Especial para o UOL
"La lunga marcia dei senza terra – dal Brasile al mondo"(A longa marcha dos sem terra – do Brasil ao mundo) é o título do livro sobre o MST lançado na Itália, em novembro, pela editora EMI, de Bolonha. Assinam a obra Claudia Fanti, Marinella Correggia e Serena Romagnoli.
Desde 1984, quando o MST foi fundado, editaram-se muitos
livros abordando sua luta pela reforma agrária no Brasil e por
uma nação menos desigual e mais justa. Convém lembrar que, de
todos os países das Américas, somente no Brasil e na Argentina
jamais houve reforma da estrutura fundiária.
O MST é, hoje, o mais importante movimento social brasileiro. O livro lançado na Itália é, sem dúvida, uma das obras mais consistentes e bem documentadas sobre o movimento dos agricultores sem terra, seja pela abrangência, seja pelo fato de ter como fontes primárias depoimentos de militantes protagonistas dessa história, que já dura 30 anos.
As autoras tiveram o cuidado de contextualizar o MST na história do Brasil e na atual conjuntura política e econômica de nosso país. Resgataram lutas sociais desde a colonização portuguesa, iniciada nos primórdios do século 16, que derrubam o mito de que o povo brasileiro é apático e passivo frente à opressão: Quilombos, Canudos, Coluna Prestes, Ligas Camponesas, resistência à ditadura militar (1964-1985), Comissão Pastoral da Terra etc.
O MST congrega, hoje, milhares de famílias expulsas de suas terras pela ganância do latifúndio, pela expansão do agronegócio e devido a construção de barragens para a produção de energia elétrica. O movimento não surgiu por iniciativa de partidos políticos ou da cabeça de "intelectuais orgânicos".
Vinculado à Via Camponesa, de expressão internacional, o MST
resultou da luta específica de trabalhadores da agricultura
familiar por direitos ameaçados, como foi o caso dos mil dias de
resistência na Encruzilhada Natalino, no sul do Brasil, a partir
de 1981. Ali, estive prestando a minha solidariedade e ali fui
cercado e intimidado pela Polícia Militar.
Se há um movimento cuja história, no curto período de três décadas, pode ser proporcionalmente comparado aos três séculos iniciais da Igreja, devido à profusão de mártires, é o MST. Massacres como os de Eldorado dos Carajás e Corumbiara, com dezenas de mortos e feridos, são "terra sagrada" regada pelo sangue de agricultores espoliados, que deram suas vidas pelo direito elementar de acesso a um pedaço de terra em um país de dimensões continentais.
Movimento de propostas
O MST não é apenas um movimento de ação. É também, como bem demonstra esta obra, um movimento de formação, de qualificação cultural de seus militantes e dos sem terrinha, as crianças nascidas e criadas em acampamentos e assentamentos.
Há uma ampla rede de escolas do campo, na qual alunos e alunas aprendem a partir da realidade em que vivem, e não apenas da lição impositiva dos livros didáticos que correspondem ao currículo oficial do ensino brasileiro. No município de Guararema, próximo à capital de São Paulo, a Escola Nacional Florestan Fernandes propicia formação política aos militantes, segundo uma perspectiva libertadora à luz do método pedagógico proposto por Paulo Freire.
Este livro culmina na análise das relações tensas entre o MST e os governos Lula e Dilma. Entre esperanças e desilusões, entre "pau e prosa", na expressão de João Pedro Stedile, o movimento, que preserva seu caráter apartidário e laico, segue pressionando o poder público através da ocupação de terras ociosas e suas marchas e mobilizações.
O MST não é apenas um movimento de reivindicação e protesto. É também de iniciativas e propostas. Seus assentamentos rurais são transformados em verdadeiros laboratórios de uma futura sociedade emancipada. Ali, são desenvolvidos projetos cooperativos de agroecologia, agroindústrias, plantas medicinais, sementes livres de transgênicos e pesticidas, produção de alimentos orgânicos etc.
Hoje, o MST, através da Via Camponesa, mantém uma ampla rede mundial de solidariedade, da qual este livro é expressão primorosa. Até mesmo o Vaticano do papa Francisco se abre ao diálogo com ele, conforme documentam as autoras.
A longa marcha dos sem terranão é apenas um importante documento histórico. É um interessante relato de como pessoas e famílias empobrecidas, desprovidas de bens essenciais, como terra e moradia, são capazes de se transformar em sujeitos históricos e se tornar interlocutores que nenhum governo ou força política e econômica pode ignorar.
Por vezes tratado como "caso de polícia", como bem descrevem as autoras, o MST é um exemplar caso de política, uma referência a todos que não cedem à cooptação da ideologia neoliberal, consumista e hedonista, e acreditam em "outros mundos possíveis", em alternativas viáveis ao capitalismo e cujas sementes de futuro já começam a germinar e florescer.
O MST é, hoje, o mais importante movimento social brasileiro. O livro lançado na Itália é, sem dúvida, uma das obras mais consistentes e bem documentadas sobre o movimento dos agricultores sem terra, seja pela abrangência, seja pelo fato de ter como fontes primárias depoimentos de militantes protagonistas dessa história, que já dura 30 anos.
As autoras tiveram o cuidado de contextualizar o MST na história do Brasil e na atual conjuntura política e econômica de nosso país. Resgataram lutas sociais desde a colonização portuguesa, iniciada nos primórdios do século 16, que derrubam o mito de que o povo brasileiro é apático e passivo frente à opressão: Quilombos, Canudos, Coluna Prestes, Ligas Camponesas, resistência à ditadura militar (1964-1985), Comissão Pastoral da Terra etc.
O MST congrega, hoje, milhares de famílias expulsas de suas terras pela ganância do latifúndio, pela expansão do agronegócio e devido a construção de barragens para a produção de energia elétrica. O movimento não surgiu por iniciativa de partidos políticos ou da cabeça de "intelectuais orgânicos".
Devido à profusão de mártires, o MST pode ser comparado aos três séculos iniciais da Igreja escritor, sobre os massacres sofridos pelo movimento dos sem terra
Se há um movimento cuja história, no curto período de três décadas, pode ser proporcionalmente comparado aos três séculos iniciais da Igreja, devido à profusão de mártires, é o MST. Massacres como os de Eldorado dos Carajás e Corumbiara, com dezenas de mortos e feridos, são "terra sagrada" regada pelo sangue de agricultores espoliados, que deram suas vidas pelo direito elementar de acesso a um pedaço de terra em um país de dimensões continentais.
Movimento de propostas
O MST não é apenas um movimento de ação. É também, como bem demonstra esta obra, um movimento de formação, de qualificação cultural de seus militantes e dos sem terrinha, as crianças nascidas e criadas em acampamentos e assentamentos.
Há uma ampla rede de escolas do campo, na qual alunos e alunas aprendem a partir da realidade em que vivem, e não apenas da lição impositiva dos livros didáticos que correspondem ao currículo oficial do ensino brasileiro. No município de Guararema, próximo à capital de São Paulo, a Escola Nacional Florestan Fernandes propicia formação política aos militantes, segundo uma perspectiva libertadora à luz do método pedagógico proposto por Paulo Freire.
Este livro culmina na análise das relações tensas entre o MST e os governos Lula e Dilma. Entre esperanças e desilusões, entre "pau e prosa", na expressão de João Pedro Stedile, o movimento, que preserva seu caráter apartidário e laico, segue pressionando o poder público através da ocupação de terras ociosas e suas marchas e mobilizações.
O MST não é apenas um movimento de reivindicação e protesto. É também de iniciativas e propostas. Seus assentamentos rurais são transformados em verdadeiros laboratórios de uma futura sociedade emancipada. Ali, são desenvolvidos projetos cooperativos de agroecologia, agroindústrias, plantas medicinais, sementes livres de transgênicos e pesticidas, produção de alimentos orgânicos etc.
Hoje, o MST, através da Via Camponesa, mantém uma ampla rede mundial de solidariedade, da qual este livro é expressão primorosa. Até mesmo o Vaticano do papa Francisco se abre ao diálogo com ele, conforme documentam as autoras.
A longa marcha dos sem terranão é apenas um importante documento histórico. É um interessante relato de como pessoas e famílias empobrecidas, desprovidas de bens essenciais, como terra e moradia, são capazes de se transformar em sujeitos históricos e se tornar interlocutores que nenhum governo ou força política e econômica pode ignorar.
Por vezes tratado como "caso de polícia", como bem descrevem as autoras, o MST é um exemplar caso de política, uma referência a todos que não cedem à cooptação da ideologia neoliberal, consumista e hedonista, e acreditam em "outros mundos possíveis", em alternativas viáveis ao capitalismo e cujas sementes de futuro já começam a germinar e florescer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário