sábado, 13 de dezembro de 2014

A consolidação da UNASUL, a morte do “ibero-americanismo”

Mauro Santayama, em seu blog. 

 

A consolidação da UNASUL, a morte do “ibero-americanismo”, e o velho acordo dos porcos com as galinhas para vender ovos com bacon.


Incendiado pelos protestos contra o desaparecimento, tortura e assassinato de 43 estudantes de esquerda por um prefeito direitista e corrupto do estado de Guerrero, aliado a narcotraficantes, o México encerrou, esta semana, na cidade portuária de Veracruz, a XXIV Cúpula Ibero-americana, que foi, como as edições anteriores desse evento criado por mexicanos e espanhóis na década de 90, para tentar ampliar sua influência na América Latina, um rotundo fracasso, marcado pela ausência de numerosos chefes de estado, entre eles os da Argentina, Brasil, Bolívia, Cuba, Nicarágua e Venezuela, por parte da América do Sul.

Conquistado e colonizado pelos espanhóis, o país dos Aztecas foi o primeiro da América Latina a sofrer a influência direta da ascensão anglo-saxã no Novo Mundo, depois da chegada dos ingleses ao norte de suas fronteiras, e pagou caro por isso, perdendo a metade do seu território para os EUA, e assumindo o triste destino de servir de barreira para a expansão dos gringos rumo ao sul, em um contexto que encontrou sua melhor tradução na famosa frase que uns atribuem ao revolucionário Lázaro Cárdenas, e outros, ao ditador, também mexicano, Porfírio Diaz: 

“Pobre México. Tão longe de Deus, e tão perto dos Estados Unidos."

Essa constatação se traduziu, ao longo do tempo, para a população mexicana, em uma contradição permanente. 

Por um lado, um povo valoroso e sofrido, e em sua maioria, miserável. Por outro, uma elite rica e irresponsável que sempre explorou o país de forma cruel e desumana, em subalterno conluio e a serviço dos interesses do poderoso vizinho do Norte.

Há hoje dois tipos de mexicanos: 

Aqueles que suam, trabalhando horas a fio em pé, no campo e nas linhas de montagem das “maquiadoras” que retocam produtos vindos de fora com destino aos EUA, e que muitas vezes se insurgem contra a injustiça e a entrega do país, e os que oxigenam o cabelo e compram lentes de contato para clarear-lhes a íris, com a “naturalidade” dos “bonecos” e das “bonecas” que se veem nas novelas mexicanas. 

Enquanto os primeiros são assassinados, como o foram os 43 estudantes de Iguala, os segundos gostariam que o México fosse absorvido de uma vez por todas pelos EUA, para que pudessem viajar entre Cancún e Miami sem precisar apresentar passaporte, desde que permanecessem de pé, ao longo dos 3.000 quilômetros de fronteira entre os dois países, os muros e as cercas que evitam a entrada de emigrantes pobres em território norte-americano. Os mesmos muros e cercas que separam, metaforicamente, mansões de 6 milhões de dólares, como a que foi comprada pela primeira-dama mexicana, Angelica Rivera, e os barracões de madeira e papelão em que vivem jovens operárias como as que são estupradas, assassinadas e “desovadas”, nos subúrbios de cidades como Juarez. 

E há, também, dois tipos de México.

A nação rebelde da Revolução de 1910, que se recusou a romper relações com Cuba na Guerra Fria, e acolheu, nas décadas de 1960 e 1970, exilados de países sul-americanos; e o México abjeto e neoliberal do NAFTA, da Aliança do Pacífico e da cúpula “ibero-americana” desta semana. 

A defesa do NAFTA, das vantagens do “livre comércio” e do “ibero-americanismo”, são caminhos complementares que obedecem, para a “elite” mexicana, aos seguintes objetivos:

- Romper o isolamento – principalmente com relação à América do Sul – a que o México se condenou, ao agregar-se, política e economicamente, à América do Norte, em 1994.

- Diminuir a crescente perda de influência do México no mundo, consolidando, com relação à América Latina, uma aliança com a Espanha, país que está sofrendo processo equivalente e tão acelerado quanto, de insignificância geopolítica e institucional. 

- Nesse contexto, não apenas em proveito “próprio”, mas também dos EUA e de Madrid, combater, no âmbito político e no ideológico, a crescente influência do Brasil na América do Sul e na América Latina.

- Tentar romper, ao menos marginalmente, a excessiva dependência dos Estados Unidos, atraindo outros países da região para tratados de “livre-comércio” para aumentar as exportações dos produtos que “maquia”, contribuindo para ajudar a destruir, nesse processo, a indústria de nações concorrentes, como é o caso do Brasil, que possuem, industrialmente, uma taxa de conteúdo local muito mais elevada.

DE PORCOS E DE GALINHAS. 

A “elite” neoliberal mexicana, e sobretudo, a “latina”, como se denominam os chicanos e outros imigrantes latino-americanos menos “votados”, que resolveram abdicar de sua nacionalidade para fixar-se nos Estados Unidos, acredita que, por uma questão demográfica, a população “hispânica” acabará, mais cedo ou mais tarde, talvez em 5 ou 6 décadas, tomando o poder nos EUA e promovendo uma espécie de “vitória” mexicana ao contrário, com uma conquista dos EUA de “dentro” para fora, assim como a ocupação militar de metade do México pelas tropas dos Estados Unidos se deu de “fora” para dentro, na guerra entre os dois países, travada entre 1846 e 1848.

Pode até ser – se a crescente imigração chinesa para a América do Norte o permitir – que isso venha a acontecer um dia. 

A questão é que, como costuma ocorrer com os novos ricos, ou melhor, com os metidos a besta, os descendentes de mexicanos que se inseriram no establishment dos EUA, nutrem profundo desprezo pelos que tentam seguir seus passos, assim como o faz a corja neoliberal “hispânica” que, de suas redações em Wall Street e Miami ou dos estúdios da CNN em Atlanta, insiste em nos impingir “lições” econômicas e políticas, que, como podemos ver pelos resultados colhidos pelo México nos últimos anos, são tão hipócritas como “furadas”. 

Foi essa “elite”, apátrida e irresponsável, que praticamente impôs, com a mesma conversa fiada, à população mexicana, a assinatura de um acordo, nos anos 90, que equivaleria, para o México, a fechar com os EUA e o Canadá um tratado que lembra a famosa joint-venture estabelecida pelos porcos com as galinhas para vender ovos com bacon.

No momento em que muitos advogam que o Brasil siga o mesmo caminho, negociando entendimentos semelhantes com os EUA e a União Europeia, vale a pena analisar o que ocorreu com os mexicanos, nos últimos 20 anos, desde a sua entrada no NAFTA – o Tratado de Livre Comércio da América do Norte:

CENTENAS DE BILHÕES DE DÓLARES DE DEFICIT COMERCIAL E DE CONTA-CORRENTE.

Apesar de gabar-se – graças aos seus baixíssimos salários e à sua localização ao lado do maior mercado do mundo - de exportar mais que o Brasil e que os outros países da América Latina, com a entrada no NAFTA, o México fez, quanto ao comércio exterior, um péssimo negócio.

Nos últimos 20 anos, as exportações mexicanas aumentaram, mas as importações também o fizeram em um ritmo muito maior, devido à compra de peças e componentes de alto valor agregado de países como a China, Taiwan e a Coréia do Sul. Em 2011, o México importou mais de 350 bilhões de dólares, e em 2013, seu déficit com Pequim foi de mais de U$ 50 bilhões de dólares. Nos primeiros dez anos do NAFTA, o México teve quase 50 bilhões de dólares de déficit comercial e um gigantesco déficit em conta corrente (para o tamanho de sua economia) de quase 130 bilhões de dólares. Uma situação que seria ainda pior, muito pior, se não tivesse exportado cerca de 1.300.000 barris por dia de petróleo para os EUA, no período, vendas que aumentaram apenas em 7.3% desde 1994, e cujo valor tende a cair com a queda do preço do óleo nos mercados internacionais. 

O Investimento Estrangeiro Direto também não aumentou significativamente. Teve uma média de 15 bilhões de dólares por ano, depois da assinatura do tratado, enquanto no Brasil, nos últimos anos, incluindo 2014, ele foi mais de 4 vezes maior, da ordem de 65 bilhões de dólares.

OS SALÁRIOS MAIS BAIXOS DO CONTINENTE. 

Os salários mexicanos são os mais baixos da América Latina. O seu valor, em dólar, evoluiu apenas 2,7% nos últimos 20 anos. Apesar do aumento das exportações de “manufaturados” de terceiros países “maquiados” localmente, um trabalhador da indústria automobilística mexicana ganha, em dólares, cerca de um terço do que recebe um trabalhador brasileiro, e o salário mínimo em 2014, foi de menos de 11 reais por dia. A imprensa mexicana saúda os baixos salários locais como fator de “competitividade” frente à evolução dos salários em outros países, cuja economia cresce para melhorar as condições de vida da população e fomentar o mercado interno, como a China, mas não diz que mais de 7 em cada 10 automóveis fabricados no México tem que ser exportados, porque os cidadãos mexicanos que os fabricam não possuem renda ou fontes de financiamento para comprá-los.

AS PIORES CONDIÇÕES DE TRABALHO DA AMÉRICA LATINA.

Vinte anos depois da entrada para o NAFTA, seguida da assinatura “do maior número de tratados de livre comércio” da América Latina, 6 de cada 10 trabalhadores mexicanos não têm carteira assinada, o desemprego formal praticamente dobrou com relação a 1994, não existe seguro-desemprego, nem aposentadoria pública como direito assegurado, por exemplo, a agricultores e donas de casa. A taxa de pobreza da população mexicana, que era de 52,4% em 1994, evoluiu em apenas 0,1%, para 52,3%, em 2014, contra uma diminuição, no mesmo período, de mais de 40% na América Latina. Hoje há, no México, para pouco mais de 100 milhões de habitantes, 70 milhões de pobres. 

UMA DAS MENORES TAXAS DE CRESCIMENTO ECONÔMICO DA AMÉRICA LATINA.

Nos últimos 20 anos, o México ficou em antepenúltimo lugar em crescimento econômico per capita entre os países da América Latina. A renda per capita em dólares do país símbolo da Aliança do Pacífico, cresceu, nesse período, apenas 18,6%, metade do que cresceu a do Brasil, e a metade da média latino-americana. 

Para se ter uma ideia dos resultados da “receita” da tortilla neoliberal mexicana dos últimos 12 anos, o PIB nominal do México cresceu apenas 85%, em dólares, nos últimos 12 anos, menos de um quinto do que cresceu o PIB do Brasil no mesmo período, que aumentou mais de 400%, passando de 600 bilhões de dólares em 2002 para 2.4 trilhões de dólares em 2014. 

DESAGREGAÇÃO E DESNACIONALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS.

O “livre-comércio” e o NAFTA representaram, nos últimos 20 anos, um verdadeiro desastre para a agricultura mexicana. Em 2012, estudos da UNAM, a maior universidade do México, mostravam que naquele ano 72% dos agricultores estavam em quebra; mais de 29 milhões de camponeses não tinham acesso sequer a uma cesta básica, e só 3.9 milhões podiam adquirir algum produto que a compõe. Entre 2006 e 2011, houve perda de 44% no poder aquisitivo da população rural, o rebanho de matrizes bovinas mexicano é, hoje, 30% menor do que era há 20 anos, e 322 mil fazendas dedicadas à pecuária desapareceram. Com a agricultura e a produção avícola e de ovos, também não foi diferente. A importação de carne de frango, peru e de ovos, cresceu duas vezes mais rápido que a produção interna no período. A produção de milho e de feijão, elementos básicos da cesta básica mexicana, não consegue abastecer o mercado interno, e a importação de grãos provenientes dos Estados Unidos se multiplicou por 15 em duas décadas. Para registro, cada agricultor norte-americano recebe, em média, em ajuda direta e indireta, do governo, cerca de 26.000 dólares por ano. E um agricultor mexicano que esteja produzindo, uma média de 700 dólares. 

A falta de apoio do governo à agricultura, à pecuária, aos pequenos agricultores familiares, fez com que 2 milhões de camponeses abandonassem suas terras, aumentando o êxodo rural, também para os EUA (o número de emigrantes aumentou em 80% nos primeiros seis anos do acordo, cerca de 10 milhões de mexicanos deixaram o seu país nos últimos 20 anos e apesar da repressão na fronteira, 12% da população nascida no México vive hoje, ilegalmente, em sua maioria, nos Estados Unidos) e fez crescer a produção de drogas no campo. 

Dois dos quatro membros da Aliança do Pacífico são o primeiro e o segundo maiores produtores de cocaína do mundo, e, em outro deles, justamente o México, a produção e venda desse tipo de substâncias cresceu a ponto de vastas áreas do território mexicano estarem, como demonstra também o caso dos mortos de Iguala, sob o controle de narcotraficantes. 

DESTRUIÇÃO DO SISTEMA PRODUTIVO E FINANCEIRO MEXICANO

Como consequência da assinatura do NAFTA, obrigando-se a “competir” com um país com uma economia 15 vezes maior que a mexicana, os EUA, e outro com o dobro da economia mexicana, o Canadá, milhões de micro e pequenas empresas quebraram, o varejo foi dominado por grandes cadeias norte-americanas, como a Wal Mart, e os bancos locais desapareceram. Hoje, enquanto os bancos privados e públicos de capital brasileiro, como o Banco do Brasil, o Itaú, o Bradesco e a Caixa Econômica Federal ocupam os 4 primeiros lugares do ranking latino-americano, e o BNDES está entre os maiores bancos de fomento do mundo, o México não possui mais bancos de capital nacional (eles foram vendidos a grupos espanhóis e norte-americanos, como o Santander, o BBVA e o Citibank) e muito menos um grande banco de fomento que possa apoiá-lo no financiamento de projetos de infraestrutura, indústria e desenvolvimento. 

A ELIMINAÇÃO DO CONTEÚDO LOCAL NA PRODUÇÃO INDUSTRIAL E NAS EXPORTAÇÕES. 

A imensa maioria dos componentes que compõem as exportações mexicanas é importada. Na média anual, até 2011, as “maquiadoras” mexicanas compravam, no mercado mexicano, apenas 2.97% dos insumos usados em seus produtos, trazendo de outros países, 97%. Essa foi uma das razões que levaram o Brasil a colocar cotas à entrada de carros mexicanos, já que, na verdade, o que eles têm de “mexicanos” são, na maioria das vezes, alguns parafusos e a mão de obra. Entre 1983 e 1996 o conteúdo local da indústria não maquiadora, dedicada a abastecer o mercado interno, caiu de 91 para 37%, e esse processo, que se acelerou com o tempo, causou profunda desagregação da indústria local, quebrando milhares de empresas e desempregando milhões de trabalhadores, que para sobreviver tiveram de emigrar para outros países. Em 2013, por exemplo, o México liderou a “exportação” mundial de televisores de tela plana, no valor de mais de 15 bilhões de dólares, mas 94% dos componentes utilizados para montá-los foi importado de outros países. 

Em aberto contraste com o fracasso da cúpula “ibero-americana” de Veracruz, a UNASUL inaugurou, na semana anterior, com a presença de 11 dos 12 chefes de estado sul-americanos (o Presidente da Guiana não pode comparecer por questões de política interna) em Quito, no Equador, a sede da Secretaria Geral da organização, um majestoso edifício que custou quase 50 milhões de dólares, integralmente aportados pelo governo equatoriano. 

Nos anos 1970, como lembrou, a propósito deste mesmo tema, o antropólogo chileno Gonzalo García, no Portal El Dínamo, o economista brasileiro Celso Furtado já lembrava que, na definição das estratégias nacionais dos países do (então) Terceiro Mundo os acordos regionais iriam adquirir cada vez mais peso. Mas que essas agrupações seriam, essencialmente, um meio instrumentalizado de ampliação das opções dos centros de decisão, com relação (vis a vis) aos centros de influência mundial, e que as agrupações ou alianças regionais que favorecessem a dominação dos países mais ricos atuariam contra o desenvolvimento de seus próprios países.

O NAFTA, a Aliança do Pacífico, e o “ibero-americanismo” são, assim como o Acordo Transpacífico, alianças que favorecem a dominação de centros de decisão de fora, sobre a América Latina. O Mercosul, e, principalmente, a UNASUL, e, em menor grau, a CELAC, atuam em sentido contrário, o de fortalecer os interesses de nossas nações e da nossa região, com relação a outras nações e regiões do mundo.

Como Agátocles ao desembarcar nas praias de Cartago, o México queimou, historicamente, seus navios, ao aceitar entrar para o NAFTA, acreditando que a isso estava obrigado pelas circunstâncias geográficas e econômicas que acabaram transformando-o, de fato, em um apêndice da economia norte-americana. 

Outro é o caso do Brasil e do restante da América do Sul. 

Felizmente, não nascemos "colados" aos EUA, não temos – pelo menos os que temos decência e patriotismo – intenção de nos transformar em norte-americanos, nossa pauta de comércio exterior é diversificada a ponto de nosso maior sócio comercial estar situado do outro lado do mundo, e, como mostra a inauguração da nova sede da Secretaria Geral da União das Nações da América do Sul (foto), estamos cada vez mais unidos na defesa dos interesses do nosso continente e da melhora das condições de vida da nossa gente.



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