domingo, 13 de abril de 2014

E teria o México alguma lição a dar à nossa economia?

do sítio Rede do Brasil Atual

As agências de classificação de risco diziam que estava tudo bem com os bancos que causaram a crise de 2008. Agora, dizem que os mexicanos estão 'certos'. E o Brasil, 'errado'
por Giorgio Romano Schutte e Ramón García Fernández publicado 12/04/2014 07:34


Depois do colapso do Lehman Brothers, uma questão que ficou no ar foi a
(ir)responsabilidade das agências de avaliação de risco. Afinal, classificaram um conjunto de ativos financeiros como sendo “sem risco” pouco antes de se descobrir que derrubariam a economia norte-americana. Convocadas pelo Congresso dos Estados Unidos, a resposta mágica das três empresas – Moody´s, Standard & Poor´s e Fitch: “It was just an opinion”, ou seja, “foi só uma opinião”.  A União Europeia chegou a considerar, inclusive, uma regulação mais rígida a respeito das operações das agências, dado o estrago que fizeram. No comunicado oficial da primeira reunião do G20, no final de 2008, falou-se na necessidade de virar a página de uma era de irresponsabilidades do setor financeiro. Hoje, isso tudo parece distante.
As agências de avaliação de risco voltaram a dominar as percepções sobre as economias do mundo, dando mostras do que o intelectual norte-americano Noam Chomsky chamou de “senador virtual”. Chomsky referiu-se à necessidade de os governos submeterem suas políticas e prestar contas não só aos representantes eleitos, mas também aos setores financeiros, que têm uma capacidade de “votar” contra essas políticas ao movimentar (ou ameaçar) suas aplicações, pressionando os governos a se ajustar ao que eles consideram que devam ser as políticas econômicas corretas. O cardápio dessas políticas não inclui a defesa da garantia de poder de compra das camadas mais pobres, da criação de empregos e da diminuição de desigualdades sociais.
No clima de tentar voltar à lógica do neoliberalismo – a que determina que as vozes dos mercados financeiros falam mais alto –, os governos que optaram por outros caminhos estão sendo atacados. Estariam implementando as políticas que escolheram o “lado errado”. Segundo essa lógica, Venezuela e Argentina são os piores alunos e merecem notas baixas. Mas o Brasil também precisaria ser enquadrado. A ameaça de rebaixamento de sua nota de avaliação de risco obrigou o governo a explicar que faz o dever de casa. Esse foi o sentido da participação da presidenta Dilma Rousseff no fórum econômico de Davos, em janeiro, ponto de encontro anual do “Senado virtual”­ de Chomsky.
Na América Latina, aluno exemplar seria o México, do presidente Enrique Peña Nieto. É curioso observar, ao longo dos últimos tempos, a euforia com opções liberalizantes, como a entrada do país no Nafta (1994), o acordo de livre comércio com Estados Unidos e Canadá, que intensificou a dependência mexicana ao vizinho do norte. O excesso de liberalização provocou, logo no primeiro ano do Nafta, uma grave crise financeira (a crise tequila), e o México levou outro ainda maior com o impacto da crise em 2008. É claro, porém, que qualquer perspectiva de melhora na economia norte-americana anima, por tabela, a mexicana. É o que justifica o atual otimismo do “Senado virtual”.

Remessas

São três os principais motores daquela economia: a exportação de petróleo, a remessa de recursos dos migrantes mexicanos e o setor de maquiladoras, manufatura voltada para a exportação, em sua maioria para os Estados Unidos, onde hoje moram 33,5 milhões de pessoas declaradas mexicanas. Muitos desses trabalhadores enviam periodicamente dinheiro para as suas famílias. Essas remessas são a segunda maior entrada bruta de dólares na economia do país. Chegaram a US$ 30 bilhões por ano antes da crise de 2008 e caíram para US$ 22 bilhões no ano passado.
Aumento do desemprego dos imigrantes significou queda automática da capacidade de mandar dinheiro para casa e do interesse em cruzar a fronteira para tentar a sorte. Agora, com os sinais de recuperação da economia, vive-se a expectativa de que o fluxo migratório, que caiu para 100 mil pessoas em 2010, volte aos patamares “normais” de 300 mil ano. Ou seja, o México volta a almejar um crescimento da entrada de dólares em seu caixa por meio das remessas. Não se trata exatamente de um modelo a ser seguido pelo Brasil.
No que diz respeito às maquiladoras, a queda nos últimos anos deve-se a dois motivos. A concorrência chinesa e o impacto da crise de 2008. Agora, três acontecimentos justificam a previsão de recuperação desse setor. Existe um processo de encarecimento da produção na China que devolve parte da competitividade da manufatura mexicana, devido aos baixos salários nas maquiladoras e às vantagens de sua posição geográfica. A isso se junta o duplo impacto do crescimento da produção de gás de xisto dos Estados Unidos, que baixou o custo de energia para a indústria local e alimenta a demanda por produtos intermediários das maquiladoras do México em cadeias produtivas integradas com os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o México importa gás norte-americano, o que faz o preço do seu gás seguir o do vizinho – possibilitando uma redução providencial de custos diante da concorrência chinesa.
E, terceiro, a própria recuperação da economia dos Estados Unidos permite prever uma tendência de aumento da demanda por produtos mexicanos. Novamente, trata-se de uma situação específica e não de um modelo a se contrapor à política econômica brasileira.

A questão do petróleo

Na ideologia neoliberal das agências de rating e seus clientes, o que justificaria o otimismo em relação ao México seria uma recente alteração na Constituição que põe fim ao monopólio estatal da exploração e produção do petróleo. Não está claro como será a legislação para regulamentar esse dispositivo. Mas quando o México embarcou em políticas liberais no início, há mais de duas décadas, não havia clima político e social para mexer com o petróleo. Partiu-se, então, para um processo de sucateamento que levasse a uma situação que “incriminasse” a manutenção do monopólio.
Ao mesmo tempo em que os recursos proporcionados pela estatal Pemex eram utilizados para financiar o governo federal, este deixava de fazer os necessários investimentos na produtividade petrolífera. Atualmente, um terço do orçamento do governo depende da renda de petróleo. O problema é que a produção caiu de 3,83 milhões de BOE (barril de petróleo equivalente), em 2004, para 2,91 milhões em 2012. Com a falta de investimento em capacidade de refino, o país ficou extremamente dependente da importação de derivados dos Estados Unidos. Consumiu o equivalentes a US$ 27 bilhões em 2012, enquanto exportou US$ 48 bilhões em óleo cru. Assim, a conta líquida de petróleo ficou abaixo das remessas dos migrantes.
No mesmo período, 2004-2012, a produção no Brasil aumentou de 1,5 milhão para 2,1 milhões de BOE. Enquanto o Brasil está construindo quatro refinarias para ampliar sua capacidade e acabar com a dependência de importação de derivados, o México não tem um projeto sequer em andamento. E a falta de capacidade de refino, de exploração de gás e de tecnologia para exploração de petróleo em alto mar não é porque a Pemex foi estatal, mas porque os sucessivos governos de orientação liberal tomaram a decisão política de enfraquecer a empresa, levando a uma situação insustentável. E a disputa pelo novo marco regulatório do petróleo e gás no México ainda está longe de estar resolvida.
A economia mexicana cresceu 1,1%, em 2013, metade do crescimento do Brasil. A balança comercial em 2013 ficou negativa (ao contrário da brasileira, que ficou positiva). E o mais curioso é verificar que as entradas de investimentos externos diretos, que registram os investimentos das empresas e não do setor financeiro, tiveram no México um valor acumulado no triênio 2011-2013 de US$ 75 bilhões, ante US$ 196 bilhões no caso do Brasil (161% a mais, sendo a economia brasileira apenas 80% maior que a mexicana).
Se alguma coisa pode dar inveja aos brasileiros é o fato de a taxa básica de juros mexicana, em termos reais, descontada a inflação, estar em padrões civilizados de 3,5% ao ano. Com isso, o peso dos juros sobre PIB é bem menor que no Brasil, onde os juros reais estão na casa dos 5%. Mas se é correto admitir uma aposta na recuperação da economia mexicana, nada justifica que contraponham políticas suas, ditas “corretas”, às supostamente “erradas” do Brasil, como argumentam as agências de classificação. Em fevereiro, a Moody’s subiu o rating (o que significa dizer reduziu o “risco México”) do país. Já outra agência, a Standard & Poor’s, rebaixou o rating do Brasil.
Claro, podem argumentar que trata-se “apenas de uma opinião”, tão consistente como a que não previu a podridão dos mercados que desembocou na crise de 2008. Mas nada mais que uma opinião ideológica.

Giorgio Romano Schutte é professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC)

A Argentina e os problemas de Cristina

Ao falar da economia argentina atual, devemos antes lembrar que o país tinha sido o mais fiel seguidor das doutrinas neoliberais nos anos 1990, elogiado tanto pelos organismos internacionais como pelas publicações especializadas e não especializadas. Como consequência dessas políticas, o país atravessou no final de 2001 e começo de 2002 a maior crise da sua história. Chegou a ter cinco presidentes em 11 dias, e precisou deixar de pagar sua dívida por absoluta falta de recursos. Em meados de 2002, a pobreza afetava mais de 50% da população e o desemprego chegava a 25%.
A sair desse buraco, a economia recuperou-se rapidamente, crescendo a um ritmo intenso. Inicialmente movida à retomada da indústria e da agricultura, favorecidas ambas pela desvalorização do peso frente ao dólar, e pelo aumento dos preços internacionais. De 2003 a 2011, o crescimento do PIB esteve acima de 7% em todos os anos, exceto na crise de 2009. Nesse período, houve forte redução das desigualdades de renda e na taxa de desemprego. O consumo estourou, batendo recordes de compra de eletrodomésticos e de carros, de turismo interno etc. Políticas como os planos Trabalhar e Chefes e Chefas, bem como a Contribuição Universal por Filho proporcionaram emprego e renda para os mais pobres ao longo dos governos de Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner (de 2007 até hoje).
Superado esse impulso inicial, foi necessária a reestatização das aposentadorias, que tinham sido privatizadas. Também se concedeu aposentadoria a todas as mulheres de mais de 60 anos, e aos homens de mais de 65, mesmo que não tivessem pago suas contribuições; houve também reajustes importantes nos benefícios. As negociações coletivas de trabalho foram valorizadas e contribuíram para aumentar os salários reais.
Nos últimos dois anos, no meio do agravamento da crise internacional, a economia enfrenta problemas. A inflação, ressurgida em 2007, se manteve elevada porém constante, por volta de 25% ao ano. O crescimento do PIB caiu para perto de 2% ao ano. Ao mesmo tempo, surgiram problemas com o câmbio: desde 2002, e apesar de ter feito uma ótima renegociação da dívida externa, o país não consegue novos empréstimos; portanto, depende muito das exportações e das reservas. Essas exportações em boa parte são agrícolas; o governo tem aplicado um imposto à exportação desses produtos, o que levou a um forte conflito com os produtores rurais em 2008, e a situação com eles continua tensa. Em 2013, eles retardaram as exportações, num movimento especulativo em compasso com a alta do dólar.
Por sua vez, o governo tentou nos últimos anos segurar a cotação do dólar para controlar a inflação, restringindo sua venda. Surgiu então um mercado paralelo, no qual o preço da moeda americana se descolou do valor oficial, provocando uma corrida contra as reservas. Como resposta a essas dificuldades, o governo fez recentemente algumas mudanças, especialmente por meio de uma desvalorização que conseguiu trazer o dólar para um valor mais realista, reduzindo em parte a especulação.
Apesar das dificuldades, o governo continua defendendo que o setor público recupere o comando das principais alavancas da economia. Um exemplo foi a expropriação, em 2012, da companhia de petróleo YPF, estatal desde sua criação em 1922 e que fora privatizada em 1993. A produção de petróleo, de gás e os investimentos, estagnados na época da privatização, aumentaram sob controle público. O governo também se mantém firme na sustentação de políticas sociais, e recentemente criou um plano que dá uma bolsa para os jovens de 18 a 24 anos que não estudam nem trabalham, desde que voltem a frequentar escolar regular ou profissionalizante.
A convulsão causada pela corrida contra o peso parece ter sido contida, e acordos de controle de preços têm evitado uma disparada da inflação. Nos próximos meses se verá se o governo conseguiu acalmar a situação e retomar o caminho do crescimento em meio à crise internacional, ou se as previsões céticas da oposição se confirmam. Esse embate será crucial para os rumos das eleições presidenciais de 2015, a qual a presidenta Cristina Kirchner já não poderá concorrer
Ramón García Fernández é professor titular de Economia da UFABC

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