quarta-feira, 16 de julho de 2014

O cassino do 1% é o navio das tormentas

no Carta Maior






Os capitães da economia capitalista global parecem não saber de algo importante: o navio leva a tormenta em suas entranhas


Por Alejandro Nadal 

"Durante as vinte e quatro horas de todos os dias do ano, o impressionante comboio dos fundos de investimento cruza os mares financeiros do mundo procurando oportunidades para seus investimentos. Mas, em todos os portos, existem problemas e as recompensas não são muito atraentes.

É certo. Os rendimentos não são bons e, em contrapartida, os preços dos ativos estão em alta. Por toda parte, os índices de preços e cotações dos mercados de valor continuam seu caminho em direção ao céu. O custo de ações e títulos nos mercados financeiros encareceu nos últimos dois anos. Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones cresceu 40% em 18 meses e, pela primeira vez, superou os 17 mil pontos. Isto é, o "Dow Jones" está 155% acima de seu nível em março de 2009, quando a crise ameaçava a desintegrar o sistema financeiro norte-americano. E, é claro, os rendimentos permanecem estacionados.

E se preferirem falar dos imóveis, encontrarão o mesmo fenômeno (com algumas exceções). Até os títulos de 10 anos emitidos por Espanha e Itália tiveram boa acolhida em junho, com uma queda no custo desses empréstimos e, portanto, no rendimento para os investidores. Convenham, o mais surpreendente é que até a Grécia viu terminar, em abril, seu exílio de quatro anos dos mercados financeiros e colocou títulos por 4 bilhões de dólares (a um rendimento de 4,75%) com investidores estrangeiros.

É como se o custo de se estacionar nos mercados financeiros do mundo tivesse encarecido por uma tarifa de congestionamento (como a cobrada em horas de pico nos pátios de armazenamento de um porto). Os operadores dos fundos de investimento permanecem apenas o tempo indispensável para tratar de cumprir suas metas de rendimentos, como capitães de barco que apressam o abastecimento antes de zarpar em direção a outras oportunidades para seus investidores.

Nunca na história das recessões, os mercados de valores haviam experimentado uma tendência de alta durante tanto tempo sem correções (preços de títulos em baixa). Esta temporada com propensão à alta é a mais longa desde a grande depressão de 1929. E o mais notável é que a taxa de crescimento da economia real no mundo não corresponde em nada a esse crescimento dos preços nos ativos financeiros.

Qual pode ser a causa desse fenômeno? Segundo muitos especialistas, essa nova bolha nos preços de todo tipo de ativos tem a ver com um excesso de poupança na economia mundial. Essa é a explicação dos economistas ortodoxos e foi o argumento de Ben Bernanke (antigo responsável pelo FED) para explicar os desequilíbrios existentes na economia mundial antes da crise. Hoje se recorre a ela para explicar por que as taxas de juros estão em seu limite inferior (zero). Essa pseudoexplicação descansa na ideia errônea de que existe um mercado de fundos úteis na oferta e demanda de poupança que determinam a taxa de juros. Essa velha idéia foi desacreditada de maneira irrefutável por Keynes em sua "Teoria Geral" em 1936.

Outros analistas defendem que os culpados por essa nova superbolha são os bancos centrais, que inundam com liquidez a economia mundial, tratando de reativar o crescimento. É a crítica da direita que desconfia de qualquer intervenção na economia (a menos que seja um resgate bancário) e que acusa agora os bancos centrais de ter gerado as condições para um episódio próximo de hiperinflação. Mas essa visão das coisas supõe que o FED e o BCE estejam imprimindo notas com prazer, o que não é verdade. Além disso, supõe que a flexibilização na política monetária do FED é a causa direta da expansão dos preços de ativos, algo que não foi demonstrado. As últimas bolhas nos preços de ativos se apresentaram sem o tipo de flexibilidade monetária agora realizada pelo FED e pelo BCE.

Na realidade, a nova superbolha se explica mais pela desigualdade. O cassino do 1% continua funcionando. A economia global real, a que produz ferros e grãos, não se recupera da crise porque não encontra oportunidades de expansão em um mundo de demanda efetiva reprimida e sobre-endividamento pelos baixos salários. Mas quase ninguém quer falar de salários baixos, nem sequer o já célebre livro de Piketty.

Quando uma economia capitalista é atingida pela crise, os poderes estabelecidos procuram mudar a trajetória. Na metáfora de Haruki Murakami, é como se um barco fosse surpreendido pela tempestade e o capitão buscasse mudar o rumo para evitá-la, mas descobre que a tormenta o persegue e parece adivinhar cada manobra, adiantando-se para fechar as suas vias de escape. Por mais que o navio mude seu roteiro, o vento e as ondas desenfreadas sempre o aguardam. E o capitão não sabe de algo importante: a tempestade não é algo que veio de longe e chegou de surpresa. O navio leva a tormenta em suas entranhas."

FONTE: escrito por Alejandro Nadal, membro do Conselho Editorial da revista eletrônica semanal "SinPermiso". Transcrito no site "Carta Maior" com tradução de Daniella Cambaúva. (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/O-cassino-do-1-e-o-navio-das-tormentas/7/31377).

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