domingo, 16 de novembro de 2014

México mergulha no abismo institucional

Transcrito do Blog do Miro

Por Laura Carlsen, no site Outras Palavras:
Após uma semana no exterior, o presidente do México, Enrique Peña Nieto, voltou para casa no início de novembro para enfrentar a pior crise política de seu governo. Protestos violentos surgiram depois que uma guarnição local de polícia sumiu com 43 alunos de Ayotzinapa, uma faculdade de ensino rural no estado de Guerrero. Como as investigações continuam, a crise evidenciou a violência e corrupção que dominam grandes partes do país.

Liderada por jovens, as manifestações, que se espalham por todo o território, culpam o governo por este ataque e outros semelhantes. No campus Ayotzinapa, onde os pais esperam por notícias de seus filhos, um deles me disse: “O governo sabe onde eles estão” em uma voz carregada de cansaço e tristeza.

Na noite de 26 de setembro carros de patrulha da polícia, na cidade de Iguala, bloquearam os ônibus de seu filho e os outros alunos que estavam viajando, e abriu fogo contra os passageiros. Durante a noite, outros alunos de Ayotzinapa chegaram para resgatar seus companheiros. Membros do sindicato dos professores públicos acudiram para ajudar. O tiroteio continuou. Em uma bizarra série de eventos, um comando armado atacou os estudantes nas horas seguintes.

Perto dali, um terceiro ataque a um time de futebol local, possivelmente confundido com estudantes Ayotzinapa – deixou outro jovem e outros dois mortos. Fitas de vídeo que estão nas mãos do procurador do estado de Guerrero supostamente mostram que a polícia local também participou deste ataque. A Polícia Federal chegou ao local, pelo menos, duas horas mais tarde e se recusou a atender os feridos.

De todo modo, os agentes que aplicam a lei limitaram suas atividades apenas em disparar contra os alunos, desaparecendo com 43 deles. Nenhum agente da lei — de qualquer esfera de governo — protegeu os jovens dos ataques, apesar dos investimentos maciços em segurança feitos nas últimas décadas, na “guerra contra as drogas”. Sobreviventes relatam que levaram um ferido para uma base militar próxima, onde o pessoal do exército recusou-se a ajudá-los. Nenhum soldado adiantou-se para tentar impedir o massacre da juventude.

O Centro de Direitos Humanos de Guerrero emitiu um alerta urgente em 29 de setembro afirmando: “Estes eventos demonstram um uso excessivo da força e uma intenção deliberada, da Polícia Militar, de executar extrajudicialmente alunos, como também certa omissão por parte das autoridades estaduais e federais por não implementar medidas de segurança adequadas, que teriam impedido uma segunda agressão e o desaparecimento de 55 estudantes locais”. (atualmente, 43 continuam desaparecidos, enquanto 12 foram localizados com vida).
Por que ocorreu o assassinato em massa?

É praticamente impossível juntar as peças de forma lógica para chegar a alguma conclusão sobre quem ordenou os ataques e por que. Os executores, em especial, devem ter agido irracionalmente.

Sabemos que a emboscada foi planejada de antemão e que os alvos era os estudantes de Ayotzinapa. Além disso, há um debate acalorado sobre se o crime organizado comandou a polícia local, sob seu poder, no ataque aos alunos, ou se o governo usou as suas relações com o crime organizado para aterrorizar e assassinar os alunos.

Para tornar as coisas mais complexas, por trás do debate há um consenso, segundo o qual a linha entre o crime organizado e o governo, na cidade, foi há muito tempo apagada pelo conluio entre as duas partes. O procurador-geral anunciou recentemente que as investigações mostraram que o prefeito de Iguala ordenou os ataques aos estudantes. Ele é acusado de ter laços estreitos com o cartel regional do crime organizado Guerreros Unidos — que supostamente era comandada pelos irmãos de sua esposa, até que dois deles foram assassinados e o terceiro foragiu-se.

O governo também é culpado por ter falhado totalmente na manutenção da paz em Guerrero, um estado que combina os piores aspectos do abuso de governo e da violência criminal. A área externa de Iguala é uma das regiões de produção de drogas mais importantes do país. Além disso, a corrupção política do Estado garante a proteção e impunidade. Sua história de oposição, inclusive por grupos armados, faz com que seja também um centro nodal para a repressão.

Os governos locais, estaduais e federais têm sido hostis à escola rural há anos. Fundada no período pós-revolucionário, para filhos de famílias camponesas, a escola tem defendido firmemente valores revolucionários, enquanto uma série de governos se esforça para privatizar, globalizar e atomizar a sociedade mexicana. Os estudantes protestaram contra as reformas educacionais recentes, baseadas em programas norte-americanos. Quando eles foram atacados, estavam levantando fundos para participar de uma marcha para comemorar o 2 de outubro de 1968, data de um massacre de estudantes em Tlatelolco, Cidade do México.

Jovens de famílias rurais pobres com ideais revolucionários e uma propensão para a ação direta são os inimigos naturais dos políticos que tem construído novos tipos de laços para os negócios – especialmente os laços que incluem o comércio ilegal de drogas.

Há também precedentes para esses eventos. Em 12 de dezembro de 2011, as polícias estadual e federal mataram os estudantes de Ayotzinapa, Gabriel Echeverría de Jesús e Jorge Alexis Herrera Pino em um bloqueio. Ninguém foi responsabilizado.

O grupo criminoso Guerreros Unidos, um setor ultraviolento do cartel Beltran Leyva, tinha um motivo menos óbvio para raptar os alunos, mas maior capacidade para realizar o crime. A história dos Guerreros Unidos revela a insanidade da guerra contra as drogas. Como as forças de segurança apoiadas pelos EUA prenderam ou assassinaram sucessivamente líderes do cartel para fazer cumprir a proibição dos EUA, os grupos dissidentes foram desonestos e usaram o controle territorial como carta branca para qualquer atividade criminosa que os beneficiasse. Envolvido em uma guerra de territórios com Los Rojos, em Chilpancingo, o Guerreros Unidos poderiam ter ordenado o bloqueio por uma série de razões, sem necessariamente pensar nas consequências, que agora incluem 50 membros de seu cartel presos nas últimas três semanas.

Mas os estudantes estão convencidos de que o grupo criminoso não está por trás dos assassinatos. Um estudante que prefere não se identificar, devido ao clima de perseguição que existe, declarou: “Foi o governo, porque eles são os únicos porcos que se atreveriam a matar inocentes assim. Criminosos matam uns aos outros. O governo não: ataca as pessoas diretamente”.

Independentemente da interação real entre o Estado e as organizações criminosas, isso é típico da reação dos jovens no México. O massacre e os desaparecimentos em Ayotzinapa ocorreram apenas alguns meses depois que o Exército matou 22 jovens em Tlatlaya em circunstâncias que sugerem execuções extrajudiciais. Tanto nas marchas e nas redes sociais, os jovens expressam uma sensação de estar sob ataque.

Choque de imagens

Em Iguala, a realidade mostrou sua face horrível, no exato momento em que a imprensa internacional tropeçava em elogios dirigidos ao presidente “bem preparado”. O governo de Peña gastou milhões de dólares para melhorar sua imagem, contratando empresas norte-americanas de lobby Chlopak, Leonard, Schechter & Associates e APCO — além das relações públicas. Parte desse esforço foi um movimento calculado para minimizar a violência e a guerra contra as drogas do antecessor de Peña — o que se tornara um passivo político. O governo dos EUA tem incentivado uma nova ênfase aparente sobre as reformas econômicas e culturais — ao mesmo tempo em que direciona a maior parte da sua “ajuda” para a guerra contra as drogas.

Mas apesar de suas declarações atrasadas, prometendo investigar e punir os autores do ataque em Ayotzinapa, Peña Nieto tem um dilema em suas mãos. Uma investigação e punição completas atingiriam, sem dúvida, membros de seu próprio gabinete – especialmente o procurador-geral Jesus Murillo Karam e Secretário do Interior, Miguel Angel Osorio Chong. O gabinete do procurador-geral permitiu que o prefeito de Iguala, José Luis Abarcato, escapasse, e agora admite que houve erros em desenterrar 28 corpos de uma vala clandestina, que informantes dizem que são dos alunos. Murillo Karam informou que os testes de DNA mostraram que os corpos não são dos jovens desaparecidos, embora os testes continuem.

O governo federal também não respondeu aos muitos sinais de alerta em relação à corrupção e atos ilegais em Iguala e região. Demasiado tarde, policiais federais foram enviados para assumir o controle de 13 municípios suspeitos de vínculos com o crime organizado. As forças de segurança subordinadas ao Secretário do Interior falharam – propositadamente, segundo todas as aparências – em proteger os alunos.

Os pais dos alunos desaparecidos e muitos outros acusam o governo de estar mais preocupado com sua imagem do que em encontrar as crianças. Dizem que o governo não realiza uma busca séria — em vez disso está tentando abafar o caso, na esperança de que o escândalo e as esperanças de encontrar os jovens – se esvaia.

A resposta dos estudantes

Mas varrer o escândalo para debaixo do tapete do esquecimento e dos limites de uma mídia controlada não é uma opção, neste caso. Desta vez, centenas de milhares de jovens em todo o país não aceitarão, como resposta, embromações.

Desde 22 de outubro, os jovens mexicanos e manifestantes em todo o mundo exigem, em mobilizações coordenadas e crescentes, que os alunos sejam trazidos de volta vivos. Nada é tão importante quanto esta demanda. É essencial para as famílias, para a reputação do país e para restaurar um pouco de fé no governo. Se os alunos foram assassinados, suas famílias também têm o direito de saber o mais cedo possível.

Depois disso, enormes desafios permanecerão. O governo mexicano deve começar a cumprir a lei, mesmo contra os que têm dinheiro e poder. E o governo dos Estados Unidos deve finalmente encarar a sua responsabilidade de suspender a ajuda da “segurança” da Iniciativa Mérida para as forças mexicanas que assassinam sua própria juventude.
* Tradução João Victor Moré Ramos.

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