sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Os gaúchos e sua encruzilhada histórica


Eric Nepomuceno no Carta Maior

 

Antes de tudo, quero esclarecer que não sou gaúcho, não tenho antepassados gaúchos e jamais morei no Rio Grande do Sul. Tenho, isso sim, e com alegria e orgulho, muitos amigos e amigas que nasceram no estado. Estive no Rio Grande um sem número de vezes desde a primeira visita a Porto Alegre, num longínquo setembro de 1979, visita curta, dois dias, mas de impacto suficiente para que não apenas eu traga na lembrança cada uma daquelas horas, mas para que me interessasse, de uma vez e para sempre, com tudo que acontece no Rio Grande. Na terra de Leonel Brizola e Carlos Scliar, de Josué Guimarães e Glauco Rodrigues, de Tarso de Castro e Moacyr Scliar, para mencionar apenas amigos que cometeram a indelicadeza de partir para sempre.

Dito isso, vou ao que me traz aqui: ressaltar algo que todo gaúcho conhece e sabe – a importância do Rio Grande no cenário brasileiro. Reitero: não me unem ao Rio Grande do Sul outros laços que os de meus afetos e amizades, e nenhum outro interesse que o gerado pela importância que o estado tem para o país.

E é em reconhecimento dessa importância que me permito alguns comentários sobre o que pude observar em minhas muitas visitas ao longo dos últimos tantos anos.

Os gaúchos vivem, a exemplo do Brasil, um embate entre pelejar por um futuro digno de seu nome e um passado tão conhecido como indesejável. Vivem uma encruzilhada entre o desafio do amanhã e a anestesia da volta ao ontem.

Um dos fatos que mais me impressionaram, ao longo dos últimos três ou quatro anos, foi o intenso, impiedoso e indigno boicote sofrido pela administração do governador Tarso Genro por parte dos grandes conglomerados de interesses que controlam os meios de comunicação locais. Não que tenha sido um mal padecido exclusivamente pelo seu governo: em todo o Brasil vimos e vemos ações similares contra os governos nacionais, primeiro os de Lula, e agora, o de Dilma Rousseff.

Mas no Rio Grande, e em contraponto com as tradições democráticas dos gaúchos, o que vimos foi a ação sem limites, levada a cabo por um mais que poderoso conglomerado, que funciona como um oligopólio raivoso, capaz de qualquer iniciativa com tal de assegurar privilégios e ambições que, ao longo desses últimos tempos, foram contrariados de maneira contundente pelo governo estadual. Um governo que cometeu o imperdoável pecado de se interessar pelas gentes, pelas necessidades de todos, e não pelos negócios e necessidades exclusivas dos privilegiados de sempre.

É doloroso notar o alcance desse verdadeiro bloqueio, ver a que ponto chegaram as conseqüências do boicote e da sabotagem. Não se trata de defender o governo de Tarso Genro como modelo indiscutível, como sacrossanto dogma. Ao contrário: contra-argumentar e discordar é algo inerente à democracia, e certamente houve lacunas e falhas. Não se pode admitir, porém, a negação de qualquer possibilidade de um balanço equilibrado, minimamente objetivo, com as críticas essenciais à democracia, mas com ao menos algum resquício de honestidade na análise da realidade, algo igualmente essencial à democracia.

O que se vê é, em seu apogeu, a nefasta a arte de distorcer. O que se vê é algo inerente à falta de caráter e desrespeito à ética mais básica, mais elementar. E é assim que o eleitorado gaúcho corre o enorme, imenso risco de cometer um tremendo equívoco e só perceber quando for tarde demais. Essa a grande encruzilhada dos gaúchos: ignorar o que vem sendo conquistado.

E quais as conquistas alcançadas? Para começo de conversa, foi no atual governo que o Rio Grande finalmente cumpriu uma determinação constitucional, destinando 12% do orçamento estadual à saúde pública. Foi também no atual governo que o magistério público obteve o maior aumento salarial das últimas muitas décadas. É o suficiente? Nem de longe. Falta muito? Falta muitíssimo. Mas convém comparar com o que havia antes, no governo desse mesmo e sempre nebuloso PMDB: na atual gestão, os professores obtiveram um aumento de 76%.

Não por acaso, mas por ter o atual governo priorizado o ensino público, o Rio Grande saltou do décimo para o segundo posto no índice de desenvolvimento da educação básica no Brasil. No começo do ano passado, em uma visita a Porto Alegre, amigos – muitos deles, aliás, não eleitores do PT – admitiram que uma das inovações mais contundentes e positivas do atual governo eram as longas, minuciosas, exaustivas e agitadas reuniões de consulta pública para a aplicação do orçamento. Batizado com nome pomposo – Sistema de Participação Popular e Cidadã do Rio Grande do Sul – esse programa contrariou qualquer pompa e circunstância: tornou-se, além de realmente popular, efetivo. Tanto assim, que foi premiado duas vezes pela ONU.

Amigos também me fizeram ver que a UERGS, criada por Olívio Dutra e desmantelada pelos governos que vieram depois, ressurgiu do lodo ao qual havia sido relegada. Tornou a ser uma universidade que é a solitária alternativa de ensino superior gratuito à população do Rio Grande – e cuja qualidade vem sendo reconquistada.

Passados quatro anos da recondução do PT ao governo do estado, o Rio Grande viu sua economia – sacrificada, sufocada por dívidas colossais e pela herança de irresponsabilidades dos governos neoliberais – crescer acima da média nacional. E, ao mesmo tempo, viu o desemprego alcançar seus índices mais baixos, bem inferiores aos da média nacional.

Vendo tudo isso, não me resta o menor vestígio de dúvida: se eu fosse gaúcho, votaria em Tarso Genro. Se eu fosse gaúcho, teria bem clara a noção da importância do que acontecerá nos próximos quatro anos no Rio Grande, e do imenso, importante impacto que tudo isso terá no resto do Brasil.

O Rio Grande não é grande só no nome: é grande na história. E os gaúchos que me perdoem o atrevimento, mas é seu dever continuar merecendo essa herança.




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