quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sobre a liberdade de imprensa na Venezuela. Não fique reproduzindo mentiras.

POR MARK WEISBROT  transcrito do Blog Vale Pensar
O New York Times começou sua reportagem sobre a Venezuela na última sexta-feira dizendo que “a única estação de televisão que transmite regularmente vozes críticas ao governo foi vendida no ano passado e os novos proprietários têm suavizado a sua cobertura de notícias”.
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas, CPJ, escreveu na semana passada: “Quase todas as estações de TV na Venezuela ou são controladas ou aliadas do governo de Nicolás Maduro e ignoraram os protestos em todo o país”.
Antes de se entregar às autoridades, o líder da oposição Leopoldo López afirmou: “Nós já não temos qualquer meio de comunicação livre para nos expressar na Venezuela”.
Estas afirmações são verdadeiras ou falsas? Declarações similares são feitas repetidamente nas principais agências de notícias internacionais e geralmente aceitas como verdadeiras. No entanto, esta deve ser uma questão factual, independentemente se alguém simpatiza com a oposição, o governo ou nenhum dos dois.
Os dados publicados pelo Carter Center sobre a cobertura da mídia durante a campanha para as últimas eleições presidenciais, em abril do ano passado, indicam que os dois candidatos foram representados de forma bastante equilibrada na cobertura televisiva.
Nós vamos voltar para o relatório do Carter Center, mas primeiro façamos uma verificação rápida com base em eventos recentes da cobertura. Podemos olhar para as transmissões das maiores emissoras de televisão do país. A maior é a Venevisión, de propriedade do magnata da mídia e bilionário Gustavo Cisneros. Segundo o Carter Center, ela tem cerca de 35% da audiência de notícias durante “eventos de interesse jornalístico-chaves recentes”.
Se olharmos para a sua cobertura desde que os protestos começaram em 12 de fevereiro, podemos encontrar muitas ocasiões em que “vozes críticas ao governo” e líderes da oposição aparecem  “regularmente”. Por exemplo, aqui está uma entrevista da Venevisión com Tomás Guanipa, líder do grupo oposicionista Primero Justicia (Justiça Primeiro) e com um representante do partido na Assembleia Nacional. Ele defende os protestos e acusa o governo de torturar estudantes.
Aqui está uma longa entrevista com María Corina Machado, uma das líderes da oposição mais proeminentes e linha-dura, que procura derrubar Maduro. Ela também acusa o governo de torturar os alunos e defende o aspecto mais controverso dos protestos em curso: argumenta que as pessoas têm o direito de derrubar o governo democraticamente eleito. (Isso é algo que não iria aparecer na TV na maioria dos países do mundo; na Venezuela, as ameaças de derrubar o governo viraram realidade e houve várias tentativas nos últimos 12 anos). Esta entrevista é da Globovisión, a estação que a reportagem do New York Times reclama que tenha “suavizado sua cobertura”.
Os dados acima mostram que a declaração do New York Times é falsa, uma vez que a Venevisión e outras emissoras transmitiram regularmente essas vozes críticas no passado e ainda o fazem. Mas também mostram que a implicação do repórter do Times de que a venda de alguma forma tornou a Globovisión uma TV amiga do governo é altamente enganosa. Sim, ela tem “suavizado sua abordagem”. Saiu de algo comparável à Fox News com esteróides para algo como NBC, CBS ou CNN nos EUA: uma cobertura de notícias que segue a norma jornalística segundo a qual deve haver algum equilíbrio. Agora, para muitos direitistas nos Estados Unidos, se você não é Fox News, você é um apologista da administração Obama.
Os exemplos acima, assim como os links abaixo, mostram que a frase de abertura do New York Times é falsa. Da mesma forma, a declaração CPJ é falsa: as emissoras de TV com maioria de telespectadores na Venezuela não são “controladas ou aliadas de Maduro” e nem têm “ignorado os protestos em todo o país”.
Isso não quer dizer que eles não se envolvam com auto-censura: eles o fazem. Isso é verdade em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos (onde atinge níveis extremos em certas questões). Na Venezuela, há uma história por trás da relutância de alguns canais de TV de mostrar imagens em tempo real de violência em manifestações: em 2002, os principais canais manipularam cenas de tiroteios durante uma manifestação e através de transmissões repetidas convenceram grande parte da país e do mundo que as forças do governo haviam cometido um massacre, o que justificaria um golpe militar. Oito meses mais tarde, a indústria petrolífera controlada pela oposição nacional e empresas de propriedade da oposição entraram em greve, mais uma vez com a intenção declarada de derrubar o governo. As principais emissoras convidaram as pessoas a sair às ruas e derrubar o governo.
Mas, em qualquer caso, as manifestações e os pontos de vista dos manifestantes ainda são bastante visíveis na mídia privada, que tem entre 74 e 92 por cento da audiência televisiva, dependendo do que está acontecendo no país.
Mas, novamente, voltemos para a verificação dos fatos. As estações de televisão privadas são “controladas ou aliadas” do governo? Ao invés de apenas olhar para a cobertura de acontecimentos recentes, podemos usar um estudo mais sistemático do Carter Center sobre cobertura importante da última campanha presidencial, em abril de 2013. Eles descobriram que:
A distribuição por canais mostra que estações privadas dedicaram mais tempo ao candidato Henrique Capriles Radonski, sua campanha e seus eleitores (73%), com uma percentagem muito menor (19%) dedicada ao candidato do partido do governo, Nicolás Maduro, sua campanha e seus eleitores. O desequilíbrio na cobertura no canal estatal, no entanto, foi ainda mais acentuada. Noventa por cento da cobertura esteve focada no candidato do governo, enquanto as atividades de campanha de seu oponente receberam quase 1 por cento de atenção.
E:
Em relação ao tom da cobertura nos meios de comunicação públicos, o monitoramento constatou 91% de cobertura positiva para o candidato Nicolás Maduro. Capriles não tinha cobertura positiva (91% dos registros foram negativos, enquanto os restantes 9% eram neutros). Na mídia privada, Henrique Capriles recebeu 60% de cobertura positiva (23% negativa e 17% neutra), enquanto Maduro teve 28% de cobertura positiva (54% negativa e 18% neutra).
Agora, isso indica um viés mais forte na mídia pública (pró-governo) do que na TV privada (pró-oposição). No entanto, o Carter Center informa que a TV privada tem, para “eventos-chaves de interesse jornalístico” cerca de 74% da audiência, com a participação do estado em apenas 26%.
As declarações segundo as quais toda a TV é “controlada ou aliada do governo” são claramente mentirosas. A TV estatal pode cantar os louvores de Maduro durante todo o dia, mas a mídia privada atinge várias vezes mais pessoas com um viés oposto.
Finalmente, existem as cadeias, em que todas as estações transmitem os discursos do presidente (essa lei é anterior à era Chávez). No entanto, o presidente Maduro não usou cadeias durante o período da campanha, apenas uma antes do lançamento da candidatura. O período de monitoramento do Carter Center é de 28 de março a 16 de abril e o relatório incluiu quatro cadeias nos dois dias após a eleição.
Leopoldo López é um político e ele deve ser perdoado por suas hipérboles (como os críticos de direita do presidente Barack Obama nos Estados Unidos, que o chamam de “ditador socialista”). Mas o New York Times e o CPJ devem ser mais cuidadosos para não apresentar alegações falsas como fato.

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