sexta-feira, 31 de outubro de 2014

#NãoVaiTerMoleza

Antonio Lassance  no Carta Maior




Não, não vai ter moleza. Não vai ter lua de mel. Não vai ter chance para erros. Enfim, não vai ter colher de chá para o segundo mandato de Dilma Rousseff.

Se depender da coalizão que reúne o PMDB de Eduardo Cunha e os partidos de oposição liderados pelo PSDB, não vai ter um monte de coisas mais.

Não vai ter participação popular. Não vai ter reforma política. Não vai ter, obviamente, regulação da mídia.

A derrubada, por enquanto na Câmara, mas a meio caminho de uma derrota também no Senado, do decreto que institucionaliza a política de participação popular, mostra a tentativa de impor ao país um cabresto quase parlamentarista ao novo governo.

A situação, no momento, não é nada que se compare ao parlamentarismo imposto a João Goulart em 1961, assim como as passeatas de 30 pessoas pedindo o "impeachment" de quem sequer tomou posse (quem são mesmo os desinformados?) não se comparam à Marcha da Família com Deus pela Liberdade - a marcha a ré que engatou o golpe de 1964.

Mas que há um clima estranho e intimidatório no ar, e que Cunha e Renan disso se aproveitam até o talo, não existe qualquer sombra de dúvida.

O jornal O Estado de S. Paulo, que foi quem primeiro criou celeuma contra o tal decreto presidencial, acusava o governo Dilma de tentar mudar o sistema político por decreto.

Pois a Câmara deu o primeiro passo para isso, com a decisão desta quarta-feira (30).

O tridente que junta o PMDB da Câmara, o PMDB do Senado e o Estadão, todos em uma mesma cruzada, quer proteger o Brasil de se transformar em uma Venezuela e em uma Suíça, que tem plebiscitos, referendos, ombudsman e todas essas coisas perigosas, bem mais que a Venezuela.

Decreto por decreto, regime por regime, o que o Congresso aprovou, e agora segue para o Senado, é exatamente uma proposta de decreto do legislativo que invade uma atribuição clara e cristalina do presidente da República.

O Congresso não pode impedir o Executivo de criar ou fortalecer conselhos, comitês de políticas públicas, ouvidorias e conferências. Assim como o Executivo não pode dizer, ao Congresso e ao Judiciário, como esses poderes se organizam.

Se o decreto for (ou quando for) derrubado no Senado, restarão duas alternativas.

A mais rápida e correta será entrar com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) para desfazer o pavoroso ato do Congresso.

Se o STF não derrubar o decreto legislativo, estará chancelando um ataque ao princípio constitucional da separação dos poderes.

Alguém certamente há de lembrar que o STF nunca foi uma boa barreira contra viradas de mesa, mas imaginemos que agora possa ser diferente.

A outra saída, da turma dos panos quentes, é o governo esquecer-se de seu decreto, enviar um projeto de lei e fingir que o assunto é matéria mais adequada de ser tratada pelo Congresso.

Um Congresso que em 2015 conseguirá a façanha, profetizada por Ulysses Guimarães, de ser ainda pior do que o atual.

Que não vai ter moleza todos sabem. A dúvida é se haverá mobilizações à altura para responder aos que ousam intimidar o resultado das urnas.


(*) Antonio Lassance é cientista político.




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