sábado, 20 de dezembro de 2014

Entrevista de Vladimir Pútin

Por Maksim Kórchunov, na "Gazeta Russa" no site Democracia & Política

Na quinta-feira (18), o presidente russo Vladímir Pútin realizou a já tradicional coletiva de imprensa de final de ano. Como era previsto, os problemas econômicos do país e as diferenças políticas na comunidade internacional pautaram o evento em Moscou.





Economia e o rublo

“É evidente que a situação atual está sendo provocada, acima de tudo, por fatores externos. Mas assumimos que não fizemos muito daquilo que planejávamos.

Antes de mais nada, sofremos com a queda do preço do petróleo e, por trás disso, vem a alteração do preço do gás. Existem pretensões quanto à atuação do governo e do banco central, mas, no geral, tudo está acontecendo de forma adequada. Espero que a taxa de câmbio das moedas estrangeiras continue caindo. É possível que isso aconteça. Assim como também é possível que os preços do petróleo continuem caindo.

A nossa economia sairá da situação em que se encontra. Quanto tempo necessitaremos para isso? Em caso de um cenário mais desfavorável, dois anos.

O Banco Central não pretende queimar cegamente suas reservas. As reservas totais da Rússia chegam a 8,3 trilhões de rublos [US$ 141 bilhões]".

Em discurso, Pútin diz que opositores querem ‘desintegrar’ país

"Na Rússia, criar negócios absolutamente independentes do setor energético é difícil, pois, por enquanto, essa área é bastante lucrativa. (...) Vai ser mais difícil cumprir as obrigações sociais do Estado. Mas conseguiremos cumpri-las? Sim, conseguiremos.”

Política internacional

“Por acaso, não nos disseram depois da queda do Muro de Berlim que não haveria qualquer expansão da OTAN para o Leste? Mas essa expansão começou quase que imediatamente... Isso não é um muro? Ninguém parou, e esse é o problema das relações internacionais - os nossos parceiros ocidentais decidiram que eles são um império, e que todos os outros são vassalos que devem ser totalmente espremidos. A nossa posição firme em relação a situações conhecidas, incluindo ao que se passa na Ucrânia, deve mostrar aos parceiros ocidentais que não é preciso construir muros.

A posição firme da Rússia em relação às situações de crise deve passar claramente a mensagem de que temos que construir um espaço de segurança comum.

O que quer que façamos, sempre se opõem a nós, estão sempre lutando contra nós. Lembram-se de como nos preparamos para as Olimpíadas [de Moscou, em 1980]? No entanto, foram feitas tentativas sem precedentes para desacreditar tanto as Olimpíadas em si, como a sua preparação. [O Ocidente] sempre tentará colocar correntes no nosso ‘Misha’ [ursinho mascote da Olimpíadas de 1980, visto como símbolo da Rússia], arrancar-lhe os dentes e garras, mesmo que ele deixe de perseguir leitões e porquinhos no bosque e vire vegetariano, passando a se alimentar de bagas silvestres e mel. Já há quem diga que não é justo a Sibéria inteira pertencer à Rússia. Transformam o nosso urso em espantalho. Nós queremos nos preservar e lutar para sermos mais independentes ou para ver a nossa pele pendurada em uma parede?

Os EUA estão se voltando para o Oriente, porque ali surgem novas oportunidades. A demanda energética por parte dos países asiáticos é crescente. E por que deveríamos desistir de tal guinada [ao Oriente], sendo que a concebemos há muito tempo? O contrato com a China não é lucrativo, concordamos em fazer descontos. Mas ele nos permitirá ligar os sistemas de gasoduto ocidental e oriental e, dependendo da conjuntura, poderemos liberar gás de um local para outro. Estamos falando de uma construção imensa, da entrada de impostos, da revitalização da economia. Quanto à Turquia, conhecemos as suas necessidades. A possibilidade de criar um gasoduto rumo à Turquia e Grécia irá depender dos nossos parceiros europeus. Querem ter acesso constante a gás? – Então haverá gasoduto. Não querem? – Então não haverá. Mas não há variante que permita conseguir fornecimento mais barato e mais confiáveis da Rússia.”

Crise na Ucrânia

“Na Rússia, o presidente é o responsável por tudo. Quanto aos militares, o responsável pelo destino deles é o seu comandante supremo, que é a mesma pessoa. Todos aqueles que por iniciativa própria participam das hostilidades, incluindo na Ucrânia, não o fazem por dinheiro. Nós interpretamos a atuação da liderança de Kiev como uma operação punitiva. Não foram as milícias que atacaram Kiev. Após o golpe de Estado armado, em vez de diálogo político com os dissidentes, Kiev recorreu à polícia, ao Exército, ao bloqueio econômico. Nós acreditamos que isso não tem qualquer futuro e que é prejudicial. Estamos dispostos a atuar como intermediários para ajudar a chegar a um diálogo político, até mesmo a restauração de um único espaço político.


Acredito que temos que trocar todos por todos [troca de prisioneiros entre o Donbass e Kiev]. Mas a vida é mais complicada. Se a Ucrânia quer restaurar a paz e a integridade territorial, deverá então respeitar as pessoas que vivem em determinadas regiões do país, ter com elas um diálogo político.

Oposição e a “quinta-coluna”

“Eu quero unir, não dividir a nossa sociedade. Se isso aconteceu, tenho de ter mais cuidado com o que digo. No entanto, é preciso dar nome aos bois. Essa linha é muito tênue. É complicado demarcar cientificamente a oposição da quinta coluna [expressão usada para se referir a grupos clandestinos que atuam dentro de um país ou região prestes a entrar em guerra]. Todos conhecemos o poema de Lérmontov: “Adeus, Rússia mal lavada!”. O poeta era um oposicionista?

Claro que sim. Quando escreveu o poema “Para a morte de um poeta”, um seu familiar lhe pediu que suavizasse os versos. Lérmontov, porém, os tornou ainda mais agressivos. Claro que foi oposicionista, mas também um patriota. Trata-se de um limiar indefinido. Um oposicionista luta até o fim pelos interesses da sua Pátria, enquanto a quinta-coluna é movida por interesses de outros Estados.

Quando tomei a decisão de comutar a pena do empresário Mikhail Khodorkóvski, suas intenções políticas não me interessavam, era assunto dele. Que Deus o ajude, que trabalhe à vontade. A minha decisão teve por base razões humanitárias, pois a sua mãe estava doente. Ele já cumpriu a maior parte da pena. Não me arrependo de nada, penso ter agido corretamente.”

Relações russo-georgianas

“Tentei convencer [o ex-presidente georgiano Mikheil] Saakachvili a não desencadear ações militares, mas ele não atendeu aos meus pedidos. Todos sabemos que, em 1991, também se deram graves acontecimentos, quando a Geórgia se proclamou um Estado independente. Somos sempre acusados de todos os pecados mortais, de termos provocado tudo. Não provocamos nada. A Rússia reconheceu a independência das repúblicas.”

Jogos Olímpicos e Mundial de 2018

Tudo o que planejamos na preparação e realização dos Jogos Olímpicos [de Sôtchi, em 2014], conseguimos alcançar. Mais ainda, ganhamos. As instalações olímpicas são hoje um grande centro de descanso e recuperação para toda a população. Em Sôtchi, vão ocorrer competições, será desenvolvido o esporte infantil, surgiu até um time de hóquei.

Entretanto, são muitos os países que se recusam a participar das competições. Queremos que as pessoas se exercitem, em vez de comprar vodca. Precisamos da Copa do Mundo de 2018 para popularizar o futebol entre as crianças. Ele representa um impulso ao desenvolvimento da Rússia.

Vida pessoal

Um conhecido me perguntou se tenho namorada. Está tudo em ordem, não se preocupem. Ludmila Aleksándrovna [ex-mulher do presidente] e eu somos amigos, nos vemos de vez em quando. Não estou aborrecido, não se preocupem. O que é preciso é trabalhar – e assim que deve ser."

FONTE: reportagem de Por Maksim Kórchunov, na "Gazeta Russa" (http://br.rbth.com/politica/2014/12/18/nossa_posicao_firme_mostra_aos_ocidentais_que_nao_e_preciso_muros_28797.html). Transcrito no site "Patria Latina" (http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=90e08c6d15d206857d4fd54fa2f334bc&cod=14817).

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