Transcrito do Democracia & Política
Por JOSÉ CARLOS DE ASSIS, doutor pela UFRJ
Deboche impune do Brasil
Não me atrevo a
dizer que havia um propósito deliberado de colocar a Petrobras,
a maior empresa da América Latina, sob a ordem jurídica
norte-americana. Havia, sim, o propósito econômico de internacionalizar a
empresa. A questão jurídica seria mera consequência, aparentemente sem
maiores problemas na visão dos economistas neoliberais da época. Dado
que nos anos 90 se tinha como consumado o processo de globalização sob a
doutrina neoliberal, os ideólogos econômicos do Governo FHC/PSDB
acharam natural aproveitar a onda da internacionalização sem medir as
consequências jurídicas disso. Aliás, há muito se sabe nesse círculo que
o que é bom para os EUA é bom para o Brasil!
Agora essas
consequências estão aí. A Petrobras, uma empresa de economia mista sob
controle do Estado brasileiro, está sob investigação do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos por conta do escândalo Paulo Roberto. Se os
economistas que internacionalizaram a Petrobras acham que também isso é
irrelevante, atentem-se para o que aconteceu com o pagamento pela
Argentina dos credores de sua dívida externa renegociada. O acordo foi
questionado porque os títulos haviam sido registrados em Nova Iorque. Os
juízes norte-americanos se acham donos do mundo. Não há ordem superior à
deles. Fazem o que querem, sem medir consequências sociais e
econômicas, ou com relação à soberania.
Se o Departamento de
Justiça norte-americano identificar como irregularidades de mercado,
reais ou inventadas, certos procedimentos da diretoria da Petrobras,
poderá propor multas da ordem de bilhões de dólares, abalando a situação
econômico-financeira da empresa. Para se ter uma ideia, Citigroup e
Bank America se submeteram, cada um, a multas de 20 bilhões de dólares
por conta de fraudes no mercado de títulos imobiliários no contexto da
crise financeira. No caso da Petrobras, acionistas individuais que se
sintam lesados também terão cobertura da SEC, a agência de regulação,
para propor ações judiciais, entupindo a capacidade de resposta da
empresa que terá de manter um batalhão de advogados em Nova Iorque.
Nacionalistas,
como eu, se sentirão ultrajados. Mas o que poderemos fazer diante de
uma situação criada pelos economistas de FHC/PSDB quando tinham a
liberdade de não fazer a internacionalização da empresa? De fato, as
vantagens trazidas pela internacionalização da Petrobrás – venda na Bolsa de Nova Iorque de mais de 30% de suas ações –
eram ínfimas em relação aos riscos incorridos. Note-se que a indústria
automobilística americana [não é ingênua ou vendida, pois], tem ganhado
bilhões aqui e nunca abriu seu capital para brasileiros [na nossa Bolsa
de Valores]. Só quem acredita que a ordem jurídica do país hegemônico
deve ser a ordem universal, sem contestação, pode encarar como normais, e
suportáveis, as consequências jurídicas da internacionalização da
Petrobrás.
Se antes havia dúvida quanto aos riscos, a situação
atual, que qualquer advogado razoável poderia prever, revela friamente
que a internacionalização da Petrobras foi um crime de lesa-pátria. Não
se diga que era imprevisível. Houve muitos protestos, interpretados na
época como estatizantes e anacrônicos. O resultado agora é que a “causa” da Petrobras está
nas mãos de uma Justiça discricionária, privatista, antissetor público,
regulada pelo princípio do Direito consuetudinário, não do Direito
positivo, e que se arvora, não raro, prerrogativas de
extraterritorialidade. Uma Justiça desse tipo pode tentar quebrar a
Petrobras em nome dos interesses do acionista minoritário americano, e
da ideologia neoliberal anti-Estado.
Objetivamente, temos como
fato concreto, ainda a ser definitivamente apurado, fraudes bilionárias
articuladas por um diretor bandido em favor de si mesmo e de alguns
partidos políticos por ele mencionados, mas por enquanto sem provas.
Consideremos que todas as acusações sejam verdadeiras. A Petrobrás é
vítima, não autora do crime. Ela seria implicitamente conivente, como
foi o caso do Bank of America e do Citigroup, se decidisse acobertá-lo
com o pagamento de multa para se livrar do processo criminal. Não é o
caso da Petrobras, que não fez nenhum movimento para acobertar do crime
seu ex-diretor. Contudo, uma Justiça privatista pode torcer os fatos.
Seria melhor não estar subordinado a ela. Para isso, talvez teremos que
comprar as ações da internacionalização de volta ao custo de um valor
substancial de nossas reservas internacionais".
FONTE: escrito por JOSÉ CARLOS DE ASSIS, economista, doutor
pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB. Publicado
no "Jornal GGN"
(http://jornalggn.com.br/noticia/a-petrobras-sob-soberania-dos-estados-unidos-por-j-carlos-de-assis).
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