Não é de hoje que artistas mostram suas
preferências políticas e, a partir de sua condição pública, dizem coisas
mais sérias e ajudam, bem como podem escorregar e não passarem de
ventríloquos do senso comum. Parece ser este o caso de Ary Fontoura que
pediu, em postagem nas redes sociais, a renúncia de Dilma Roussef.
Apesar de deixar claro a que tipo de renúncia se referia, o que faz no
final do texto, o ator global desfia uma série de jargões que não fariam
feio na boca do mais despolitizado dos brasileiros em conversa de
botequim.
Como explicar, então, que uma pessoa com
longa vida profissional e a vivência do teatro, local de excelência
para o exercício da cultura, faça o papel de reprodutor inocente de
frases comuns? Vejamos algumas delas.
(…) renuncie à falta de vergonha e aos salários elevados de
muitos parlamentares (…) renuncie ao apadrinhamento político, aos
parasitas, ao nepotismo; renuncie aos juros altos, aos impostos
elevados, à volta da CPMF; renuncie à falta de planejamento, à economia
estagnada; renuncie ao assistencialismo social eleitoreiro; renuncie à
falta de saúde pública, de educação, de segurança (Unidade de Polícia
Pacificadora não é orgulho para ninguém); renuncie ao desemprego;
renuncie à miséria, à pobreza e à fome; renuncie aos companheiros
políticos do passado, a velha forma de governar e, se necessário,
renuncie ao PT”.
Ao juntar alhos com bugalhos, em nome de
uma suposta indignação que teria atingido “200 milhões de brasileiros”
pelo quais diz falar, Ary Fontoura perde a grande chance de colocar os
pingos nos “is”. O pedido de “renúncia” à falta de vergonha e aos
salários elevados de parlamentares, bem como aos parasitas, ao nepotismo
e à velha forma de governar, caberiam bem numa ampla e profunda reforma
política, expressão que não sai da boca do ator em nenhum momento. Esse
tipo de reclamação óbvia continua quando pede a “renúncia” aos juros
altos, aos impostos elevados, à volta da CPMF, combinando com a
“renúncia” à falta de planejamento, à economia estagnada. Mais uma vez,
nenhuma palavra, sequer um miado, sobre a estrutura econômica vigente no
Brasil há décadas, há séculos, e que para ser enfrentada exige
exatamente um tipo de governo que ele não quer, embora nos anos de
chumbo tenha flertado com a rebeldia de esquerda.
Merecem destaques as “renúncias” ao
assistencialismo social eleitoreiro (bolsa-família, é claro), ao
desemprego (onde ele vê isso, não sei), à miséria, à pobreza e à fome.
Certamente seu olhar não passa do morro do Corcovado ou da ilha da
fantasia Projac, onde aluga, como qualquer trabalhador, sua mais-valia
às Organizações Globo, o maior conglomerado de comunicação brasileiro e
que amealhou bilhões em verbas federais de publicidade entre 2000 e
2013. Cabe aqui, literalmente, a frase que se tornou popular nos
discursos do ex-presidente Lula: nunca antes na história desse país se
combateu tanto a miséria, a fome, a pobreza e o desemprego. Mas, isso
não consta na indignação seletiva de Fontoura.
O “grand finale” vem do seu pedido à
Dilma para que renuncie “aos companheiros políticos do passado, a velha
forma de governar e, se necessário, renuncie ao PT” e “se permita que a
sua história futura seja coerente com o seu passado”. Muito
interessante. Dê banho na criança, jogue ela fora junto com a água suja e
você terá um ser limpinho e cheiroso. Ou seja, passe uma esponja em
tudo o que você acreditou e acredita que esta é a melhor forma de
construir o futuro. Claro que ele se refere ao futuro na narrativa da
mídia conservadora, da oposição golpista e dos interesses internacionais
que não suportam uma soberania brasileira ativa e altiva.
O governo do PT é o pior governo que já
passou pelo Brasil. Resta saber para quem. Essa é a pergunta que deixo
para Ary Fontoura que, se preferir, pode até interpretar no palco a sua
resposta. A liberdade de expressão está garantida na Constituição. Falta
agora assegurar a pluralidade de informação. Uma carta com esse pedido
especial o ator global poderia enviar para a família Marinho.
Foto: Reprodução Facebook Ary Fontoura
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