segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A rapinagem dos "mercados" já começou (na verdade, continua...)

Por Luiz Sérgio Guimarães.

Os mercados financeiros abrem hoje oficialmente o terceiro turno das eleições. Em temporada de furações especulativos, os movimentos do câmbio e dos juros futuros costumam ser ondulatórios: as altas de hoje preparam as quedas de amanhã, e vice-versa. A sexta-feira foi o dia da mentira, um 1° de abril tardio: escudados em revelações da matéria da Veja e na pesquisa Sensus, dólar e DIs caíram alegremente, comemorando uma nova guinada pró-Aécio. Um show de ilusionismo encenado para permitir aos espertos embolsar os lucros garimpados nos pregões anteriores. Hoje é o dia da verdade, o dia em que os mercados precificarão o prolongamento da estadia de Dilma Rousseff no Planalto. Começa o terceiro turno.

Ao contrário do povo, que vota para presidente a cada quatro anos, o mercado vota todos os dias. Para ficar mais claro: o povo vota, o mercado veta. A cada decisão de política econômica, o mercado pulsa nas telas online o seu veredito: isso pode, isso não pode. Com suas ordens de compra e venda, os investidores não pretendem meramente acertar o que vai acontecer no futuro e qual a direção da política econômica. O objetivo maior é interferir na tomada das decisões, forçar o governo a atenuar seu viés desenvolvimentista e a implementar correções ortodoxas.

Só haveria hoje para Dilma Rousseff uma maneira de acalmar os mercados: costurar uma aliança assentada em concessões de ambas as partes. O governo poderia até aumentar seus programas de inclusão social, mas teria de ceder em outros quesitos. Se o governo quiser melhorar a abrangência dos grandes projetos sociais (Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, seguro-desemprego, reajuste real do salário mínimo) sem abrir mão das políticas de desoneração tributária seletiva, crédito subsidiado concedido por instituições públicas, reserva de mercado em setores estratégicos e controle estrito dos investimentos em infraestrutura, terá de satisfazer o mercado da forma mais primitiva: elevando às nuvens a taxa básica de juros.

E os investidores são insaciáveis em relação à Selic, sempre pedem mais para compensar o ?intervencionismo? em outras áreas. O caminho do juro alto é o pior possível: ele destrói as finanças públicas, pois, ao elevar o déficit nominal, exige o contínuo aumento da meta de superávit primário; tem efeito nulo sobre uma inflação que não é de demanda, reduz o ritmo de atividade e diminuiu a capacidade de arrecadação da Receita Federal. O resultado é inflação alta e recessão. A solução não passa pela elevação da Selic. O governo teria de capitular nas frentes diretamente empresariais. O fim dos subsídios seria compensado pelo aceno de regras (ou ausência delas) que viabilizem o aumento dos lucros.

Com Aécio Neves, a costura de um pacto com o grande capital seria bem mais fácil. A compressão da Selic necessária para a obtenção de recursos para sustentar os programas sociais seria aceita em troca do esvaziamento dos bancos públicos, do fim sumário das desonerações, da reaproximação com os EUA, da reversão das intervenções setoriais, da mudança do sistema de partilha do pré-sal e da privatização da Petrobras. Com Dilma, fica muito mais difícil. É por isso que o ponto central da agenda do terceiro turno é a mudança do interlocutor. O povo escolheu Dilma, o mercado quer escolher um ministro da Fazenda que seja o verdadeiro presidente até 2018. Essa será a primeira batalha dos mercados, à qual se empenharão com todas as armas.

Os mercados querem transformar Dilma numa rainha da Inglaterra. Querem um ministro da Fazenda que tenha a alma e as habilidades de Antonio Palocci. Para tanto, contam com um aliado de peso: as correntes lulistas dentro da cúpula do PT e encasteladas na máquina pública esperam nunca mais passar pelas angústias, incertezas e constantes reviravoltas das eleições que se encerraram ontem. Querem que Lula chegue imbatível em 2018. Para isso, defendem a reedição do receituário neoliberal seguido com o zelo excessivo típico de neófitos no primeiro mandato de Lula.

O cavalo de pau terá de ser dado já neste último bimestre do ano, antes que prosperem as ameaças da oposição de deflagrar um processo de impeachment da presidente a partir do caso Petrobras. Qual a opinião de Dilma a respeito? Ela será dada em definitivo não em discursos ou no gerenciamento do dia a dia, mas na escolha do sucessor de Guido Mantega.

Como poderá ser o primeiro dia do terceiro turno? Uma parte dos analistas acredita na encenação de uma peça em dois atos. O primeiro, matinal, será marcado por intenso nervosismo. O dólar, que fechou na sexta-feira cotado a R$ 2,4570, em queda de 2,26%, tende a retornar à faixa acima de R$ 2,50. O contrato de juro futuro para janeiro de 2021, que recuou de 12,14% para 11,80% no último pregão antes das eleições, deve voltar ao degrau de 12%. À tarde, os pregões devem interromper as hostilidades, mas com o dólar e o DI sustentando os patamares altos conquistados de manhã.

Alguns economistas já viram no comportamento otimista de sexta-feira o início de uma trégua. A Bolsa subiu e o dólar caiu não por causa da Veja e da pesquisa Sensus mas porque, já aceitando a vitória de Dilma, o mercado supõe que a presidente assumirá um tom conciliador. Seria inevitável uma atitude de reaproximação com os investidores diante da vantagem muito estreita de Dilma sobre Aécio. Outra ala de analistas acredita que os investidores baterão em Dilma sem dó até conseguirem um ministro da Fazenda pró-mercado. Querem testar o nível de tolerância do Banco Central. Se ele permitir que o dólar trafegue solto até os R$ 2,60, sem ampliar a venda de swaps cambial nem oferecer linhas de crédito em dólar com compromisso de compra, será um mau sinal.

Uma política de deliberada depreciação cambial, sem preocupações com as sequelas inflacionárias, é um dos pilares do desenvolvimentismo um indício de que Dilma pretende mesmo fazer um segundo mandato mais a seu gosto, do seu jeito. Se a retórica da luta de classes abominada pelo PT nos últimos 12 anos, mas usada fartamente na campanha não for somente isso mesmo, retórica fruto de uma tática eleitoral, mas um plano de governo, o mercado pode abandonar a certeza do retorno da reconciliação e se preparar para dias de turbulência.

Mesmo que haja vontade e disposição material para isso, os agressores cambiais não podem negligenciar as condicionantes internacionais. Não podem, por exemplo, se esquecer que depois de amanhã tem reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) do Federal Reserve. Se o Fomc sinalizar a intenção de deixar mais para o fim de 2015 o início do processo de alta da taxa básica de juros, o câmbio pode conviver com uma fase de ampliação da oferta de capitais globais especulativos, incompatível com uma escalada política do dólar. Na mesma quarta-feira, o Copom do Banco Central encerra sua reunião de política monetária de outubro. Não se prevê nenhuma mudança: manutenção da Selic em 11% e indicação de que a taxa não cairá até fim de 2015.

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