
um país... Não seria licitação com cartas marcadas, com um dos países
interessados em fechar o negócio se valendo de informções vitais e
essenciais à concretização do negócio?
Agora, seria razoável
imaginar como nada de extraordinário, nada de anormal, nada de ilícito e
nada de criminoso que um governo se utilize de informações
privilegiadíssimas de outros países para seu autobenefício, e de forma
sistemática conseguidas por meios espúrios?
Quando um Estado
utiliza seu poder de maneira intrusiva na vida das pessoas, dentro ou
fora de suas fronteiras nacionais, podemos afirmar que tal país se move
em direção a uma obscurantista forma de "totalitarismo"
O
governo estadunidense tem buscado lançar um verniz de normalidade a seus
serviços de inteligência ao invocar a necessidade de continuar sua luta
contra o terrorismo. E que tal luta se torna mais eficiente quando seu
país tem informações valiosas de maquinações de planos de terroristas,
mercenários e meliantes contumazes na cena internacional.
Também não se sustenta tal premissa.
Por
acaso, o Brasil ou a França, a Alemanha ou a Itália são conhecidos
redutos de facções e células terroristas? Por acaso, governantes como
Dilma Rousseff, François Hollande, Angela Merckel ou Enrico Letta,
apenas para mencionar uns poucos dos chefes de Estado espionados, são
conhecidos por financiar ou dar abrigo a grupos terroristas? A resposta é
um sonoro e duplo “não”.
Longe de se esgotar, a revelação dos
“Documentos Snowden” continuará agitando o já frágil equilíbrio
internacional ainda por – supomos – muito tempo.
Será que não
existe um acordo entre o russo Vladimir Putín e Edward Snowden de não
“vazar” ações de espionagem contra a Rússia? Que outras informações
Snowden não liberou de forma claramente privilegiada para Putín, como
moeda de troca para obter asilo em Moscou por um ano?
E as revelações sobre a China, quando virão à luz? Qual será a reação dos chineses?
Na presente Ordem mundial pode existir tudo. Menos mocinhos. Pois é, o Grande Irmão está nu, completamente nu.