Sunday, August 3rd, 2014
Em entrevista exclusiva ao site Página 13, o
ex-governador do Rio Grande do Sul e candidato nestas eleições ao
Senado, Olívio Dutra, revela detalhes do período que ingressou no
sindicalismo, ainda na década de 60, e sobre a criação da CUT. Também,
explica porque é candidato ao Senado.
Olívio analisa, ainda, a atual conjuntura política. “Penso que
fizemos até muito, mas estamos devendo muito mais ainda. Acho que não
mexemos nas estruturas injustas, centralizadoras de poder e de riqueza
que existem há séculos”.
Trechos da entrevista já foram publicados na revista Esquerda
Petista. Olívio falou a dois dirigentes nacionais da AE, Adriano
Oliveira e Valter Pomar. A edição foi feita por José Luis Zasso, Paulo
Amaro e Adriana Miranda. Confira as revelações na íntegra:
Adriano Oliveira: Por quais razões o senhor aceitou o convite para disputar o Senado da República nestas eleições?
Olívio Dutra: Sou candidato porque tenho
responsabilidade com o projeto coletivo, que está fazendo bem para o
Brasil e para o Rio Grande e que precisa ser reeleito para fazer mais,
fazer o que não pôde fazer ainda, mexer mais nas estruturas do Estado
brasileiro, que são estruturas que fazem do Estado uma cidadela dos
poderosos, econômica e financeiramente. Tenho compromisso em aprofundar
esse projeto nas duas pontas, federal e estadual e independente de ter
cargo ou mandato, sempre estive em campanha por este projeto.
Agora, evidentemente, fui convencido que, além dessa campanha
permanente em torno das ideias do campo do nosso projeto, que está
melhorando o Brasil, mas que precisa aprofundar bem mais, a tarefa me
coloca numa situação, numa militância mais intensa do que já vinha
desenvolvendo e uma responsabilidade duplicada, mas que assumo com
alegria, com gosto, com disposição. Porque eu sinto com a militância do
PT, do campo popular, dos movimentos sociais, um enorme entusiasmo por
conta disso, então a peleia vai ser boa. Até porque nós temos
adversários no outro campo que não esperavam ter esse embate com a
clareza que nós queremos que aconteça.
Eleito ao Senado da República, quais as principais bandeiras
que o senhor acha que um mandato, vinculado a essas forças sociais e
políticas, deve travar nacionalmente?
Bueno, primeira coisa o chamado “pacto federativo”, a relação entre a
União, os estados e municípios. Essa ideia federativa no Brasil é
anterior à República. Teve um manifesto lá em 1870, pela federação. A
República não existia ainda, embora tivesse já alguma campanha em torno
dessa ideia rica. Então, está mal posta essa relação entre estado,
estados federados, até por conta também que tem uma estrutura tributária
impeditiva de uma relação horizontal entre os entes federados, um
controle público que enriqueça mais essa relação.
Temos uma estrutura tributária que na relação com municípios, estados
e a União, faz predominar a chamada guerra fiscal. Quem dá mais
vantagens para grupos econômicos num município disputa com outro
município. Quem dá mais vantagens para um grupo empresarial num estado,
barganha ou disputa com outro estado. E em nível federal, quando o
governo federal dá vantagens tributárias ou isenções para grupos
econômicos poderosos, quando o IPI, por exemplo, que é o Imposto de
Produção Industrial, é reduzido, reduzindo também o que é uma parte
significativa do Fundo de Participação dos Municípios e dos Estados,
também diminui o seu ritmo de crescimento, enquanto as despesas e os
compromissos dos municípios e dos estados crescem geometricamente. É um
problema. É um problema político, sobre qual o papel do estado federado,
do Estado nos três níveis na questão da apropriação da renda gerada
pelo trabalho de milhões de brasileiros e a sua distribuição justa por
esse imenso território, não só do ponto de vista geográfico.
Então, esses são temas que eu acho que são caros para os nossos
partidos, para o PT, para os partidos do campo popular e democrático,
para nós, socialistas, não é? O PT é um partido do socialismo
democrático, mas temos outros partidos que se denominam socialistas, que
devem também reforçar conosco a opinião que essas estruturas precisam
ser mexidas.
A estrutura do Estado brasileiro, a estrutura tributária, as reformas
agrária, urbana, política, não a reforma eleitoral, mas a reforma
política, tudo isso tem a ver com o Senado. Evidente que uma andorinha
só não faz verão. O Senado é composto de 81 parlamentares. Mas nós não
queremos ser só mais um. Queremos atuar num campo que possa fazer essas
ideias e essas questões serem debatidas não só lá dentro, mas com a
sociedade e que venham tomar corpo em leis, alterações da estrutura do
estado brasileiro, que acho que nos dois mandatos do presidente Lula e
agora no mandato da presidente Dilma, governos que fizeram acontecer
coisas que nós temos que celebrar e comemorar junto com o povo
brasileiro, ganhos enormes para qualificar a vida de milhões de
brasileiros, mas que não podemos mexer ainda nas estruturas
profundamente injustas de um país que tem poucos cada vez mais ricos e
muitos pobres. Aliás temos 17 milhões de brasileiros abaixo da linha da
pobreza. A própria companheira Dilma diz que “um país rico, é um país
sem pobreza”.
Então nós ainda não somos ricos, e temos que ser ricos não só no
ponto de vista econômico e material, mas rico na capacidade das pessoas,
do povo brasileiro, da alma brasileira de se sentir uma nação e
conviver bem consigo e com os outros, com a natureza rica, bonita desse
país e se relacionar bem com países da América Latina. Acho que um
mandato de senador tem possibilidades, sim, interessantes, grandes, tem
desafios, mas eu vou ser, caso eleito, um senador em defesa do projeto
que nós queremos reeleger, que é o da Dilma e o Tarso no Rio Grande.
Serei um senador reforçando esses mandatos, pois eles expressam esse
projeto que é parte de uma visão de transformação estratégica. Um
programa do nosso partido, o PT, que evidentemente não vende a ilusão
que nós vamos realizar as transformações apenas do ponto de vista
institucional, aumentando as nossas bancadas legislativas, do Executivo.
Temos que ganhar apoio na base do povo brasileiro, com os lutadores
sociais no campo e na cidade, para fazer de fato que as estruturas desse
Estado injusto sejam sacudidas e melhoradas, e isso é um processo.
Quero ajudar nesse processo.
A militância do PT e também dos partidos que integram a
Unidade Popular pelo Rio Grande recebeu com grande entusiasmo a sua
candidatura, não só pelo reforço que ela apresenta para as campanhas do
companheiro Tarso e da companheira Dilma, mas também por achar que agora
o conjunto das forças democráticas, populares e trabalhistas, tem uma
candidatura competitiva. Como o senhor pretende trabalhar a possível
polarização entre sua candidatura e a do jornalista Lasier Martins,
antítese do nosso projeto?
São projetos distintos, projetos diferentes. Vou afirmar o projeto do
qual eu faço parte, não por acaso e nem agora. Não cheguei nesse
projeto por cima. Vim ajudando a construí-lo, e os adversários, em
especial, em particular, este que tu estás te referindo, terão que se
assumir.
Sempre entendi que o trabalhismo social é a visão que não é a visão
do estado mínimo, do estado sobre controle privado. Este adversário que
tu mencionas sempre defendeu o estado mínimo, o estado terceirizado, a
presença crescente do interesse privado, para fazer bons negócios, para o
enriquecimento de alguns. Bueno, vamos discutir questões sérias: o
papel do Estado, o Estado sobre controle público e não sobre controle
privado, para funcionar bem e melhor e não para alguns e para poucos,
mas se não para todos, para a maioria. Vamos discutir a questão da
comunicação. Vamos debater o controle democrático, efetivamente
democrático deste setor tão importante. Democracias já consolidadas não
permitem mais essas estruturas poderosas, econômicas e materiais, como a
que temos aqui no Brasil e da qual faz parte esses adversários ou esse
adversário, como grande porta-voz desses grupos.
Não faço política por questões pessoais. Quero cotejar ideias,
argumentos e projetos. Vou afirmar um projeto que eu ajudei a construir
desde o seu início. Tenho compromisso com este projeto. Tenho
compromisso para que este projeto se aperfeiçoe e consolide uma relação
com o povo brasileiro para que a democracia no nosso país não seja
apenas positivada em leis, mas que seja uma democracia vivida no
cotidiano, no plano da qualidade de vida, do ensino, da cultura, da
saúde, da segurança, das artes, do lazer. Queremos debater ideias,
projetos, propostas, defender o que está acontecendo para o bem dos
brasileiros nos governos que exercemos, nos mandatos do presidente Lula e
agora da presidenta Dilma e nas experiências que já tivemos aqui. Fui
governador do Rio Grande com muito orgulho.
No nosso governo, da Frente Popular, o Rio Grande cresceu não só
economicamente, no seu PIB, mas cresceu acima da média nacional. Depois
teve problemas sérios. A partir dali, não reelegemos o nosso projeto por
dois mandatos consecutivos e quando retomamos aquele projeto, retomamos
já em outra conjuntura, numa conjuntura desafiadora, da crise mundial
de 2008, os desafios da ciência, da tecnologia e conjunturas políticas e
eleitorais.
Como que o senhor avalia o nosso marco de alianças no Estado e o nacional?
Sempre me pergunto: será que o Lula, no primeiro mandato, tinha
condições de governar e fazer passar coisas importantes e necessárias na
relação executiva, legislativa, pelo Congresso Nacional, com a
composição que tem o Congresso, decorrentes da própria eleição que
elegeu o Lula? Um governo eleito sem maioria no Congresso. Será que se o
Lula não tivesse feito as alianças que fez poderia ter avançado? Acho
que teria avançado, mas certamente num ritmo mais lento, talvez até com
mais complicações da conjuntura política. Então, acho que era legítimo
esperarmos que, na segunda eleição, no segundo mandato, também
tivéssemos, pelo voto da cidadania brasileira, ampliado no Congresso o
campo democrático popular, criado outra correlação de forças no
Congresso, mas também isso não aconteceu.
O segundo mandato do Lula novamente teve que compor um governo de
centro para direita, porque a correlação de força dentro do Congresso
não se alterou para melhor. Mesma coisa aconteceu na eleição da Dilma.
Precisamos mudar essa estrutura com a reforma política. Hoje se descola
imediatamente, uma vez eleito, do eleitor ou da base social, dos
movimentos e se compõe no Congresso, segundo conveniências conjunturais.
Muda-se de partido como se muda de camisa. Isto tudo torna o ato de
governar um exercício de composição. Às vezes até de espertezas e de
condutas que nos levaram, por exemplo, ao chamado ‘mensalão’, coisas
essas sérias e graves.
Acho que temos no Estado do Rio Grande do Sul um governo de
composição. O Tarso eleito também convidou forças que estiveram num
outro campo durante a campanha. Essas forças veem e ficam conosco até um
tempo. Aí quando chega outro embate se transferem pra cá ou para lá
segundo conveniências políticas. Nesta estrutura que temos aí, que
precisa ser reformada, não se mexe no que interessa para a população,
não sacode, pelo contrário, acomoda interesses, estimula vaidade,
profissionalismo na política, essas coisas todas. Então, precisamos da
reforma política que só poderá vir via uma Constituinte exclusiva. Para
isso, o nosso partido está empenhado, inclusive, no chamamento de um
plebiscito. Não sou de dizer “não, nós não temos que fazer nenhuma
composição”. Não me agrada as composições que fizemos, nem no primeiro e
nem no segundo mandato do Lula e nem agora com a Dilma e nem aqui com o
Tarso. Mas é isso, o que é possível. Também tem que se perguntar se
será sempre assim, se temos que aceitar isso como da natureza da
política? Eu não aceito como da natureza da política. Não me conformo,
mas temos que conviver com essas realidades, buscar superá-las. Isso
significa os partidos do campo democrático popular serem escolas
políticas de formação permanente, de formação de quadros, discutir a
política não como uma disputa de cargos, empregos para as pessoas nas
máquinas partidárias, nos cargos obtidos no executivo e no legislativo,
mas escolas políticas para debater a política como a construção do bem
comum com o protagonismo das pessoas, discutir a realidade brasileira de
enormes desigualdades.
Precisa ter um processo de formação permanente que não seja
passageiro, só em época de eleição. Já começamos a ter na base do
partido, companheiros simples, modestos que pensam “não, política é
assim mesmo, política é a esperteza, esperteza que usavam contra nós
temos que usar contra eles”. Essa é uma visão equivocada da política. É
uma visão que contamina na base partidária, as direções dão a ideia de
que esse pragmatismo é o que tem que ser buscado sob pena de perder a
eleição.
Tem ocasião que perder eleição ensina mais do que vencê-la,
dependendo de com quem aliamos ou do jeito que conjuminamos as nossas
forças. Um partido de esquerda, do socialismo democrático como o PT, tem
que ter sempre presente este debate sobre o campo democrático popular. A
esquerda brasileira está devendo isso para a o povo brasileiro: definir
os seus contornos, se reunir constantemente, estabelecer uma
estratégia, ter um programa, um conjunto estratégico para o Brasil e se
alternar dentro da esquerda na execução desse programa da esquerda.
Estamos devendo isso pro Brasil. A direita e o centro-direita tem os
seus interesses imediatos que se articulam rápido e eles não pensam em
função do hoje, pensam em função do amanhã para preservar esses
interesses, porque eles se alternam na constituição das maiorias nos
espaços de poder, no Legislativo, até mesmo no Judiciário. Até mesmo nos
nossos governos eles têm presença em cargos importantes no
funcionamento da máquina pública.
Acho que um partido como o nosso tem que pensar como ir realizando
políticas, seja nos mandatos legislativos, nos mandatos executivos, nos
três níveis, que alternem a lógica de funcionamento do Estado
brasileiro, que há mais de 500 anos funciona muito bem para muito poucos
e muito mal para a maioria do povo brasileiro. Esse Estado pode e deve
funcionar bem melhor, se tiver com efetivo e amplo controle público
sobre ele. Controle público, nós temos que apostar e trabalhar para
ampliar os espaços de intervenção cidadã no controle do Estado
brasileiro, nos três níveis. Então, o Orçamento Participativo não
poderia ter ficado só na primeira fase, uma experiência ainda muito
reduzida. Muitas prefeituras nossas nem sequer pensam isso, acham que
isso atrapalha. Acho que tem que haver sim uma discussão, até porque o
Orçamento Participativo não é criação do PT, é uma importante conquista
da cidadania, porque gera protagonismo. A cidadania não é a cidadania de
ocasião. A gente não quer ser cidadão só quando tem eleição ou só no
momento sagrado depositar o voto na urna. A cidadania tem que ser
exercida na sua plenitude, no cotidiano, na vida de milhões de
brasileiros e de brasileiras. O nosso partido tem que pontear isso. Ser
parte disso, comprometido com isso, provocando isso.
Por isso que é importante não confundir o partido com o governo, ou o
partido com mandatos legislativos, executivos, que são importantes.
Temos que ampliar a nossa presença na institucionalidade, mas tem
bandeiras que o nosso partido tem compromissos com elas e não é num
mandato ou num segundo, num terceiro, que vamos poder executá-las na sua
plenitude, na sua radicalidade. Isso não pode significar que o partido
tenha que rasgar suas bandeiras, não. Algumas são bandeiras
estratégicas, enquanto que os nossos governos têm que executar um
programa com base na estrutura dos mandatos, na conjuntura, nas relações
institucionais, como cabe também uma discussão, ai entre essa distinção
necessária, o que é partido, e o que são os governos nos três níveis,
os mandatos nos três níveis, e eles evidentemente que se relacionam.
Mas o partido não é dependente não, e nem pode ser dependente dos
mandatos. O partido conquistou os mandatos, então o partido não nasceu
dos mandatos, então ele tem que dar demonstração de que perdendo esta ou
aquela eleição em determinado momento, ele tem capacidade de se
revigorar, aprender com isso. Nós não somos uma máquina para ganhar
eleição. Nós temos que ser uma estrutura política para que, junto com o
povo brasileiro, realizar transformações.
Valter Pomar: O que nos conta de como era o Movimento
Sindical da epóca em que começou a militar, fazendo uma comparação como é
hoje?
Vou ter que te contar um pouquinho de história. Espero ser sintético. Se não for, tu me cobra. Me picaneia como dissemos acá
no Rio Grande. Eu tinha, em 1962, 21 anos. E já era bancário. Tinha um
ano e alguns meses de bancário, funcionário do Banco do Estado do Rio
Grande do Sul. Entrei por concurso. Como contínuo, em São Luiz Gonzaga,
na região das Missões, no nosso querido Rio Grande, 530 quilômetros a
Oeste de Porto Alegre. Às margens do Rio Uruguai, quase fronteira com o
Norte da Argentina.
Então em 1962, participei da minha primeira greve. E o que foi essa
greve? Acho que é importante, porque ficou martelando na cabeça, uma
pergunta: Porque não tínhamos sindicato lá? Também não era militante de
nenhuma organização, a não ser numa base da Igreja, lá em São Luiz
Gonzaga, que era inclusive conservadora, mas eu e alguns outros jovens
éramos uns contestadores naquela pequena reunião comunitária depois da
segunda missa dos vicentinos.
A minha militância era nessa relação e na Campanha Nacional de
Educandários Gratuitos, antiga CNEC. Começou lá pelo Amazonas, com uma
figura que de memória eu lembro o nome dele, Tiago Gomes, que era o
grande líder dessa campanha na base da Igreja. Então, uma greve eclodiu.
Não tinha militância sindical. Não tinha sindicato na cidade. No
entanto eu fui referência do pessoal do sindicato de Santo Ângelo, acho
que por conta da Campanha Nacional de Educandário Gratuito. Então,
certamente por isso, a gente tinha alguma relação com pessoas,
companheiros que estavam na luta, e no caso no Sindicato dos Bancários
de Santo Ângelo, que foram a São Luiz em um final de tarde. Tinham
antes, pelo telefone, proposto uma reunião. Encarreguei-me de conversar
com outros bancários. Tinha poucas agências de banco lá. Tinha três, no
máximo, três ou quatro. Reunimos o que pudemos. E, é bom lembrar,
reunimos na Casa Rural de São Luiz Gonzaga e no Sindicato dos Bancários
de São Luiz, da base do qual saiu o presidente da Federação dos
Bancários do Rio Grande, que era o Paulo Eduardo Steinhaus. O pessoal
fez a sua fala naquela reunião e entramos em greve. Bom, a maioria dos
bancários que estava em São Luiz vinha de outras cidades, transferidos.
Passaram em concurso. Com a greve aproveitaram para voltar para as suas
cidades, visitar familiares. Fiquei encarregado de acompanhar a
movimentação da greve e qualquer coisa ir até o programa da Rádio São
Luiz pra dizer como é que estava andando a greve. Ocorreu que a greve,
um ou dois dias depois, terminou. E me ficou a pergunta: nós nos
reunimos, conversamos, ouvimos a situação nossa, de bancários,
assalariados; os banqueiros não tinham feito proposta, negociação
andando, tinha que pressionar os banqueiros, muito bem; mas é para
terminar? Bom, essa pergunta ficou.
Vim para Porto Alegre em 1970. Já era casado. A Judite estava grávida
da Laura. O Espártaco, meu primeiro filho, tinha um ano e pouco. Vim
por razões políticas, por conta daquela campanha de educandários
gratuitos, em que nós, daquele campo ali, conseguimos garantir aquela
escola. Mas aí já tinha dado o Golpe, e aí a nossa ideia de ter uma
escola com vínculo popular, comunitária, gratuita, com direção eleita,
foi para o brejo. E o poder da cidade, ligado com a estrutura do poder
do estado, a Arena e o “diabo a quatro”, por conta da insistência, e eu
estava nessa ponta, fez com que eu fosse transferido. Saía do banco e
não teria onde trabalhar, a não ser com o meu pai carpinteiro. Então
aceitei essa condição de ser transferido, sem ter previsto, programado.
Viemos para Porto Alegre. Evidente que aqui me associo e me sindicalizo.
A primeira coisa que faço é ir ao sindicato, conhecer, ler mais.
Busco resposta para aquela pergunta: por que aquela greve em 1962
terminou abruptamente? Para iniciar a greve reunimos, para terminar não
houve reunião. Aí a história é a seguinte: me disse um dos companheiros
mais antigos, por sinal uma bela figura que o apelido dele era
“Pelegão”, um bancário, figura belíssima, militante. Ele era daqueles
que ia para a assembleia e os colegas não iam e depois, quando voltava
perguntavam pra ele “mas e daí, o que deu na assembleia?” e ele dizia:
“vocês são tudo uns pelego. Ao invés de irem, na assembleia, vêm aqui me
perguntar”. Essa figura me disse: “olha, Dutra, nós nos reunimos ali,
ficava saindo gente pelo ladrão, às tardes, depois do expediente,
discutimos a situação nossa em termos de salário e condições de
trabalho, tudo tinha que ser batalhado. Então a greve se justificou, o
pessoal tava apertado de vida e tal. Bom, mas aí lá pelas 10 da noite,
por ali, na assembleia, decidida a greve, nós nos olhamos um para os
outros, pressão e tal, e como é que nós vamos operar a greve? Não, tu
vai lá na rádio e diz que estamos em greve; vamos nos comunicar assim,
no amanhecer, com a categoria. Bom aí subiram a rua da ladeira, que era a
chamada General Câmara, que passa na frente do sindicato hoje, na nossa
sede ali, duas quadras, uma quadra e meia do palácio do governo; e
naquela hora fazem uma barulheira e tal, na frente do Palácio e aí sem
demora o Brizola manda chamar. Vai lá a direção. O Brizola foi duro com
eles e disse: acham que o governador não tem uma agenda? Mas bueno,
vocês tão aqui, to vendo que tão insistindo, vocês não vão sair daqui
sem a gente conversar. Mas qual é a de vocês? Bom, a nossa é a seguinte,
governador: tal, tal, e ali colocaram. Mas o que vocês querem do
governador? Bom, queremos que amanhã, ou a partir de agora, não haja
nenhuma repressão ao movimento que nós pudermos fazer na frente do
banco. O Brizola diz: tá bem, não vai ter, a polícia, nada vai ter,
vocês vão poder fazer o trabalho de convencimento de vocês. Ocorre que,
no dia seguinte, eles conseguiram fazer alguma coisinha. Mas a greve
começou com pouca participação. No dia posterior a greve tava tomando
corpo. Mas exatamente no dia posterior, teve uma convenção do PTB, que
era o partido do governo, e o PTB escolheu para a sucessão o candidato
Egídio Michaelsen. Na época ele era diretor do Sindicato dos Bancos, e
era diretor do Banco Agrícola Mercantil. Era um cidadão já idoso, mas
respeitável. Era do PTB e foi se formando pelo banco, chegando à
estrutura de direção do banco e na direção do sindicado dos bancos. O
pessoal, diz ele, o Pelegão, pra mim: olha nós achamos bom, agora vai
facilitar, temos um nome de confiança aí do trabalhismo e tal. Ocorre
que eles foram chamados no Palácio, o governador os chamou e disse: e
agora eu quero que vocês nos compreendam; eu compreendi vocês na
ocasião, agora eu preciso de vocês! Né? (Risos). Sim, mas governador, o
que nós vamos fazer? Agora eu acho que com o doutor Egídio podemos ter
uma ponte para conversar com os banqueiros, pra eles frouxarem, e ter
uma proposta, nós negociarmos. E o governador diz: vocês vão colocar no
colo do nosso candidato, trabalhista, essa questão? Um desgaste, vocês
tem que compreender que tem uma disputa maior. E aí, evidente, eu quero
dizer para vocês, com toda a franqueza, eu não quero ser corado por que
não acionei a segurança na porta dos bancos, então daqui para adiante
vai ter a polícia, tanto a Civil quanto a Brigada, vão cumprir o seu
papel. E o pessoal, bueno, não tinha relação com a base, essa é a
questão. Não tinham relação com a base da categoria. Era a direção, e a
direção conforme até em nível nacional. O Jango foi ministro do
trabalho. Então, o pessoal das direções sindicais, se achava confortável
com o poder, pois eram recebidos nos gabinetes das maiores autoridades,
do próprio Ministro do Trabalho, e aqui o do governador do PTB. E eles
não tinham a força da relação com a sua própria categoria. Então
sentiram isso e não tiveram condições de manter a greve, suspenderam a
greve por conta disso, não tinham como garantir a continuidade do
movimento sem ter esse beneplácito. Então é isso, claro, incendiou nós,
de uma base que tava surgindo no movimento sindical. Discussão da
estrutura sindical, não é? Sindicalismo pela base, relações no local de
trabalho, enfim, o sindicato, a sede material, a referência principal, a
forma como o sindicato tá presente no mais perto possível da categoria,
seja levando informação, procurando informação, reunindo, procurando
ter expressão lá dentro das agências, enfim, através de delegado
sindical ou representante sindical, essa é a discussão. Então, foram
crescendo, dentro das bandeiras que tínhamos: liberdade e autonomia
sindical. E, nós queríamos a aprovação daquelas coisas da OIT que
tratavam disso, resoluções que o Brasil era signatário e o artigo 4º, se
não me engano da CLT, que trata da estrutura sindical, não bate com
essas resoluções, enfim o imposto sindical, essas coisas todas que eram
discutidas junto com as questões específicas de quadro de carreira,
jornada de trabalho, salário, condições de trabalho, doenças recorrentes
das ações repetitivas, o início do processo de informatização como
diziam, ou mecanização. E bueno, eu acho que se alterou bastante o
quadro. A gente teve aí um outro momento na luta sindical. É bem verdade
que tinha essa estrutura sindical, com esse jeito da relação com o
poder, com os gabinetes, e que não começou a ser questionado por nós. Já
tinha antes de nós outros questionadores dessa estrutura, evidente. Não
estou fazendo coisa, que a história da luta contra a estrutura começa
conosco. Nós somos herdeiros de uma luta que vem de longe, mais
libertária e tal. É isso, eu acho que as coisas desaguaram também essa
disputa, essa luta, esse debate, com esse conteúdo e foram para a
Constituinte. Veja que nós aqui no Rio Grande elegemos dois
sindicalistas no PT para a Constituinte: o Paulo Paim, que era dirigente
sindical metalúrgico, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, maior
aqui do estado, de Canoas, e eu, dirigente sindical bancário.
Quando vira dirigente sindical bancário, vira pelo caminho de
uma oposição, ou você fez parte da direção e a direção foi se tornando
mais e mais comprometida com o novo sindicalismo?
É interessante, porque é meio parecido com isso. Chegamos em Porto
Alegre, eu não conhecia nada. Não tinha morado numa cidade grande, não
é? E bom, nas circunstâncias que vim, então estava também indignado com
as coisas, acompanhando as coisas. O Golpe já era tido por nós, do nosso
campo, como um golpe contra os pobres. Como dizia minha mãe: “filho,
isso é um golpe dos ricos contra os pobres”. Bueno, aí claro, eu chego,
me sindicalizo e têm dois bancários presos, que não sabia e nem
conhecia, mas o pouco do conhecimento que tive, que o pessoal passou
para nós, era de dois bancários presos. Um deles, depois, bem mais
tarde, foi vereador, uma figura muito combativa, um belo sujeito, da
diretoria dos Sindicatos dos Bancários. Foi preso por conta das suas
atividades contra a Ditadura. E o outro era da direção da Federação dos
Bancários, também ligado às articulações clandestinas contra a Ditadura.
Bom, não conhecia nenhum dos dois, mas o nosso grupo pessoal começou a
dizer: “não, não pode ser assim, tem esses dois bancários presos, e o
Sindicato? Não vejo nada, não vimos nada do Sindicato, o que o Sindicato
fez, deixou de fazer, está fazendo?” E fizemos muitas reuniõezinhas
clandestinas até conceber um texto que denunciasse isso, e depois
imprimir aquilo. Isso era por 1971, 1972. Não foi fácil fazer aquilo.
Fizemos do jeito que pudemos aquele material e ele andou circulando
por algumas agências. Naquele tempo tinha poucas agências. Depois o
próprio Regime Militar foi reduzindo os bancos locais e regionais, para
fortalecer os grandes sistemas de estrutura. Então, esse texto era uma
postura crítica nossa ao Sindicato, à sua direção, com aquela questão
política. Aí chego no trabalho, na Francisco (Autran) com a Assis
Brasil, norte da cidade, por sinal muito perto do Sindicato dos
Metalúrgicos, aí aparece o presidente do Sindicato lá, no expediente, e
pede para falar comigo. Eu ia no Sindicato, por que saia daqui, ia em
direção ao Mercado Público, ia lá e via, até porque o Sindicato também
tinha serviço odontológico, de saúde e tal, e eu com os meus filhos, a
minha mulher, tratei de ver lá o que poderia ter daquele serviço. Então
também ia lá por conta disso. Tinha biblioteca o Sindicato, tem até
hoje, e tinha materialzinho do DIEESE. Tratava de distribuir, do meu
caminho até lá onde eu morava, nas outras agências e sem o Sindicato
saber, e lá na minha agência dependurava no muralzinho. O pessoal dizia:
“Olívio, rapaz, te cuida. Não sei se é comunista ou não é. Não importa.
Te cuida, por qualquer coisa a repressão está aí”. Como era cumpridor
dos meus deveres como bancário, chegava na hora. O meu próprio gerente
me convidou para ser o assessor dele, abrir a correspondência, redigir
respostas, até mesmo essas cartas que chegaram lá eu mostrei pra ele.
“Poxa, Dutra, esse é um texto duro, tu faz o que tu acha melhor, mas eu
acho que é perigoso esse texto aí”. Bom, eu tinha três, nós tínhamos
definido três cartinhas daquelas para cada agência. Então, eu dependurei
uma delas. Aí aparece o presidente do Sindicato, Luiz Carlos Mazuí
Cunha,uma bela figura, e diz: “olha colega, a gente tem te visto, a
gente não tem conhece, a gente já sabe que tu veio do interior, o seu
Luiz já te sindicalizou”. O seu Luiz era um velinho que percorria as
agências sindicalizando, a cara dele era parecida com o Kruschev.
Velinho do tempo do sindicalismo de ação direta, ele vinha, tinha sido
motorneiro da Carris, tinha sido presidente de um sindicato de bancários
em Novo Hamburgo, e era uma figura. E eu puxava conversa com ele para
ele me contar as coisas, as lutas sindicais em outro tempo. O seu Luis,
então dizia o Masuí, “tem dito que tem conversado e nós temos te visto
lá e eu queria te dizer meu companheiro, colega, que a coisa pode ficar
difícil, agora tem um material circulando aí, que a repressão, aquela
figura que tá lá, aquele lá é a ponta da repressão contra o Sindicato. O
Sindicato já sofreu duas intervenções depois desse Golpe aí. Nós somos
uma direção que foi eleita depois de duas intervenções. Aí nos somos
proibidos de citar qualquer coisa, ainda mais sobre essas duas pessoas
que esse material tá falando. Nós não podemos dizer absolutamente nada e
nem escrever nada. Então, bueno, estou aqui pra te dizer que, com esse
material, a coisa se arrocha lá. Estamos preocupados, não sabemos se tu
está em algum movimento, qualquer coisa que o valha, mas tu aparece lá, e
poucos aparecem lá no sindicato e tal”.
Poxa, eu comecei a ficar compreendendo mais coisas que eu não
compreendia. Compreender a história do Sindicato, do momento que viveu o
Sindicato, um Sindicato que eu acho que nunca teve direção de direita, e
que já tinha passado por duas intervenções: o (Jarbas) Passarinho, que
era ministro do Trabalho, e tinha uma mulher que ele colocou lá, pra
relação direta com a Delegacia Regional do Trabalho, essas coisas; um
‘esquemão’, que o pessoal conseguiu depois se desfazer. Então, tava
aquela diretoria lá, tentando recompor as coisas, e então passado isso,
tinha eleição no Sindicato em 1975. O Masuí de novo foi no meu local de
trabalho dizer: “olha, vai ter eleição no Sindicato, nós temos problema
de compor uma chapa e tem oposição”. A oposição era uma oposição de
centro-direita. – “Tem oposição, e nós não temos gente, o pessoal tá
todo mundo com medo, assustado, e os que vêm, vêm para sem demora fazer
acordo com os bancos, se proteger, faz acordo com o banco e o pessoal
vai ficando cada vez em número menor e tal” colocou o Masuí. Queria que
eu fosse pra executiva, e eu disse: “olha, meu companheiro presidente,
eu venho do interior, não tenho a vivência que precisa ter para estar
num sindicato assim, com a importância. Se pudesse ajudar, ajudaria, mas
não como integrante da executiva”. Me colocaram lá no quarto suplente,
nessa eleição e teve uma oposição de centro-direita. Ganhou, ganhamos,
mas fiquei no local de trabalho, era quarto suplente. Naquele tempo só
tinha três, não, era quatro integrantes da executiva liberados, e eu era
o quarto suplente. Os dirigentes executivos, lá entre os liberados,
foram fazendo acordo com os bancos. Se formavam em direito, outras
profissões liberais e tal, aquela condição. Faziam acordos com os bancos
e o Sindicato tinha que chamar suplente. Fui chamado na vacância. Fomos
lá, mantinha reuniões, debates, vivências, enfim. Tínhamos daqui, um
pouco paralelo, mas faz parte, disso aqui onde nós estamos, quando eu
vim para Porto Alegre. Foi aqui onde morava, morei até dois anos atrás.
Agora a gente tá lá embaixo, porque a Judite não pode mais subir escada,
e eu pude comprar um apartamentozinho do tamanho desse aqui. Mas aqui
que nós viemos, criamos dois filhos aqui e eu trouxe uma geladeira lá de
fora, de São Luiz, que ela já tinha sido adaptada para a energia
elétrica.
Onde eu morava lá em São Luiz não tinha energia elétrica. Só vivi
mais tarde, já tinha recomposto e eu cheguei aqui, tinha oficina ali do
outro lado da rua, e adaptou a geladeira. Eu não ia comprar outra.
Instalou ali e ela tinha um barulho, um rumor, era uma coisa estrondosa,
(pausa telefonema). Então, esse barulho abafava as conversas aqui de
dentro. Tu viu o corredor aqui, é um corredor largo, dos primeiros
prédios construídos pelo BNH. Então o corredor não é a estreiteza que é
hoje, um corredor que as crianças até brincava, os vizinhos também
tinham crianças. Então, aí os companheiros, conversando comigo e tal,
uma vez vieram aqui, e tal, e, “Olívio, nós estamos com dificuldade de
ter um porto, um local para se reunir”. E eu digo, “olha, aqui é um
prédio, 219 condôminos e tal, eu moro aqui”. “Pois é, mas tu sabe que
esses dias nós verificamos que esse rumorzinho aqui abafa o que se
conversa aí dentro, claro nós conversamos baixo também”. E então me
pediram se poderiam vir aqui. “Claro companheiro! O que eu posso fazer
nessa luta que é grande aí…” Aí, eu e a Judite combinávamos, quando
tinha as reuniões aqui, nos finais de semana, eles preferiam, sábado, ou
domingo, a gente pegava as crianças e íamos para o Parque Farroupilha.
Voltávamos no final da tarde do domingo, do sábado e na segunda-feira
aparecia um companheiro aqui, para nos relatar o que o grupo tinha
discutido. Foi este companheiro, que uma vez protegemos. A repressão
estava pra apanhá-lo. Fiquei encarregado de arrumar um local para ele
ficar isolado. Dei um jeito e arrumei a casa de um companheiro bancário
no Menino Deus. Protegemos esse companheiro. Ele não caiu. E bem mais
tarde tive a alegria de vê-lo. Olhei assim, “mas eu conheço esse
companheiro”… ele tinha feito parte do governo do Valdir Pires na Bahia,
ele era baiano, era essa personalidade. Daquele povo que participava
aqui, tem uns no PMDB, tem outros no PSB, tem grande parte no PCdoB, tem
no PT, isso era lá no principio da década de 70. Então, termina o
mandato daquela direção do sindicato…
Da qual você foi eleito como quarto suplente?
Isso. Termina e tem eleição em 1975. Assumi a cabeça daquela chapa e teve oposição, de novo.
Você foi candidato a presidente?
À presidência do Sindicato. Fomos eleitos. Foi nessa época, em 1975,
que conheci o Lula. Na época, o Delfim Neto, ministro da Fazenda, tinha
surrupiado um percentual enorme do reajuste do salário de todo mundo e o
Dieese flagrou isso e podemos, tecnicamente, dizer que não dava para
engolir aquilo como uma coisa que foi calculada. Tecnicamente poderia
ser desmontado. Politicamente tínhamos razões para fazer o movimento que
se espraiou pelo Brasil a fora. Nessa ocasião, convidamos o Lula para
vir aqui. Aí já tínhamos uma relação intersindical, uma relação que
retomava um velho movimento que tinha aqui, em Porto Alegre, entre
várias categorias. Houve um encontro dos que tinham lá em São Paulo, São
Bernardo, no Rio de Janeiro, na Bahia, noutros pontos do país e tinha a
luta das oposições sindicais. Apoiávamos as oposições sindicais. Éramos
desse campo, das oposições sindicais.
Por que esse movimento do sindicalismo autêntico desemboca na
CUT, depois de ter desembocado uma parte dele no PT? Ou seja, por que
não houve uma progressão sindicato-central-partido? Por que foi o
contrário, o que levou a isso?
Tinha debate em torno disso. Confesso que vacilei em várias ocasiões
em que esse debate surgia. Já tinha uma discussão anterior sobre o
Dieese, sustentado pelos sindicatos e os maiores sindicatos do país,
inclusive o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, do ABC, Sindicato
do Rio de Janeiro e os bancários também de São Paulo. Evidentemente que
os bancários de São Paulo sempre tiveram uma direção combativa, mas a
receita que sustentava o Dieese era 70% ou 80% de três ou quatro
sindicatos e que não estavam nas mãos de direções, digamos das oposições
sindicais, que as oposições sindicais lutavam para chegar, mas, no
entanto, eles mantinham. Lembro que numa eleição para o Dieese, tal
questão veio à tona: vamos romper com os caras. Digo: vai sustentar o
Dieese como? Temos condições? Não temos condições? Entendia que não
tínhamos condições, sem ter aqueles sindicatos compondo a direção do
Dieese. Inclusive lembro bem, votei diferente do Lula nessa questão.
Fui o primeiro organizador duma ponta do Dieese aqui, inclusive ia
coletar o preço das coisas na feira, nas datas, naquela papeleta que o
Dieese propunha, segundo a região, segundo a sazonalidade das coisas, e
cumpria à risca aquilo. Então, o Dieese, naquele momento, exerceu um
papel de enorme influência política e queria que ele pudesse não ser
contaminado. E aí, quando do movimento, eu fiz parte da Comissão Pró-PT,
lá de 1978 já, a nível nacional, mas antes militando no movimento
sindical, na questão de como organizar horizontalmente o movimento
sindical. Como romper com a estrutura das confederações e federações e
ter uma construção pela base? Essas coisas estavam antes de 1978, antes
da Comissão Pró-PT. Mas as coisas se precipitaram. A conjuntura, o
processo todo das lutas sociais, da questão política contra a Ditadura e
contra as estruturas partidárias que tinham essa ideia de uma direção
de cima pra baixo da classe trabalhadora, através dos partidos que
poderiam sair dali, daquele processo. Lembro bem que o Fernando
Henrique, ele andou circulando o país, esteve aqui no Rio Grande do Sul.
Não só uma vez, mas uma vez eu fui convidado pelo Tarso, que não era do
PT, era uma ala do, era PMDB já, eu acho, pra ir num papo que estaria o
Fernando Henrique, lá na casa do Tarso, no Bairro Conceição. Era um
dirigente sindical, de certa nomeada já e fui convidado. Chego lá vejo
que tem várias pessoas que são importantes, advogados, professores, mas
não vejo lideranças de outras categorias, de sindicatos. Sento e fico
quieto num canto ouvindo. Vejo que a conversa era muito em torno de um
partido político, que fosse um partido que não caísse num viés
classista, categorial, uma conversa assim, um partido popular, era um
discurso já se preparando para um debate tipo um partido tipo PT. A
ideia já estava circulando, não sei se tinha ocorrido aquele congresso
dos metalúrgicos lá em Osasco, que tinha lá numa assembleia surgido
aquilo, da proposta de um partido da classe trabalhadora, acho que já
tinha ocorrido. As coisas foram, penso, se precipitando, e se dando, a
liderança do Lula inquestionável, a presença dele no cenário
político-sindical. Acho que quando se foi para uma reunião, as reuniões
sindicais, as coisas se contaminaram com essa discussão de um partido
que fugisse do esquema dos partidos tradicionais, claro que se incluíam,
também, os partidos tradicionais da esquerda, tipo o PC, o PCB, com
direção vertical, centralismo. O PT era também uma crítica a isto, não
no conteúdo, mas na forma de conduzir a política, essa coisa toda.
Então, a nossa discussão sobre liberdade e autonomia sindical, de certa
forma não era consenso no campo da esquerda. O PCB nunca aceitou o fim
do imposto sindical, ou a liberdade de autonomia sindical, o sindicato
por ramo de produção. Essa foi sempre uma discussão incompleta ou com
posição contrária dos companheiros e companheiras do PCB, que nós
respeitávamos muito, eu particularmente, um partido com tradição, com
história. Acabou que no final da década de 70 estávamos com o PT já
formalizado e registrado no TSE, e dois anos depois que se sai para a
CUT. E ali já, naquele congresso de Praia Grande, teve um Conclat.
Lembro que tive vacilações no decorrer daquele congresso, um enorme
congresso, o maior que conheço até hoje na história da classe
trabalhadora. Centenas, dois mil, três mil ou mais trabalhadores;
lideranças de toda a parte do Brasil, categorias organizadas,
desorganizadas, pré-organizadas. A definição por uma central única
dividiu o encontro. Não foi uma coisa que, digamos, dali pudesse se
pensar que estava resolvida a questão de uma central fora da estrutura
sindical, com relações horizontais com as entidades. Não, ali se abriu a
possibilidade, evidente, por conta do debate político e das evidências
ali de ter mais centrais, como de fato veio ocorrer, logo mais adiante,
dali mais um ano, naquele mesmo ano, surgiram outras centrais. Se não me
engano, hoje, temos umas seis centrais. Algumas estão assim, digamos,
decorativas, como também tem alguns partidos que são a sigla. Então, na
Constituinte, foram eleitos dois constituintes pelo PT do Rio Grande,
dois sindicalistas e participantes desse debate sobre estrutura
sindical, das categorias metal/mecânica e bancária/serviço terciário.
Bom, na Constituinte, essa questão da liberdade, de autonomia sindical,
as resoluções da OIT, nunca tiveram unanimidade no campo progressista,
popular e nem no núcleo de esquerda, porque o PC, PCB sempre teve
posição de que isto geraria uma atomização, estilhaçamento do movimento
sindical, do imposto sindical, que deixaria o pessoal segurado no
pincel, enfim, tem argumentos.
Achamos que toda a força tem que vir da base, que se tinham
necessidades, seriam superadas depois, com uma base se assumindo como
sujeito político da entidade. Na Constituinte não conseguimos acabar com
o imposto sindical. Teve um setor da esquerda que se aliou com os
representantes da Confederação Nacional da Indústria. O sindicato
patronal também não quer saber, quer estar com o imposto sindical.
Então, nessa questão, teve um entendimento entre uma parte da esquerda e
do movimento sindical, com o patronato e as suas entidades, e está aí
mantido o imposto sindical. É uma vinculação que mantêm os sindicatos
como uma extensão do Estado, uma repartição pública. As Delegacias
Regionais do Trabalho, que fiscalizam a contabilidade dos sindicatos, no
que gastou e no que não gastou, por que gastou, apoiando esse ou aquele
movimento e não tem que gastar nisso…É uma ingerência do Estado que vem
desde o tempo do Getúlio Vargas, do tempo da Ditadura Vargas, que
passou depois a democratização em 1945 e que se mantém aqui até depois
da Constituição de 1988. Na greve de 1978, que fomos presos, a direção
do Sindicato, eu presidente, nós não fomos presos com base em um artigo
de um AI do Regime, não. Fomos presos com base em artigos do capítulo IV
da CLT, que vem desde a década de 40. São entulhos autoritários. Isso
dá a ideia de que não rompemos ainda com uma cultura centralizadora,
ditatorial, que diz respeito ao controle das elites. Que diz que tem a
máquina de estado na sua mão sob a organização dos trabalhadores. Então
tem composições; uma hora frouxa um pouco aqui, segundo o interesse das
elites, mas quando precisar apertar, não precisa de nenhum ato de
exceção, tá ali, na CLT, as formas do Estado manter sobre o seu controle
a organização sindical.
Houve um tempo que, num processo de debate grande dessa questão,
aumentou enormemente a sindicalização. Tivemos, penso, numa ocasião, 80%
da categoria sindicalizada. Tinha uma relação na base por conta do
debate, e isso possibilitava ter atividades no sindicato mais
independentes do imposto sindical, que ficava para aqueles custos de
manutenção da coisa, que a DRT fiscaliza e exige isso e aquilo. Então,
acho uma discussão não esgotada, não resolvida do ponto de vista
democrático. Um sinal que a democracia no nosso país tá aquém do que
ainda deve avançar. Além disso, isso é apenas um dos tantos exemplos de
coisas que na estrutura do Estado brasileiro não foram mexidas.
Acaba a Constituinte e logo em seguida você é eleito
prefeito. Aí vem um longo período, os anos 90. O que dizer de 20 anos,
onde você deixa de ser um dirigente sindical e ocupa, ou posições de
dirigente partidário, ou mandatário público? Como é que você, dessa
posição, olha o movimento sindical, passada aí essa trajetória tão
turbulenta que teve neoliberalismo e dez anos de governo Lula?
Acho que tenho muito que aprender ainda e tenho aprendido com a nova
safra de dirigentes sindicais, porque a conjuntura para eles é mais
complicada que a conjuntura que vivíamos, naquelas décadas de 70, 80 em
que o – digamos, vamos usar uma palavra forte – inimigo de classe ou o
adversário de classe, era nítido na nossa frente. Claro, e hoje, por
tudo que tem aí, de governos inclusive do campo democrático popular, nos
municípios, nos estados, no governo federal, nos mandatos do Lula,
agora da Dilma, que tenho certeza que é importante que sejam reeleitos
para poder fazer o que não puderam fazer ainda, ou fazer melhor,
aperfeiçoar o projeto estratégico, mas isso cria para os movimentos
sindicais uma situação nada fácil de operar com autonomia, com
independência, com força própria.
Parece que, claro, a história não se repete, a não ser em termos de
farsa, mas tem situações em que tem direções sindicais ou dirigentes que
estão muito bem acomodados, inclusive em cargos nos nossos governos,
estaduais, federais, Ministério do Trabalho, Sebrae, conselhos daqui,
conselhos dali, lideranças sindicais que foram trazidas de dentro dos
movimentos sindicais para isso e não substituídas, porque não tinha
ainda condições de formação de quadros, um agito, para que essa saída de
lá não representasse um desgaste ou até a ideia de que está
participando do governo. Nossos governos, o mandato do Lula e da Dilma,
evidente que tem o apoio, o respaldo popular, e devem ter, mas eu acho
que não, essa discussão entre o que é governo e o que é movimento, ou o
partido e o governo, o mandato do Executivo e Legislativo e o projeto
estratégico não eleitoral, essas são discussões que precisam ser feitas
para serem bem apropriadas e trabalharmos nas diferenças uma forma de
ter avanços consistentes sem subordinação, ou redução, ou neutralização
da pressão de baixo para cima dos movimentos. O movimento social, os
movimentos sindicais, tem dificuldade de se situar e tem também uma
tradição de que o Estado brasileiro é o grande protetor. Vejo um campo
de luta aberto e que só muda se tiver pressão de baixo pra cima, e essa
pressão não é uma mágica, não é messiânica, nenhuma liderança
carismática vai fazer isso acontecer. Isso depende de tantas e muitas
coisas, mas acho de também perseverança, ciência, e os partidos do campo
democrático popular e um partido como o PT e os PCs, tem enorme
responsabilidade de conduzir esse processo.
A gente às vezes usa uma expressão que é assim: surgiu uma
nova classe trabalhadora. Geracionalmente, porque tem mais mulheres hoje
trabalhando no mercado de trabalho, ou porque ela é uma classe
trabalhadora que não viveu a experiência anterior, enfim, se usa muito
essa expressão. Queria lhe fazer a pergunta do ponto de vista da
cultura: você, que começou a tua experiência profissional nos anos 60,
como bancário, do que conhece hoje, a classe trabalhadora brasileira, do
ponto de vista do seu modo de vida, da sua cultura, da sua visão de
mundo, o que apontaria como grande diferença e que tem que ser levada em
conta para a atividade político-sindical no jeito de existir da classe?
Acho que a classe trabalhadora não é mais uma categoria em especial.
Antes tínhamos uma ideia, de que a classe trabalhadora é o operário, o
que produz, o que mexe na matéria e transforma dali, cria outros bens. A
classe trabalhadora é uma imensidão de atividades e de possibilidades,
de vocações que precisam ser estimuladas. Então, evidentemente, acho que
tem hoje na classe trabalhadora brasileira uma visão mais universal do
que antes, talvez, compreensão de o que o sindicato não é o sindicato de
uma categoria. É um sindicato cidadão que tem que lidar com questões do
trabalhador e da trabalhadora no seu cotidiano de vida. Não só na
relação com o seu empregador, a sua empresa. Ele tem que usar o
transporte coletivo, a educação, a formação, o lazer, a cultura, enfim, a
relação holística com a natureza, com os bens da lida. Há uma
compreensão, digamos, mais desabrochada, uma visão mais holística. Mas
há situação em que milhares de homens e mulheres nem condições têm para
refletir sobre isso. Eles não têm no cotidiano, garantido o básico.
Temos 17 milhões de brasileiros abaixo do nível de miséria, que têm pela
manhã de pensar o que vai comer de tarde, onde é que vai colocar os
seus panos para dormir, se debaixo da ponte, na casa de alguém, etc.
Bueno, os nossos adversários, o projeto neoliberal, diz não, que não
adianta ter políticas como Bolsa-Família, que são coisas que, como é que
eles chamam, assistencialistas. Melhor ensinar a pescar do que dar o
peixe. Tem que ter o Estado, e o Estado sobre controle público, não
sobre controle privado ou pessoal de ninguém, com políticas públicas
eficazes para atender diretamente essas situações. Acho importantes as
políticas que desenvolvemos nos dois governos do Lula e da Dilma. Mas,
fico preocupado quando temos um número crescente de famílias dependendo
ainda dessas políticas. Já tem um número razoável que já está deixando
de depender da Bolsa-Família e de outras políticas beneficentes, vamos
usar essa palavra, mas penso que tem uma consciência alastrada,
espraiada, de que a luta social vale a pena, que é preciso se organizar,
não só nos sindicatos, mas nas associações, nas cooperativas, nas
pequenas entidades culturais, para o povo se enxergar a si mesmo, se
manifestar, romper com a impostura da opinião feita de cima para baixo
pelas grandes empresas de comunicação e de imprensa. Há um sentimento
grande disso. Mas há espaços ainda não conquistados para isso transitar,
isso, enfim, se espraiar mais, ganhar mais consciências e corações.
Acho que nós, o próprio PT, embora o Orçamento Participativo não seja
uma bondade do PT, uma obra do PT, o Orçamento Participativo é uma
conquista da cidadania, o que nós fizemos aqui em Porto Alegre foi dar
asas a esse sonho, a essa demanda que era antiga, que é o povo
participar da discussão de uma coisa que é essencialmente pública, o
orçamento, receita e despesa. E nós mesmos não fomos a fundo nessa
experiência de ampliar espaços para as pessoas serem sujeitos e não
objetos da política. Nós mesmos, os partidos do campo democrático
popular, o PT, vamos até um ponto e depois recuamos. São raras as
experiências de Orçamento Participativo que radicalizam a democracia.
Começa uma imitação do Orçamento Participativo para ficar bem com o
Banco Mundial, ficar bem com os financiadores, mas não se vai a fundo,
de como é que se estrutura a receita pública num município. Quem é que
está pagando imposto? Quem deixa de pagar? Por que tem renúncia fiscal?
Por que tem privilégio tributário? Como é que vem do Governo Federal
para o município? Ora, isso tem que ser no mínimo do conhecimento do
cidadão, para depois ele poder começar elaborar as suas demandas, de
médio e de longo prazo, mas também estruturantes no espaço onde mora.
Nós temos um Orçamento Participativo que é mais a organização das
demandas da população e não há discussão de como se estrutura a receita
púbica, aí qual é o papel do poder público, estadual, federal, municipal
na apropriação dessa receita, que é oriunda do pagamento de impostos,
desses serviços e de taxa.
Qual é o papel do poder público? Fazer desse dinheiro a possibilidade
dos grandes negócios empresariais? Qual é a estrutura tributária que
nós queremos, e que pode ser uma parte na distribuição de renda do país,
na descentralização das coisas nesse país? O Orçamento Participativo
era pra um debate sobre isso e não um mero arranjo das demandas. E
cataloga aqui, faz um cronograma, e passa não ter depois condições de
cumprir aquilo, por que os recursos, que são a outra ponta, são
desconhecidos da receita pública, são desconhecidos da população. Como é
que ela se monta e por que o poder público tem que aceitar um
empreendimento numa região à custa deste empreendimento não pagar
imposto, ou pagar menos que os empreendedores pequenos e médios que já
estão instalados nessa região pagam? Quem define isso? Por que isso
acontece aqui numa região e não outra? E acaba tu esvaziando regiões e
inviabilizando pequenas comunidades, empurrando o povo para as
periferias urbanas, cada vez mais conturbadas, e todas as condições das
mais difíceis de sobrevivência digna para milhares de pessoas.
Quer dizer, tem coisas que nós não fomos a fundo, porque é preciso
ganhar eleições, e é evidente que é preciso ganhar eleições. Mas mais do
que isso, é importante criar uma consciência de que o povo vai se
sentindo protagonista de um processo de mudanças. Isso implica, às
vezes, em perder algumas eleições, mas não perder o rumo. Penso que até
hoje as elites não engoliram o fato de ter tido um presidente da
República, caso do Lula, que não veio das famílias nobres,
aristocráticas, fora disto. Até hoje a gente sente resquícios desses
preconceitos, desse desprezo. Mas não basta chegar lá com uma pessoa não
vinda desses estamentos da nobreza, da aristocracia e dos ricos, e
depois se cercar por esses interesses. Penso que fizemos até muito, mas
estamos devendo muito mais ainda. Acho que não mexemos ainda nas
estruturas injustas, centralizadoras de poder e de riqueza que existem
há séculos.
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