Há um
movimento nos últimos
anos, que não é pequeno, porém
ainda é
insuficiente, para recolocar o debate da economia política
do desenvolvimento com vistas a instruir as escolhas de política
econômica do Brasil. Isso
significa enfrentar o movimento de uma
economia de mercado que atua para constituir uma sociedade de
mercado. O ideário
neoliberal da supremacia do mercado e de prevalência
do privado sobre o público
cria um sentido no qual “passamos
de um universo em que aquilo
que realmente tem valor não
tem preço
para um outro universo, que vemos instalar-se diante dos
nossos olhos, no qual
aquilo que não
tem preço
não tem realmente valor”, como
diz o
filósofo Patrick Viveret, na obra Reconsiderar a Riqueza.
Continuidade
e mudança não são
somente enigmas enfrentados pelo historiador na tarefa de
entender a trajetória
da vida em sociedade, mas são
também
desafios daqueles que querem promover transformações
em contextos históricos concretos,
propugnando o sentido universal da
igualdade de oportunidades e de condições.
Como reflete o
historiador Geoff Eley,
em Forjando a Democracia - a história da esquerda na Europa: “a
história da esquerda sempre
foi a luta pela democracia contra
sistemas de desigualdade que limitam e distorcem, atacam e
reprimem, e, por
vezes, chegam mesmo a tentar liquidar completamente o
potencial humano”.
Refletir
sobre os desafios do desenvolvimento é colocar a questão
humana como problema político
central, considerando a diversidade de relações
sociais, a relação do homem com todas as
outras formas de vida e com o meio
ambiente/planeta, com base no melhor de sua humanidade e no pior
de sua
desumanidade.
Trata-se
de uma tarefa para sujeitos coletivos que sabem a
responsabilidade
institucional que têm
na promoção
do debate político para qualificar as
escolhas que a sociedade fará.
Promover o desenvolvimento da sociedade brasileira significa
ampliar e
aprofundar a quantidade e a qualidade das transformações
econômicas, sociais, políticas
e culturais. Requer o
protagonismo de coletivos (organizações,
movimentos sociais, instituições
públicas e privadas) a
serem politicamente construídos,
para fazer, na democracia, escolhas. Desqualificar a política
e as instituições é uma estratégia
largamente usada ao longo do
tempo, e em diferentes países,
para enfraquecer a democracia e a
centralidade da política
e controlar a participação
popular nas escolhas.
Pensar
prospectivamente o desenvolvimento exige a contínua
leitura das diferentes dimensões
da realidade em movimento,
observando as bases e fontes de transformação
capazes de ser potencializadas, os limites e obstáculos,
bem como a força contrária
que busca conservar as diversas
formas de desigualdade. Continuidade e mudança
são posições
relativas ao sentido do que se
busca como desenvolvimento: igualdade, liberdade e justiça.
Por isso, observe-se, por exemplo, que os neoliberais também
buscam a transformação e
conservação
do que denominam desenvolvimento, no qual a
igualdade de oportunidades (não
de condições!),
a liberdade (mediada pelo mercado!), a
justiça (entre desiguais!)
constituem um sentido diferente.
A
política é justamente a arte de
colocar em debate os sentidos e os
significados da transformação e
da continuidade de projetos,
caminhos e perspectivas que conformam a concepção
de desenvolvimento em disputa. Compreendendo as diferenças,
qualificam-se os cidadãos
para o voto ou as organizações
e movimentos socais para construírem
e celebrarem acordos sociais,
setoriais ou gerais.
Enfrentar
o debate sobre desenvolvimento é dar perspectiva ao
sentido (utopia), alargando o presente
porque se antecipa o futuro; formulando o conteúdo
do projeto; indicando a direção
do caminho; desenhando e construindo
trajetórias de transformação
que realizem o objetivo declarado de
construir livremente regras justas, que promovam a igualdade de
oportunidade e
condição para todos. Isso é possível?
[1] Sociólogo,
diretor técnico
do DIEESE, membro do CDES – Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social.
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